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DF supera 80 mil casos suspeitos de dengue, mais que o triplo do total de 2021

Em 2021, foram registradas 25.183 suspeitas. Ou seja, em 2022, foram notificados mais de três vezes o número de casos

Redação Jornal de Brasília

15/12/2022 17h46

Atualizada 21/12/2022 18h33

Foto: Sandro Araújo, da Agência Saúde-DF

Alexya Lemos e Maria Tereza Castro
(Jornal de Brasília/Agência de Notícias CEUB)

Pelo menos 80.316 casos suspeitos de dengue foram registrados no Distrito Federal até o final de novembro, segundo o último boletim epidemiológico da Secretaria de Saúde.

Em todo o ano de 2021, foram registradas 25.183 suspeitas. Ou seja, em 2022, foram notificados mais de três vezes o número de casos em relação ao ano anterior.

O biólogo e professor universitário Rodrigo Gurgel Gonçalves não atribui apenas a um fator o aumento de casos, mas levanta hipóteses para o fenômeno.

A primeira delas refere-se ao clima. Com mais chuvas nesta época em comparação ao ano anterior, houve uma condição para a multiplicação do inseto.

Segundo o especialista, pode também ter ocorrido redução das ações de controle do vetor ou menor atenção da população para a prevenção, devido à pandemia de covid-19.

Ele ressalta que essas são apenas hipóteses e as interações entre dengue e covid devem ser avaliadas.

Diminuição da imunidade

Além desses fatores, segundo o biólogo, que é especialista em parasitologia e entomologia, há um contexto diferente, relativo a uma possível imunidade no ano passado.

“Existe toda uma interação entre os vírus, os hospedeiros e a imunidade. Então, em um ano que tem muita dengue, muitas pessoas pegam e depois ficam imunizadas temporariamente. Por isso, no outro ano tem menos. Talvez, em 2021, a gente poderia ter uma imunidade, já em 2022, essa imunidade ‘baixou’ e o pessoal começou a pegar”.

É importante ressaltar que a dengue é, em geral, uma doença sazonal. Devido às características de reprodução do mosquito vetor, completamente depende do período chuvoso de determinada região, a doença pode ter se expandido, segundo o pesquisador.

Dessa forma, ele contextualiza que, entre os meses de outubro e maio, é necessário tomar cuidados extras e dar mais atenção a potenciais locais de foco do mosquito, segundo recomendações da Secretaria de Saúde do DF.

Desde 2017, quando os boletins epidemiológicos começaram a ser divulgados, os números da dengue no DF oscilaram.

No primeiro ano dos informativos, foram 6.650 casos notificados; no ano seguinte, 3.932. A epidemia de dengue foi declarada oficialmente em 2019, com 50.464 suspeitas, e continuou em 2020, com 47.422. Houve queda em 2021, foram 25.183 casos suspeitos. O maior número foi registrado neste ano, com 80.316 casos até o final de novembro.

Possibilidade de subnotificação

Segundo o infectologista Luciano Frantz, não há prova de que os casos diminuíram em 2021 se comparados a 2020, visto que o decréscimo percebido foi relativo às notificações. “Houve subnotificação e negligenciamento de casos durante o pico da pandemia, já que os serviços de saúde estavam focados no combate à covid-19”, afirma.

Os Levantamentos Rápidos de Índices para o Aedes aegypti (LIRAa), divulgados pela Secretaria de Saúde do DF nos dois últimos meses de 2021, evidenciam um Índice de Infestação Predial de 2%. Essa porcentagem corresponde ao número de imóveis com presença de larvas do mosquito no DF.

O levantamento de dezembro de 2021 revela que seis regiões administrativas tinham um índice superior a 4%, o que representa uma situação de risco. São elas: Planaltina, Sobradinho II, Lago Norte, Itapoã, Lago Sul e Park Way.

Em 2022, com 80.316 casos até novembro, quatro vezes mais que os casos de 2021, os levantamentos apresentam um Índice de Infestação Predial menor.

No boletim de janeiro, a taxa era de 1,1%, o que representa situação de alerta; em abril, o índice de 0,8% já era considerado satisfatório. O último levantamento, divulgado em julho, apresenta um índice de apenas 0,2%.

Riscos

Moradora de Planaltina, a profissional de relações públicas Mirela Lopes, de 34 anos, teve dengue pela primeira vez em abril de 2022. Ela diz que, antes de pegar a doença, já estava atenta ao aumento no número de casos na região e sempre evitava o acúmulo de água parada em caixas de esgoto e vasos de planta, por exemplo.

Mirela relata que, na casa ao lado, era visível que os mesmos cuidados não eram tomados, pois haviam muitos pneus e materiais de ferro-velho acumulados no terreno.

“Nós temos certeza de que o mosquito veio de lá. Depois disso, a gente até conversou com o vizinho, porque outras pessoas na rua além de mim e do meu avô também tiveram dengue”, conta. Ela afirma que chegou a fazer uma denúncia para a ouvidoria do GDF sobre o descuido no terreno, mas não obteve resposta.

Sintomas da dengue

“Os sintomas clássicos são febre e dores no corpo, principalmente musculares e de cabeça”, explica o infectologista Luciano Frantz.

Esses foram os indícios de dengue que levaram ao diagnóstico do corretor de seguros Pedro Henrique Lima, de 20 anos. Ele teve um quadro leve, assim como todos que moram em sua casa, que tiveram a doença no mesmo período. “Os sintomas foram fortes só nos primeiros dias”, relata.

O corretor realizou o tratamento da doença pela rede particular de saúde, enquanto Mirela recorreu ao Sistema Único de Saúde (SUS).

Ela chegou ao hospital com febre, dor de cabeça, dor no corpo e fraqueza. “Nos últimos dias, tive coceira e manchas vermelhas nos braços e nas pernas, que continuaram mesmo depois que a dengue passou”, relata a profissional de relações públicas, que se recuperou num total de dez dias.

O infectologista explica que esse tipo de sintoma é menos comum: “Manchas no corpo com coceira são menos frequentes e vômitos e dores abdominais podem significar gravidade”.

Menos letal, maior contágio

Apesar do maior número de casos, os óbitos causados pela dengue continuam em estabilidade se comparados com o ano anterior. Em 2017, quando a Secretaria de Saúde começou a divulgar boletins epidemiológicos, foram registrados 21 casos graves e 12 óbitos por dengue. Já em 2018, foram apenas 4 casos graves e 2 óbitos registrados.

Os anos de 2019 e 2020 marcaram a epidemia de dengue no Brasil. No primeiro, foram registrados 74 casos graves e 48 óbitos no DF, enquanto no segundo, 71 casos graves e 44 mortes.

Esses números foram menores no ano de 2021, quando a dengue causou 12 óbitos e teve 18 casos graves notificados. De acordo com o último boletim de novembro de 2022, já foram registrados 61 casos graves e 11 óbitos.

Segundo ele, os fatores que podem agravar o quadro de saúde são: a resposta imune inadequada do hospedeiro ao vírus, somada a alta capacidade de reprodução dele no organismo (virulência). Dessa maneira, as pessoas podem ter infecções repetidas em um curto período de tempo, causando formas mais graves da doença.

Aconteceu com a universitária Monique Del Rosso, de 21 anos, que teve dengue duas vezes neste ano: uma em fevereiro e outra em setembro. Ela relata que, na primeira vez, os sintomas foram leves, uma pequena dor no corpo. Houve a suspeita porque seu irmão chegou a ter febre, o que os levou ao hospital.

“Da segunda vez complicou muito mais: febre, dor exagerada no corpo, dor aguda na cabeça. Não dormir era um sofrimento e eu não conseguia sair da cama”, conta Monique. Com os sintomas mais intensos e por ser seu segundo diagnóstico de dengue, o médico manteve a jovem em observação no hospital por um dia, pois o quadro de saúde poderia evoluir para dengue hemorrágica. Segundo ela, a recuperação total demorou dez dias.

Focos

No final de novembro, Monique recebeu em sua casa um agente sanitário, que encontrou larvas do mosquito transmissor da dengue na piscina. “Achamos estranho, pois temos piscineiro e ele cuidava de outras quatro piscinas na rua. Conversamos com os vizinhos e também havia na piscina deles”, disse a moradora do Lago Norte.

Ela também conta que conhece outras pessoas no mesmo bairro que tiveram dengue neste ano. “O cloro dificulta a manutenção das larvas na piscina, porém, se a concentração do cloro for baixa a dificuldade diminui e elas conseguem sobreviver”, esclarece o biólogo Rodrigo Gurgel.

O Aedes aegypti é um mosquito que, além da dengue, pode transmitir febre amarela, zika e chikungunya. O vetor tem um ciclo de vida rápido, de 7 a 10 dias, que envolve as fases de ovo, larva, pupa e adulto.

Para nutrir os ovos, as fêmeas, que são hospedeiras do vírus, alimentam-se de sangue humano e de outros animais. Em seguida, elas depositam os ovos em recipientes com água parada. Logo que os ovos eclodem e saem as larvas, passam por quatro estágios de desenvolvimento. Depois, elas se transformam em pupas, das quais emergem os adultos, que já podem realizar reprodução.

A UnB possui um projeto de controle de mosquitos Aedes aegypti desde 2016. “A gente está trabalhando com uma estratégia de controle inovadora, que é o uso uma estação disseminadora de um larvicida que atrai o mosquito até ela e o próprio mosquito carrega o larvicida para acabar com os criadouros. Porque a gente sabe que os agentes de saúde não têm como ir em todas as casas, mas os mosquitos têm”, disse o professor Rodrigo Gurgel, responsável pela pesquisa.

O método mostrou-se eficiente após a aplicação na região de São Sebastião em 2017 e 2018. A análise foi feita pela comparação da ocorrência do mosquito em duas áreas com grande quantidade dos insetos, uma com o uso do larvicida nas casas e outra sem intervenções. Segundo Rodrigo, houve uma redução de aproximadamente 66% na quantidade de mosquitos na área em que foram utilizados os larvicidas.

Com os resultados satisfatórios, o projeto foi bem visto na comunidade científica e conseguiu financiamento da Organização Mundial de Saúde (OMS). Neste ano, o projeto está sendo desenvolvido na Estrutural.

“A área de intervenção de Santa Luzia é talvez a área mais socialmente vulnerável do DF, com casas de madeira, falta de saneamento básico e pobreza extrema. A gente tem uma expectativa de que também haja uma redução na quantidade de Aedes aegypti e, mais pra frente, de casos de dengue, zika e chikungunya naquela área”.

Combate

Segundo a Secretaria de Saúde do DF, as equipes de vigilância fizeram mais de 2,8 milhões de vistorias em residências entre janeiro e setembro de 2022 e estão intensificando a atividade de pulverização de inseticida.

“Entre as ações realizadas pela Secretaria de Saúde para fortalecer o combate à dengue, estão a aquisição de 4,5 toneladas de inseticidas, fortalecimento de estoques e insumos para prevenção e cuidados com pacientes com dengue, capacitação de profissionais, manutenção de máquinas e ações de inspeções em todas as 33 regiões administrativas do DF”, afirma o órgão em portal oficial.

Para a proteção individual contra a dengue, Mirela, Pedro Henrique e Monique afirmam que, depois de pegar a doença, passaram a aplicar repelente para sair de casa com mais frequência.

Além disso, tomam as precauções necessárias para eliminar os focos, como ter cuidado com recipientes que podem acumular água (caixas d’água, vasos de planta, pneus, entulhos, garrafas) e receber os agentes da vigilância sanitária em casa.

“Individualmente, a pessoa pode evitar a picada do mosquito usando o mosquiteiro, raquetes elétricas e também inseticidas elétricos para que o mosquito não fique circulando no local”, recomenda o biólogo.

Vacina para a dengue

Há dez anos em estudo pelo Instituto Butantan em parceria com instituições norte-americanas, a vacina contra a dengue já está na fase 3 de estudo e teve mais de 17 mil voluntários.

De acordo com a pesquisa publicada na revista científica Human Vaccines & Immunotherapeutics, a vacina induziu a geração de anticorpos em 100% dos indivíduos que já tiveram dengue e em mais de 90% naqueles que nunca haviam tido contato com o vírus.

Além disso, ela se mostrou segura e sem efeitos adversos graves. As reações mais comuns foram dor de cabeça, fadiga, erupção cutânea e mialgia (dor muscular).

O imunizante é composto por quatro fragmentos das diferentes cepas do vírus da dengue enfraquecidos, visando garantir a proteção contra todos os tipos de dengue. Ele é indicado para pessoas que já contraíram a doença anteriormente.

Atualmente, a vacina do laboratório Sanofi-Aventis é a única que previne a dengue aprovada no Brasil, porém ela não é oferecida pelo Programa Nacional de Imunizações (PNI).

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