Menu
Brasília

A fria e cruel inflação da morte

A lei da oferta e demanda atua no momento da despedida. Portaria aumenta em 19% o preço dos serviços funerários na cidade

Redação Jornal de Brasília

18/03/2021 6h51

Foto: Vitor Mendonça/Jornal de Brasília

Serviços funerários mais caros
Reajuste torna traslados e embalsamento no DF 19% mais salgados que os cobrados antes

Olavo david Neto e Vítor Mendonça
[email protected]

Maior demanda, preços mais altos. A lei de mercado se faz valer até num momento de mortes em massa. No Distrito Federal, o aumento nos valores de serviços funerários motivou uma portaria da Secretaria de Justiça e Cidadania (Sejus) que fixa as cobranças e obriga a transparência em instituições do ramo. A nova regulação se dá num momento de recordes de mortes na capital federal pela ação do novo coronavírus. A medida foi publicada no Diário Oficial (DODF) de ontem.

A Sejus anexou uma escala de valores a serem cobrados, e que devem ser respeitados pelos empresários do setor. Em comparação com a última legislação do gênero, de 2015 – revogada pelo documento publicado ontem -, o preço do traslado teve aumento significativo de quase 19%. Há seis anos, o traslado de um cadáver até cem quilômetros custava R$ 3,11 por km rodado; agora, chega a R$ 3,70.

Ou seja, para enterrar no Cemitério de Taguatinga alguém que faleceu no Hospital Regional da Asa Norte (Hran) – referência para combate da covid-19 no DF -, é preciso desembolsar R$ 97,68 pelos 26,4 km rodados pela via Estrutural, cerca de R$ 15 a mais que há seis anos. Para conservar o cadáver à base de formol também é preciso desembolsar mais. O serviço passa a custar R$ 420,20, quase R$ 70 reais a mais que os determinados em 2015.

Ainda de acordo com o documento da Sejus, as funerárias também estão, a partir de ontem, obrigadas a exibir, em local visível, o tabelamento dos preços de produtos e serviços prestados. A norma ainda reitera as disposições do Decreto distrital nº 28.606, de 2007, que prevê, entre outras coisas, a publi cidade da tabela de valores, a obrigatoriedade de anunciar apenas as urnas – ou seja, caixões – em estoque e a oferta de bens mais caros por valor inferior caso não haja disponibilidade.

Repasse no mercado

A publicação no DODF pegou empresas do ramo de surpresa, mas algumas já se movimentam para se adequar à regulamentação. Quanto aos preços tabelados, estes são superiores aos da empresa gerenciada por Thiago Caixeta, 36 anos, que atua nas Regiões Administrativas de Sobradinho, São Sebastião, Asa Sul e Paranoá. De acordo com ele, a ideia é manter os preços abaixo do limite, mas, caso haja prejuízos e a situação fique impraticável para o sustento da empresa, terá de repassar os valores.

“Achei o reajuste importante, porque ajuda a manter os empresários. Mas, o momento não é o apropriado, por outro lado. É uma situação muito complicada justamente por estarmos em uma pandemia. O aumento é justo porque o preço de todo o material também aumentou, mas a população não está preparada para qualquer tipo de reajuste”, afirmou.
“Nossa empresa vai permanecer nos mesmos preços. Vamos até onde conseguirmos levar para ajudar a população.”

Um dos aumentos citados por Thiago é o da caixa de luvas de látex, utilizadas no kit básico de Equipamentos de Proteção Individual (EPI) pelos funcionários. Segundo ele, anteriormente o valor pago em uma unidade era de R$ 14,00, mas, em uma das compras para o estoque da empresa, o valor chegou a bater os R$ 90,00 – aumento de mais de 640% na comparação.

“Também subiu bastante o combustível, outros materiais essenciais de trabalho. A pandemia foi ruim para todo o mercado”, contou Thiago.

30% mais sepultamentos

Conforme o Portal da Transparência do Registro Civil, que reúne as confirmações de nascimentos, casamentos e óbitos ao redor do Brasil, o DF registrou, em média, 1.529 óbitos mensais em 2020, um ano tomado quase inteiramente pela covid-19. Neste ano, contabilizando apenas janeiro e fevereiro, são 1.400 mortes por mês, e março, com 13 dias pela frente, já contabiliza 870 óbitos.

Foto: Vitor Mendonça/ Jornal de Brasília

De acordo com dados do Campo da Esperança, responsável pela administração de todos os seis cemitérios do DF, o número de sepultamentos por covid representa cerca de 12,42% da quantidade de enterros no DF depois de um ano de pandemia: 3.606. O mês com a maior quantidade foi agosto, com 1.838 mortes – 814 ocasionados pela doença pandêmica. Os dados representam um aumento de aproximadamente 30% nos sepultamentos totais.

Os meses mais críticos da doença pandêmica na capital foram em julho e agosto do ano passado, quando, nestes meses, 2.112 pessoas morreram por complicações decorrentes das infecções pelo novo coronavírus.
Os sepultamentos no DF entre janeiro e fevereiro deste ano voltaram a bater níveis similares aos registrados em maio, quando a primeira onda da doença começou a subir de maneira mais célere.

Naquele quinto mês de 2020, foram 175 enterros causados pela covid-19. Em janeiro e fevereiro deste ano, foram, respectivamente, 155 e 129 realizados. Pelos números da Secretaria de Saúde, maio do ano passado teve 219 mortes, enquanto os dois primeiros meses de 2021 registraram 270 e 175 óbitos.

Saiba Mais

Quanto ao formato e ornamentos dos caixões escolhidos para os sepultamentos, Thiago diz que não existe padrão de escolha das famílias.

A preferência tem sido pelos modelos mais simples, uma vez que o velório para mortes covid não pode ser realizado e, por economia, a opção mais barata é a mais atrativa devido à incerteza financeira de muitos.

    Você também pode gostar

    Assine nossa newsletter e
    mantenha-se bem informado