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Brasília

Clima seco traz animais silvestres para áreas urbanas

Devido a falta de recursos que a baixa umidade acarreta, aves e mamíferos buscam alimento nas cidades

Mayra Dias

30/08/2021 20h13

Foto: Divulgação

O tempo seco é, geralmente, recebido pelos brasilienses com certo desgosto. Isso porque, a baixa umidade tende a contribuir para o ressecamento de nariz, pele e lábios, além de intensivar algumas alergias. No meio ambiente, por sua vez, as dificuldades advindas desse clima também são recebidas com contrariedade. Na seca, recursos como água e alimento são mais escassos, e forçam os animais a se deslocarem para encontrá-los”, esclarece Eduardo Bessa, doutor em biologia e professor da Universidade de Brasília (UnB).

Entre janeiro e julho deste ano, o Batalhão de Polícia Militar Ambiental (BPMA) já registrou o resgate de mais de 1.500 animais encontrados nas áreas urbanas da capital. Cobras, macacos, capivaras, aves variadas e saruês são os mais comuns. “São espécies com metabolismo mais alto”, ressalta Eduardo. Conforme compartilha o comandante do BPMA, coronel Fábio Pereira, nesta época de seca, é muito comum ver saruês andando pelas casas em busca de alimento, assim como macacos-prego comendo frutas em árvores perto do batalhão, localizado na Candangolândia. “Os bichos usualmente vêm até a área urbana atrás de abrigo, alimento ou para a proliferação da espécie”, observa Fábio.

Ao serem acionados, o comandante explica que uma equipe é enviada ao local com os equipamentos adequados para o resgate, como gaiolas, pinças de aço e redes. O objetivo, com isso, é a preservação da espécie e a sua devolução à natureza. Solicitar o trabalho da Polícia Ambiental, do IBAMA, do IBRAM ou do corpo de bombeiros é, como destaca a professora Líria Queiroz, médica veterinária na área de animais silvestres, de suma importância para garantir a integridade do bicho. “É desaconselhado que pessoas sem autorização e conhecimento técnico tentem capturar os animais, pois podem machucá-los ou se submeterem a situações de perigo”, salienta a doutora.

A ação do BPMA nesses casos consiste em, antes de tudo, olhar o animal e avaliar o seu estado físico. “Normalmente, está muito arisco diante da situação”, observa Fábio Pereira. “Se não tem qualquer lesão, ele logo é reintroduzido ao habitat natural. Se está lesionado, encaminhamos ao zoológico para recuperação. É um grande parceiro nosso”, complementa o comandante. A devolução dos animais ‘salvos’ ao seu habitat é essencial pois, como pontua Líria, na natureza, as espécies possuem sua função ecológica. A redução, ou mesmo extinção, de espécies em determinadas regiões pode causar impactos como, por exemplo, a redução de disponibilidade alimentar para seus predadores. “Algumas espécies também atuam como dispersoras de semente e a redução dessas pode trazer prejuízos ao meio ambiente”, acrescentou a professora universitária.

Como agir

Ao receber a tal visita inesperada, é necessário estar atento a algumas medidas com relação ao contato. A principal delas é, como frisa Eduardo Bessa, deixar o animal em paz. “Não perseguir, capturar e muito menos matar ou maltratar. Esses são crimes previstos na lei de proteção à fauna. Além disso, alguns desses animais podem causar ferimentos com mordidas e picadas ou mesmo transmitir zoonoses”, declara o professor de Zoologia. Protegê-los de cães e gatos domésticos é outra medida aconselhável. O especialista sublinha que restringir o acesso dos pets à fauna silvestre, ou mesmo colocar um guizo na coleira do gato já são boas formas de evitar a morte de animais silvestres. Isso porque, em um estudo publicado por ele, em 2018, conjuntamente com o francês e com o americano Daniel T. Blumstein e Benjamin Geffroy, foi possível notar que cães e gatos podem ser uma ameaça grave em áreas naturais. “Nos EUA, por exemplo, eles matam bilhões de mamíferos e aves nativas anualmente”, revela Bessa.

Relação com o homem

Na avaliação do Instituto Brasília Ambiental, esse movimento dos animais silvestres para locais habitados é crescente e explicado, além dos fatores ambientais, principalmente, pela ocupação desordenada do solo. “A expansão urbana aqui no DF gerou a ocupação de áreas que originalmente eram dos bichos. Isso gera impacto na vegetação nativa e prejudica muito os animais”, pontua o diretor de Fiscalização de Fauna da entidade, Victor Santos.

As queimadas e formação de pastos, como traz a médica veterinária Líria, são outros elementos influentes no processo. Para a professora, de modo a diminuir os efeitos dessas atividades antrópicas, alguns estudos e levantamentos podem ser feitos, pelos órgãos responsáveis, em Unidades de Conservação. A partir disso, seria possível avaliar os impactos das épocas de seca nas espécies, que ocorrem naturalmente no local, e estudar possibilidades de manejo. “Como a disponibilização de fonte hídrica e recursos alimentares que permaneçam viáveis na época de seca, para reduzir a migração e a redução de recursos para espécies de topo de cadeia alimentar”, defende Líria Queiroz.

A especialista acrescenta que, não há como cessar totalmente os quadros de migração, por se tratar de uma ocorrência natural que tem se intensificado nos últimos anos com o aquecimento global, mas atuando diretamente nos pontos que podem ser alterados, como as ações humanos, o número de casos seria bem menor. O assessor especial da Unidade de Fauna do Ibram, Rodrigo Augusto Lima, concorda. Ele afirma que uma maneira de evitar que, nesse período de migração os animais silvestres adentrem as áreas urbanas é garantir a integridade de corredores ecológicos. “O que pode ser atingido com a preservação das áreas de preservação permanente e a manutenção das UC ‘s e de sua integridade”, comenta Rodrigo.

O assessor, contudo, chama atenção ao fato de que, nem sempre, um animal em ambiente urbano é um problema que precisa ser removido. “Às vezes o cidadão quer resolver o problema do animal e o seu sem a percepção do todo”, pondera. Retirar um animal de um ambiente em que ele se encontra e já esteja ‘adaptado’ para um outro local, segundo o gestor, pode gerar um problema nesse novo ambiente. “Esse animal pode carregar doenças que antes não existiam, e pode ocasionar disputas por território e alimentos que antes não ocorriam. São problemas que dificultam a decisão das instituições envolvidas”, finaliza.

Eduardo Bessa, por sua vez, reforça a ideia. “É preciso que o convívio entre humanos e fauna nativa seja harmonioso e com respeito à necessidade dos animais. Sugiro que a pessoa se pergunte qual é a razão para não querer que o animal esteja ali. Saruês não são animais sujos, macacos não são uma ameaça se você os deixar quietos. Corujas não trazem mau agouro”, alega o professor. Agir em prol desses animais é, inclusive, na visão do biólogo, uma forma de se responsabilizar. “A gente tem a impressão de que os animais estão deixando a natureza para invadir as cidades, mas somos nós que estamos invadindo a natureza e levando nossas cidades junto. O crescimento urbano desordenado toma o hábitat dos animais”, afirma.

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