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Brasília

Dia Nacional do Surdo: grafiteiro registra sentimentos em arte; conheça desafios na inclusão

26 de setembro celebra a data que promove conscientização sobre a acessibilidade a pessoas com deficiência auditiva

Agência UniCeub

26/09/2019 14h07

Rafaela Garcez
Jornal de Brasília/Agência UniCeub

Na curva sobre os tijolos de uma rua no Sol Nascente, na periferia do Distrito Federal, está pintado de azul o nome Odrus, uma mensagem escondida que revela “surdo” escrito ao contrário. As letras formam o nome artístico do rapaz que queria ser ouvido:  Raph Odrus. Mas o sol escureceu quando ele quis estudar e tudo pareceu invertido. 

O artista desistiu da sala de aula porque ninguém o ouvia. Rafael dos Santos, 35 anos, é surdo de nascença e não teve oportunidade de terminar nem o ensino médio. A mãe sempre o apoiou, quando  menor frequentava o Centro Educacional da Audição e Linguagem Ludovico Pavoni (CEAL-LP) onde pode desenvolver outras formas de comunicação.

Os estudantes surdos e deficientes auditivos são preferencialmente enturmados em classe bilíngue mediada, o que tende a favorecer a inclusão do aluno.  Ao ser questionado sobre a educação para surdos, o rapaz afirmou  que ainda há muito o que avançar. Para ele, quando se trata do mercado de trabalho o desafio é ainda maior. “As empresas possuem preconceitos com surdos, a comunicação é difícil. Para ouvintes, o trabalho é mais fácil”, explicou. 

Para Rafael, o mundo se abriu no campo visual, e hoje é um dos maiores grafiteiros do DF. Com a curva da vida, entroncamentos entre seguir ou desistir, Raph Odrus encontrou um universo de expressão a partir dos seus desenhos. O artista, que já viajou todos os estados do Brasil, foi convidado para eventos internacionais e coleciona experiências ao redor do mundo.  Nas paredes das regiões administrativas do DF, existem desenhos do garoto surdo que fez com que todos o escutassem, em alto e bom som. Por meio da arte Rafael demonstrou que a superação é possível de alcançar. 

O rapaz faz questão de deixar registrado por onde passa a sua identidade. Por intermédio da arte proporciona não somente encantamento, mas também conscientização. Caso você, leitor, ao andar pelas ruas do Distrito Federal presencie um “Odrus” grafitado em alguma parede, lembre-se de Rafael de Oliveira, um garoto que não teve a oportunidade de terminar os estudos, mas pelas ruas tortas da vida encontrou uma saída. 

“Nãos” pelo caminho

A adolescente Beatriz Araújo, de 17 anos, acorda cedo, sonha em ser enfermeira, é extrovertida e surda. A última característica foi descoberta quando tinha um ano e oito  meses, a partir do CEAL. A desconfiança dos pais surgiu aos seis meses de idade da criança, que apenas balbuciava e não reagia aos barulhos. O diagnóstico feito de maneira tardia pegou os pais da garota de surpresa. Diante do novo desafio, era necessário não somente compreender, mas aprender. 

Desde então, a estudante foi oralizada, alfabetizada e aprendeu a se comunicar. Para a mãe, Edilene Paula,  45, que é técnica de enfermagem, a educação sempre foi imprescindível na vida da criança. Desde cedo, os pais procuraram escolas que amparasse a filha, e não a deixassem “jogada” (deixada de lado) pelos colegas e professores.

Sem intérprete e sem compreender o mundo que a cercava, a garota estava atrasada nos estudos. Foi quando Edilene não permitiu que a filha passasse de ano na primeira série do ensino fundamental, pois exigia que, como aluna, Beatriz aprendesse de forma justa. “Eu não aceitava essa questão de tem que passar. Ela tem que passar sabendo”, desabafou. Ao procurar escolas no Riacho Fundo II, região administrativa do DF, a falta de intérpretes era recorrente. 

Mas, em meio aos “nãos”, a mãe da menina encontrou uma possibilidade na Escola de Língua Brasileira de Sinais (Libras) em Taguatinga, que atende diversos níveis do público surdo através de políticas de inclusão. 

Aulas em Libras

A escola de Libras em Taguatinga foi criada em 2013 pela Lei nº 5.016, de 11 de janeiro do mesmo ano. A unidade oferece, desde o ensino infantil ao médio, incluindo educação de jovens e adultos. Todas as aulas são regidas em Libras com português escrito. Existem alunos ouvintes de turmas remanescentes, que também possuem aulas de Libras. 

O espaço é grande e tem estampado em suas paredes mensagens de incentivo à inclusão. Além disso, professores e alunos possuem uma relação de amizade e a conversa flui de maneira muito natural.

Ana Maria Rabelo é cientista política e mãe solteira de Vinicius de 10 anos, que possui contato frequente com o pai. Antes morava na capital paulista, mas ao retornar para Brasília precisava encontrar um ambiente que acolhesse o filho, que recebeu um diagnóstico há seis meses da síndrome de Myhre. Um dos sintomas é a surdez. 

Para ela, a escola especializada para surdos em Taguatinga promove desenvolvimento educacional, mas principalmente social. No caso de Vinicius, a perda de audição é severa. Ana Maria foi pega de surpresa quando soube que só existia uma escola especializada para deficientes auditivos no Distrito Federal. Ela morava na Asa Norte, mas precisou se realocar para a região administrativa de Águas Claras, a fim de facilitar o acesso à escola do filho. Ana Maria ratifica a importância desse ambiente como fundamental. “Ao conhecer essa escola, em especial, eu fiquei muito feliz quando conheci os profissionais. Acho que são todos muito preparados”, elogiou. 

Inclusão sob polêmica

Atualmente, a escola encontra barreiras para o desenvolvimento e segue na tentativa de oferecer um ensino digno para a população que possui alguma deficiência auditiva. Eles representam a terceira categoria mais incidente entre a população que declara ter alguma deficiência segundo o perfil das pessoas com deficiência na capital, realizado pela Companhia de Planejamento do Distrito Federal (Codeplan) no ano de 2013. 

A promotora de justiça do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT), Márcia da Rocha,  afirma que o mais importante na inserção do aluno surdo no ambiente escolar é a interação entre família, escola e o próprio estudante. “Mas essa parceria depende de muitos fatores, inclusive individuais, a responsabilidade não é só da escola”, explicou. 

Márcia da Rocha explicou que existem alguns profissionais que defendem uma linha de inclusão, e que uma escola especializada afasta esse ideal, ressaltando como um defeito a redução de socialização com ouvintes.  Para isso, a escola bilingue de Taguatinga possui alunos ouvintes, além de incentivá-los a realizar a matrícula, onde terão a oportunidade de aprender Libras. Mas a promotora defende que a situação teórica se distingue da prática. “O surdo sempre será uma parte numa escola regular”, ressaltou. 

O cenário ideal seria aquele em que a sociedade se identifica com as pautas inclusivas, em que pais e alunos ouvintes querem estar inseridos nestes locais. “É necessária uma visualização funcional, a sociedade precisa enxergar que a gente faz um discurso sobre todos serem iguais, mas você não tem tantas pessoas de verdade que se importem com a pessoa surda”, criticou Márcia.  

Uma das maiores problemáticas que o DF tem enfrentado no oferecimento de uma educação básica para esse público é a falta de reciclagem dos intérpretes. A fim de reverter essa conjuntura, é necessário oferecer cursos, propostas e medidas onde os intérpretes possam aprender. A promotora Márcia da Rocha compreende a educação básica para surdos ainda como deficitária. “Isso se dá em face de uma ausência de comprometimento sobretudo em capacitação”. Ela entende que o Centro de Aperfeiçoamento dos Profissionais de Educação (EAPe) é um recurso já existente na SEEDF, que pode fornecer uma capacitação constante e a reciclagem desses profissionais. “Uma pessoa com diplomação, mas sem prática não tem fluência”, explicou. 

Para alunos com deficiência é recomendado se dirigir à Unidade Planejamento (Uniplat) da Coordenação Regional de Ensino de preferência, com documento de identificação com foto, CPF, comprovante de residência e laudo médico do estudante. A matrícula será efetivada na própria unidade escolar para a qual o estudante foi encaminhado.

Saiba mais sobre educação inclusiva

*Classe Comum Inclusiva: classe constituída por estudantes surdos/deficientes auditivos que não optam pela instrução em LIBRAS (geralmente são estudantes que utilizam aparelhos auditivos).

*Classe Bilíngue: Classe constituída exclusivamente por estudantes Surdos/Deficiente Auditivo que se comunicam por meio da LIBRAS e estudantes Surdocego que foram surdos antes de se tornarem deficientes visuais (DV). Nessas turmas, a LIBRAS é a língua de instrução. Destina-se a todos os estudantes que tenham a LIBRAS  como primeira língua ou que a estejam adquirindo por opção do estudante/família.

*Classe Bilíngue Mediada: Classe constituída por estudantes ouvintes e surdos/deficientes auditivos e/ou surdocegos. É caracterizada pela presença do professor bilíngue (Libras/LP), que atua como intérprete educacional e/ou guia intérprete, e o professor regente. No caso do estudante SC é necessário o guia-intérprete.

*Classe Bilíngue Diferenciada: Classe multietária e/ou multietapas constituída por estudantes Surdos/Deficientes auditivos que se comunicam ou optaram pelo uso da LIBRAS  e/ou estudantes Surdocegos com outras deficiências associadas (DMU), encaminhados de acordo com estudo de caso.

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