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Brasília

Depois de 20 dias sem ponte, moradores da Vila Cauhy se arriscam atravessando a correnteza

Alguns moradores se encontram sem opção de fazer as tarefas do dia a dia sem a construção

Redação Jornal de Brasília

24/01/2024 19h46

O Alagamento do dia 4 na vila Cauhy levou a mobília, os bens, parte da vida de muitos moradores, e também levou uma ponte. Após vinte dias da tragédia, as pessoas que conseguiram se recuperar um pouco com a ajuda de doações e o auxílio do poder público têm de escolher entre enfrentar a demora de um longo trajeto, ou se arriscar em meio a correnteza para trabalhar, fazer compras ou ir ao médico.

Praticamente toda a necessidade da vila só pode ser suprida atravessando o rio para o Núcleo Bandeirante, e tem sido assim desde sempre, pelo menos é o que conta Rosa Rufino, moradora de lá há 24 anos. Um pouco menos afetada hoje pela ausência da passagem, por conseguir se locomover de carro, diz que para muitos alí a ponte era e é essencial. “Eu moro aqui há 24 anos e quando mudei para cá, existiam 2 toras de madeira para a gente atravessar o rio. Era e é o acesso mais curto ao Núcleo Bandeirante, ao posto de saúde, escola, transporte”, conta.

Segundo diz, aqueles que não possuem veículo próprio precisam se submeter a dar uma volta enorme, evitando a ponte Liverpool, que é a que caiu, e indo em direção à ponte canarinho, um caminho de 15 a 20 minutos marcados por um certo aclive, o que dificulta e até chega a impossibilitar a locomoção de idosos e pessoas com comorbidades, que também povoam a região.

Uma das moradoras do local, que preferiu não se identificar, diz ser vendedora em domicílio no outro lado do rio, e que no dia anterior chegou a passar mal ao ter de fazer o caminho de ida e volta 3 vezes, o que antes mal lhe custava tempo, mas ainda diz existirem outras que enfrentam um cenário pior. “Tem mulheres que trabalham a noite em pizzarias e bares no núcleo bandeirante e vem na madrugada, sozinhas, arriscando a vida pela outra ponte escura”, relata. “Essa ponte tem que ser feita com urgência, vai começar as aulas agora, e as crianças daqui estudam no Núcleo Bandeirante. Fica difícil.”

Em um caso mais extremo ainda, há aqueles que preferem se arriscar no córrego a enfrentar a extenuante caminhada. Margarida Gomes Carneiro, flagrada pelas câmeras dos celulares de vizinhos voltando do trabalho entre o fluxo e as pedras escorregadias, diz que sua rotina é muito cansativa para suportar o trajeto maior. “Eu saio de casa todo o dia 05:20, dou a volta passo o dia todo trabalhando, saio do serviço às 14:00, e para dar toda a volta de novo, tenho que dar meia hora de caminhada”, diz. Por trabalhar em pé o dia todo, e estar acostumada a fazer o tipo de trajeto dado ter experiência no campo, prefere 10 minutos pelo córrego a 30 através da ponte distante, “mesmo com todo o sacrifício”.

Os moradores mais antigos da Vila já enfrentaram pontes bem mais precárias do que a que foi destruída no dia 4. Relataram pontes inteiriças de madeira além das 2 toras improvisadas há 24 anos, segundo disse Rosa. Não existe a pressão para a obra ser terminada de bate pronto, pois, pela experiência dos moradores, uma ponte assim duraria muito pouco, e a dor de cabeça de fazer o trajeto mais longo voltaria à tona. “Eles dizem que não podem fazer uma ponte de imediato e tudo bem, a gente sabe que para uma boa ponte é necessário uma infraestrutura boa”, diz Rosa.

A reivindicação dos moradores é simplesmente uma forma alternativa de cruzar o rio, que não faça com que a volta para casa seja um martírio depois de um dia de trabalho cansativo, uma prova de resistência caso se tenha de levar as compras e uma criança à mão, ou simplesmente uma barreira absoluta. O que é proposto pelos moradores é um veículo que circule entre as casas, “um micro-ônibus, uma van, que pegasse os moradores e levasse até lá”. Mesmo compreendendo a demora, a vida não pode parar para os que moram na Vila Cauhy. “ A gente foi informado que a ponte vai sair daqui há 6 meses, mas para quem tá precisando é uma eternidade”, desabafa Rosa.

Segundo o prefeito comunitário, Walter Marcos, das três pontes que atendiam a comunidade, a ponte Liverpool era a mais largamente utilizada, seguida pela Canarinho, ainda em pé e, agora, principal caminho entre o Núcleo Bandeirante e os moradores, e a Azulão, que menos atende a Vila, servindo, na verdade como passagem para alguns poucos chacareiros e trabalhadores que descem na BR e rumam à região administrativa. Todas foram, de alguma forma, afetadas pela cheia do rio no início do mês.

Segundo a administração, a ponte Canarinho passou por intervenções da Novacap em toda a estrutura, e se encontra livre para o trânsito de passantes. Da mesma forma, a Azulão recebeu reforços emergenciais na estrutura. Ainda segundo a administração, “em breve” equipes da Novacap iniciarão a total revitalização dessa estrutura. A ponte que desabou se encontra como prioridade para o órgão para o início das obras. No entanto, não há previsão definida para o começo das aividades, embora esteja sendo conduzida em caráter de urgência. “No momento, todos os esforços estão concentrados na construção dos muros de gabiões, projetados para prevenir futuras erosões e o assoreamento do córrego, visando afastar os riscos de alagamentos decorrentes do intenso fluxo de água”. Até a postagem desta notícia, não houve respostas da Novacap à JBr.

Num diálogo entre a prefeitura e a administração, acerca da chance de trazer um meio de transporte aos moradores carentes afetados, foi alegado uma falta de estrutura por parte da administração para fornecer o pedido da comunidade. “O administrador está aberto ao diálogo, e conversa conosco, mas ele depende muito de outros órgãos”, justifica Walter, o prefeito. A secretaria de Mobilidade chegou a ir ao local e mapear as melhores rotas por onde o ônibus poderia passar, mas, segundo Walter, não houve retorno até então. Ao JBr, a Secretaria esclareceu que irá fazer uma visita ao local para averiguar quais medidas poderiam ser tomadas para os passageiros continuarem tendo acesso ao transporte público coletivo.

A única tentativa de solucionar a situação veio da administração, junto a Defesa Civil, que, para evitar que pessoas se arrisquem atravessando o rio, onde costumava haver a ponte, posicionou tapumes. Entretanto, essas barreiras já estavam lá, quando Margarida, no retorno do trabalho, escolheu andar em meio a correnteza. “É impossível de você impedir que as pessoas passem. Porque se elas não passarem por ali, elas vão um pouco mais a frente no rio e vão fazer o percurso”, finaliza o prefeito.

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