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Brasília

Desafios na educação são maiores na zona rural

Volta presencial do ano letivo no campo deve despender atenção especial de educadores

Vítor Mendonça

16/02/2022 17h22

No Distrito Federal, são mais de 24,4 mil alunos que estudam no campo. Fotos: Vítor Mendonça/Jornal de Brasília

Com a suspensão das aulas durante a pandemia da covid-19, é certo que muitos alunos tiveram dificuldades no aprendizado remoto. Na área rural, os desafios foram ainda maiores, tanto devido à má qualidade do sinal de internet para assistir às aulas quanto à falta de recursos para garantir o acesso em casa.

Uma das escolas do campo em que a dificuldade foi constatada foi o Centro Educacional (CED) Pipiripau II, localizado no núcleo rural Pipiripau, em Planaltina. Foram mais de 500 crianças e adolescentes, desde o Ensino Fundamental I até o Ensino Médio, que enfrentaram os empecilhos com a internet para acessar os conteúdos à distância e tiveram perdas no aprendizado.

De acordo com o diretor da unidade educacional, Orlei Rofino de Oliveira, a solução encontrada para impasses com a conectividade foi o envio de atividades impressas para os estudantes. “Só que nessas condições o ensino nunca é como deveria ser”, destacou o educador. “O aluno acaba ficando muito prejudicado. Se em uma escola urbana as dificuldades foram imensas, imagina na escola do campo”, disse.

“O prejuízo do ponto de vista das aprendizagens foi muito grande. Vamos demorar anos para recuperar. […] Esses quase dois anos de pandemia foram bem prejudiciais aos alunos. Aqui [na área rural] não tem internet de qualidade e muitas famílias tiveram muitas dificuldades [financeiras]”, segundo o diretor.

Quando a família não conseguia pegar o material, a equipe pedagógica levava o material às casas e depois ou os buscava para a correção ou dava um tempo maior para que devolvessem. Em outros casos em que a questão era financeira, muitos professores chegaram a custear os dados móveis para os alunos.

Neste período, a equipe da escola elaborou o “CED Pipiripau Solidário”, que consistiu tanto na arrecadação de cestas básicas para as famílias quanto na arrecadação de eletrônicos para que os alunos pudessem participar do ensino remoto. Foram celulares e tablets recebidos de doações do DF inteiro.

“Mas o problema é a conectividade. Não adiantava o aluno ganhar um aparelho e não ter condições de acessar as aulas [por qualidade de sinal ou condições financeiras de arcar com os custos de uma internet]”, comentou o vice-diretor, Eduardo Barcelos de Oliveira, que reforçou o obstáculo do sinal para as atividades on-line.

O retorno do ano letivo presencial na rede pública de ensino do DF marca, portanto, além de uma retomada definitiva das aulas nas escolas, a garantia de um aprendizado mais próximo dos professores, e, portanto, mais atencioso. No Distrito Federal, são mais de 24,4 mil alunos que estudam no campo, espalhados em 80 unidades de ensino, sendo cerca de 10 mil estudantes nos anos iniciais da educação básica. Os dados são da Secretaria de Estado de Educação (SEE-DF).

Foto: Vítor Mendonça/Jornal de Brasília

Foi diante de tantas dificuldades como estas que o pequeno Vitor Gabriel, de 6 anos, estudante do 1º ano, teve um atraso na alfabetização escolar, e ainda não sabe ler e escrever bem. No caso dele, foi necessário fazer as atividades impressas enviadas pela escola por não haver uma boa internet para que acessasse as aulas, segundo a mãe, Ana Walkili, de 33 anos.

Moradores do Capão, região rural em Planaltina do Goiás, ela matriculou o filho no CED Pipiripau por ser a escola mais próxima da chácara que possui, onde produz verduras para a venda a uma cooperativa. Desde a retomada do ensino presencial, Ana sai de casa antes das 6h para trabalhar na unidade escolar, onde é funcionária da limpeza há sete anos.

Vitor, por outro lado, estuda no período vespertino e segue para a escola ou com o pai ou com caronas de famílias da mesma região do Capão, que têm os filhos matriculados no CED Pipiripau II. As crianças são deixadas e esperam com os responsáveis pelo ônibus escolar em um dos pontos por onde o transporte passa. De acordo com Ana, Vítor perdeu bastante com o ensino à distância.

Além disso, a saúde do garoto também atrapalhou o aprendizado remoto. Vitor Gabriel possui uma enfermidade ainda não completamente diagnosticada pelos médicos, mas que o torna mais insensível à dor. Enquanto as aulas não retornavam, o pequeno teve duas fraturas na perna esquerda e precisou paralisar os estudos para se recuperar no hospital, sendo internado.

Foto: Vítor Mendonça/Jornal de Brasília

Em outubro do ano passado, durante o sistema híbrido, o menino fraturou a perna novamente sem perceber – provavelmente na escola em alguma atividade, segundo Ana – e ficou outro período se recuperando, sem ir à escola para não forçar o membro e se machucar ainda mais sem perceber. Ele está em acompanhamento pela Rede Sarah.

“O Vitor teve dificuldade para aprender a ler. Comparando com outros meninos da sala dele, ele está um pouco mais atrás. Mas quando começaram as aulas dele [em 2020], deu um mês e começou a pandemia. Teve que estudar tudo remoto, e isso prejudicou bastante”, destacou a Ana.

Apesar do pouco tempo dentro de sala de aula, Vítor estava ansioso para voltar a encontrar os amigos na escola, segundo Ana. “Acho que é porque os professores e coordenadores são muito receptivos e tratam as crianças muito bem”, ressaltou. “Mas [ao ensino remoto] ele não se adaptou bem”, complementou.

Quanto aos riscos da contaminação pela covid-19 neste novo retorno, Ana fica apreensiva por esta nova onda de infecções que o DF tem registrado há mais de um mês. “Sempre fico apreensiva porque é uma doença complicada. Muitas pessoas já perderam tantos parentes, fico com medo. Não se sabe tanto dela assim.”

A insegurança neste retorno também é um dos sentimentos de Mara de Souza, 32, que voltou para o Núcleo Rural Pipiripau com os filhos João Vitor, 13, e Matheus, 7, há aproximadamente um ano. Ela veio da Bahia em 2019, mas retornou para o estado de origem quando a pandemia começou e as aulas foram suspensas, em 2020. Em fevereiro de 2021, a família veio para o DF novamente.

“Estou feliz que eles vão voltar às aulas, mas com um pouquinho de medo por causa do vírus. Estou conversando com eles direitinho, pedindo para usar máscara, não ficar muito perto dos coleguinhas e manter o distanciamento”, destacou.

Durante o período sem aulas presenciais, os dois estudantes também não se desenvolveram bem – ficaram a maior parte do tempo sem aulas, mesmo as remotas. Matheus é um dos mais velhos da turma do 1º ano, onde os estudantes normalmente têm 6 anos. Já João Vitor irá para o 3º ano, estando ao menos três anos atrasado nos estudos, principalmente pelo déficit de atenção.

Ônibus rural

Fotos: Vítor Mendonça/Jornal de Brasília

A ida à escola para as aulas presenciais no campo se dá de maneira diferente. Como as chácaras e fazendas são muito distantes umas das outras, e para muitas crianças não há outro tipo de transporte, o caminho é feito com um ônibus escolar fornecido pela unidade de ensino. Neste caso, o veículo sai do CED Pipiripau II e percorre a estrada de chão até chegar nas entradas das chácaras.

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