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Brasília

BSB 64: brasilienses de coração, corpo e alma

O que um francês, um cearense e um brasiliense têm em comum na capital? Ao JBr, os três contam da paixão que têm por Brasília

Vítor Mendonça

18/04/2024 11h24

Foto: Vitor Mendonça/ Jornal de Brasília

Brasília é encantadora por diversos motivos para diversas pessoas. Há quem diga que é pelo clima, outros dizem ser pelo céu, mas há também quem afirme ser simplesmente pelo estilo de vida da cidade, que transparece, em geral, muita tranquilidade.

Uma realidade, porém, é inegável: a capital do país é única, singular, não semelhante a nenhuma outra no mundo.

O Jornal de Brasília foi em busca de três diferentes tipos de pessoas que vivem na cidade: um estrangeiro, um brasileiro de outro estado e um brasiliense, com experiências de vida distintas. Em essência, porém, permanecem na capital por um único motivo: são apaixonados por Brasília.

O entusiasta cearense

Vindo de Fortaleza, Ceará, Armezildo Amado de Oliveira, 77, vive há 58 anos em Brasília e pretende permanecer na cidade até a velhice avançada. O interesse de vir à cidade começou ainda entre a infância e a adolescência, quando as primeiras histórias a respeito da promessa da mudança da capital começaram a se espalhar entre os moradores da cidade natal. Desde menino, Amado, era interessado na história do Brasil e tinha vontade de vir à prometida Brasília. “Eu queria saber como era esse sertão goiano daqui”, afirmou.

Após a posse de Juscelino Kubitschek, pouco antes da construção daquela que viria a ser a nova capital, o pequeno Amado testemunhou caravanas de mudança de trabalhadores de Fortaleza rumo ao interior do país para tentarem a vida na promessa de Brasília. Saíam kombis e caminhões de pau de arara cheios de operários e peões dispostos a reconstruir a vida e a capital como candangos. Ele tinha o sonho de morar no Rio de Janeiro, mas ficou intrigado com a nova capital e não via a hora de conseguir viajar para o centro do país.

De uma família de 17 irmãos – sete homens e dez mulheres – apenas uma irmã mais velha e ele se dispuseram a conhecer a nova capital. A irmã em questão se casou com um dos engenheiros que viria ajudar na construção e, portanto, chegou antes da inauguração, passando a morar na região onde hoje é a Granja do Torto em uma casa de madeira. Amado quis embarcar junto com a irmã, mas ainda era menor de idade e sua mãe, viúva, não o autorizou a ir.

Após a maioridade, aos 19 anos, Amado conseguiu fazer uma viagem de avião para a capital – aventura que durou cerca de 10 horas de voo, passando por quatro escalas em diferentes cidades do Nordeste. O avião saiu às 6h de Fortaleza, passou por Crateús (CE), depois Teresina (PI), Gilbués (PI) e Barreiras (BA) até finalmente chegar à nova capital. “Sou um pau de arara de avião, pode-se dizer”, afirmou. Ele já estava maravilhado com a promessa de sonhos e uma vida nova, mas ainda não sabia o que encontraria ao descer da aeronave.

O aeroporto da época é onde hoje fica a Base Aérea de Brasília, atrás do Aeroporto Internacional da capital. Era uma tarde quente e Amado ainda se lembra do calor que estava por volta das 16h do início do mês de dezembro de 1966. As viagens de avião da época eram consideradas refinadas, então os trajes dos passageiros incluíam longos vestidos para as mulheres e os melhores ternos para os homens, independentemente do calor.

“Quando desci do avião, vi o céu lindo de Brasília, muito vivo e aberto – e ainda vim em uma época relativamente chuvosa. Lindo, lindo, lindo mesmo ver o firmamento de todos os ângulos. Até hoje é assim. Brasília tem o céu mais lindo do mundo”, descreveu. Até onde a vista alcançava, o denominado mar de Brasília por Lúcio Costa cativou a atenção do cearense. O sonho de morar no Rio de Janeiro, a partir de então, se tornou cada vez mais distante para dar lugar à nova cidade, de apenas 6 anos na época.

Subindo na caminhonete do cunhado e da irmã, que o buscaram, precisavam passar em uma agência da Caixa Econômica que ficava na quadra 107 da Asa Sul – e que está lá até hoje. Para chegar ao local na entrequadra, uma grata surpresa: visitar a Igrejinha de Fátima na ponta das quadras 307/308 da Asa Sul, a primeira capela feita em alvenaria em Brasília, conhecida pela diferente arquitetura e preenchida pelos azulejos azuis e brancos do pintor e escultor Athos Bulcão. “Essa igreja me encantou mais ainda”, contou.

Armezildo Amado de Oliveira

Foi Teresa Rabelo, portanto, quem mais o influenciou na decisão pela permanência definitiva em Brasília. “Sou flamengo e tenho uma nega chamada Teresa”, brincou. Apesar de não existir a capital quando nasceu, em 1950, ela se considera uma das primeiras brasilienses por ter nascido na região em que hoje é a Granja do Torto. Os dois estão juntos há 52 anos.

Foto: Vitor Mendonça/ Jornal de Brasília

A história de Brasília se entrelaça à do casal em outro aspecto. Em 1º de janeiro de 1972, dois anos após a inauguração oficial da Catedral Metropolitana Nossa Senhora Aparecida, Amado e Teresa se tornaram também um dos primeiros casais a se unirem em matrimônio no monumento de Oscar Niemeyer. Quando se casaram, a Catedral ainda não tinha sido completada integralmente.

“Nunca tive vontade de sair de Brasília. Vi muitos amigos, muitos conterrâneos fazendo isso, mas este cidadão aqui, embora tenha conhecimento vasto de outras cidades, nunca teve vontade de sair. Vou a outras cidades, mas morar mesmo é só em Brasília. Não nasci aqui, mas vou morrer por aqui”, destacou. Entre as vantagens de morar na capital, Amado destaca o clima e a qualidade da água encanada que chega nas casas, além de outras atratividades da cidade.

Atualmente, o brasiliense de coração mora no Guará 2. “A casa é simples, mas o coração é bem ‘largão’”, descreveu. Amado já morou na Granja do Torto, em uma república na quadra 312 da Asa Norte com colegas do primeiro trabalho na capital – no antigo Departamento de Água e Esgoto (DAE), atual Companhia do Saneamento Ambiental do Distrito Federal (Caesb) –, morou também no alojamento 1 da Novacap na Candangolândia.

Amado e Teresa têm duas filhas brasilienses, que também herdaram a paixão pela cidade. Ambas foram apadrinhadas pelo primeiro pároco de Brasília, o Padre Roque, que dá nome à principal praça e à principal paróquia do Núcleo Bandeirante. “Nosso compadre Padre Roque, que apadrinhou as nossas duas meninas. Também ajudamos a construir igrejas com a força do nosso braço”, destacou.

Sambista e fiel à Acadêmicos da Asa Norte, Amado escreveu versos de declaração e homenagem à capital quando descia do ônibus e passava em frente à Residência Oficial da Granja do Torto para ir à casa de Teresa na época do namoro. “Brasília, Brasília, Brasília, bela cidade do Planalto Central; tu fostes escolhida por São João Bosco para ser do Brasil a capital; José Bonifácio já dizia, falando pros colegas do Congresso, que assim o Brasil teria progresso”, cantou um dos trechos.

O confeiteiro francês

Foto: Vitor Mendonça/ Jornal de Brasília

Em um espaço arborizado da quadra comercial da 104 da Asa Norte, Brasília abriga, há quase 30 anos, a tradicional cafeteria e confeitaria Daniel Briand Pâtissier e Chocolatier, que leva o nome do francês que fez história na capital. Em 1995, Daniel, 73, abriu o estabelecimento para criar raízes em Brasília, há aproximadamente 8,7 mil quilômetros da cidade onde morava, Angers – a oeste da França, cerca de 300 km de Paris e a capital da região chamada de Vale do Loire.

O motivo da vinda para a capital foi o casamento com a ex-esposa, brasiliense apaixonada, que transferiu a mesma paixão para o francês. Segundo Briand, não há motivos para sair de Brasília, muito menos arrependimentos em ter vindo para a cidade. “Estou muito feliz aqui. Acho que sou muito sortudo por tudo o que aconteceu comigo. […] Não quero voltar para a França, só para passear”, destacou.

“A minha história aqui é muito bela. Tenho meu trabalho aqui desde 1995. Vim em 1993 e 1994 para conhecer e vi que tinha espaço para iniciar um café”, disse. Os anos passaram e a cafeteria, que carrega tradição culinária francesa, se tornou também uma tradição culinária da Asa Norte.

Daniel Briand

O confeiteiro já morou em diferentes cidades do mundo, mas não há uma que se compare à capital brasileira, segundo ele. Briand morou em regiões diferentes da França, países da África e fez mochilão ao redor do mundo na juventude dos anos 70. O clima é o mais favorável, segundo relatou. “A qualidade de vida aqui é muito melhor. Aqui em Brasília e na região se tem um dos melhores climas que existem no mundo. Nunca faz muito frio e nunca fica tão quente [como os extremos da Europa]”, afirmou.

É certo que o período de seca é um dos controversos entre os moradores da cidade, mas para o francês, que já teve experiência em outros países, esse não é um defeito tão grande do clima brasiliense. “Poucas vezes eu tenho que tirar as mesas [da área externa da cafeteria] durante um dia inteiro por conta da chuva”, relatou. Em outros países da Europa, como Londres, o clima chuvoso pode permanecer por dias, ao contrário das chuvas que caem em Brasília, que não se estendem durante o dia inteiro, ininterruptamente. A característica arbórea de Brasília também lhe chama a atenção dentro das quadras da cidade.

Outro aspecto que o fez permanecer não apenas na cidade, mas também no país, é a cultura do brasileiro, que segundo as palavras do francês, “é gentil e sorridente”. “Me sinto muito bem aqui”, afirmou. “Gosto da ‘bagunça’ também [do brasileiro], que permite fazer muitas coisas com liberdade. […] O Brasil é um país muito desigual, mas mesmo assim as pessoas conseguem se divertir no dia a dia.”

A orla do Lago Paranoá da Vila Planalto, na Concha Acústica, é o local que o francês mais costuma passear em Brasília, considerando-o um dos pontos mais bonitos da cidade. A formatação da cidade também lhe agrada, principalmente dentro das quadras e entrequadras, muito vívidas e cheias de natureza. “É uma cidade nova e é única”, finalizou.

O brasiliense visionário

Foto: Vitor Mendonça/ Jornal de Brasília

Nativo de Brasília, Raffael Innecco, 43, encontrou na capital a inspiração para a vida e para os negócios. Brasiliense apaixonado pela cidade, o arquiteto e a esposa Thatiana Dunice viram nas asas do Plano Piloto, nas curvas dos desenhos de Oscar Niemeyer e nas placas icônicas da capital a inspiração para colocar a identidade de Brasília em itens do dia a dia que poderiam ser vendidos na internet.

A ideia surgiu quando ambos perceberam a dificuldade de presentear amigos de outros estados com produtos que remetiam a Brasília e que fugissem dos tradicionais monumentos políticos – por meio dos quais a capital sempre foi conhecida em outros estados. Assim, em 2010, ele e a esposa, também sócia atualmente, abriram a loja BSB Memo. Inicialmente, a empresa vendia camisetas que estampavam referências icônicas do dia a dia de Brasília.

“Sou muito apaixonado por Brasília. Sempre gostei muito. Já morei em outros lugares, mas acho Brasília um lugar muito especial”, afirmou Raffael. Entre as cidades em que já morou, incluem-se na lista o Rio de Janeiro, Massachusetts e Londres. Mesmo passando por tantos lugares, ele também atesta: Brasília é única.

Nenhum desses locais, segundo ele, proporcionam experiências similares às da capital, segundo Raffael, além do vínculo emocional.

Raffael Innecco

“Minha mãe e meus sogros moram na Asa Sul, a nossa banca fica na 308 Sul. É um privilégio ter a banca lá, que é uma quadra modelo de Brasília, muito especial. Gosto muito de resolver coisas do dia a dia no Plano Piloto. Eu acho muito agradável”, continuou.

Outra característica marcante de Brasília é o silêncio, segundo Raffael. A capital tem a habilidade de ter tranquilidade e a possibilidade de estar em uma ambiente urbano, mas com um silêncio da natureza. Na empresa, parte dessa tranquilidade é repassada dentro dos produtos, que tratam Brasília de maneira minimalista, com traços e formas isolados, nunca amontoados em um pequeno espaço da camiseta ou de outros produtos.

“Eu sentia falta de coisas que tivessem esse apelo da arquitetura [antes da BSB Memo], essa estética modernista de Brasília e a gente viu essa oportunidade na época e resolvemos tentar. O início foi com camisetas e depois passaram para outros produtos”, explicou.

A primeira camiseta a ser feita pela BSB Memo foi estampada com a sinalização típica da cidade, projeto do designer Danilo Barbosa que teve até a inclusão dentro do Museu de Arte Moderna (MoMA) de Nova Iorque, em 2012. “As plaquinhas estavam presentes conosco desde o primeiro produto que a gente fez, que era uma camiseta verde com setas e uma sinalização com os nomes de Juscelino, Niemeyer, Lúcio Costa, entre outros”, contou Raffael.

“A sinalização tem um visual muito particular da cidade, muito especial. Ela ganha um aspecto icônico diferente dentro das quadras. É uma obra que está ali em um espaço amplo, diferente das placas de rua normalmente. Elas têm um destaque maior”, disse.

Além das placas, o empresário destaca que sempre tentam variar e equilibrar um pouco de todas as características especiais que compõem a cidade. “Usamos aspectos da arquitetura, do modernismo, como os pilotis, as modulações que estão presentes nos paineis de Athos Bulcão e nos blocos das superquadras, nos próprios projetos do Niemeyer, etc.”

Atualmente a loja traz produtos como colares, canecas, camisetas, pequenas esculturas, plaquinhas, guarda-chuva – todos com muitas variações de estilos e formas de Brasília – e até bichos de pelúcia típicos do cerrado, como o Lobo-Guará.

Neste aniversário, Raffael deseja que Brasília consiga preservar a própria simplicidade. “É uma cidade feita de linhas simples, formas simples, e eu gostaria de ver um cuidado maior com a manutenção do patrimônio em si. Manter a caracterização das quadras comerciais e respeitar o gabarito, a altura dos prédios, entre outros. São detalhes simples, mas que a gente percebe que ao longo dos anos foram relaxando na forma de conservação. Meu desejo é que consigamos manter a cidade da forma especial que ela merece”, finalizou.

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