Menu
Brasília

Amor à dança: 1º bailarino homem de Colégio Militar explica como lida com preconceitos

Em entrevista, ele explica como tratou com a família, como encarou preconceitos por causa da atividade e sobre a importância das aulas inclusivas

Redação Jornal de Brasília

29/04/2022 17h27

Foto|Divulgação

Por Isabele Azenha
Agência de Notícias do CEUB|Jornal de Brasília

O dançarino Anderson Vargas Fernandes, de 33 anos, é professor de jazz em Brasília e garante que uma marca de sua formação foi no Colégio Militar de Brasília, onde estudou desde o Ensino Fundamental. Ele entrou na unidade de ensino em 1999, se formou em 2006, e, logo depois, fundou uma escola de dança em 2015 juntamente com a sua ex-professora de balé, Regina Baston (também conhecida como tia Rê).

Ele foi o primeiro rapaz a participar do balé do Colégio Militar de Brasília e chegou a desfilar nos eventos cívicos de Sete de Setembro duas vezes. Detalhe: sempre como bailarino. Anderson credita parte de seu sucesso atualmente à sua experiência com a dança no colégio. Em entrevista à Agência Ceub, ele explica como tratou com a família, como encarou preconceitos por causa da atividade e sobre a importância das aulas inclusivas

Assista abaixo à apresentação do bailarino

Divulgação

Confira abaixo entrevista

Por que entrou no colégio Militar?

Anderson: Entrei no Colégio porque meu pai pediu transferência do Rio Grande do Sul pra cá pros três filhos entrarem para o CMB. Então em 1997 eu cheguei à Brasília e em 1999 entrei no Colégio Militar.

Já se interessava pela dança antes de entrar no CMB?

Eu sempre gostei de dançar. Eu gostava de dançar “É o tchan” quando eu era pequeno. Meu pai não deixava porque era muito gay (risos), então eu era proibido de dançar o “Tchan”. Eu também adorava dançar dublando as músicas de Sandy e Júnior, mas eu só podia fazer essas coisas escondido. Então, eu sempre levei jeito pra dança, mas só fui me interessar de verdade aos 13 anos porque fiz uma aula experimental de forró com minha amiga Vanessa. Uma vez, nós dois fomos entrevistados pelo jornal da quadra dela e  quando saiu o jornalzinho, chegou uma matéria com a manchete: “Vanessa e Anderson. Treze anos. O amor pela dança começou cedo”. Eu li aquilo e pensei, “nossa, que bonito o amor pela dança, é isso mesmo”.

Como entrou no Corpo de Baile?

Um dia eu estava na formatura do colégio e avisaram: “Sexta-feira no horário da formatura vai ter audição do Corpo de Baile para homens”. E aí fiquei nervoso porque eu era muito tímido e queria participar. Eu era um recém “ex-gordinho” e lembro que fiquei pensando “será que eu faço?”. Até que minha amiga Larissa, que já fazia dança de salão com o irmão, me incentivou a ir. Eu fui lá no horário de formatura e apareceram cem meninos.No final, só quatro meninos da minha turma passaram, e eu era um deles.

Quais foram suas inspirações? Algum bailarino foi referência em sua vida?

Eu não tive referência nenhuma de bailarino, mas o filme preferido da minha vida, que eu chorava quando era criança, não é mentira cafona, eu assistia Dirty Dancing e chorava. Eu lembro de olhar aquela cena final do Patrick Swayze dançando e eu lembro de falar “um dia eu vou fazer isso!”. 

Foto|Divulgação

Quais estilos de dança você praticou na escola?

Eu comecei fazendo samba de gafieira na audição e depois tive um professor chamado Rafael Quixadá. Ele deu dança de salão para a gente. Eu via as meninas do balé e do jazz dançarem e lembro que eu pensava “eu consigo fazer isso”, mas era muito distante dançar o jazz. O jazz era “muito gay” e era só para as meninas. Então, fui fazer uma aula experimental de jazz numa escola na Asa Norte. Fiz a aula e ganhei bolsa para turma de jazz e de dança de salão. Depois disso, a Renata, que dançava no corpo de baile também, sugeriu que eu dançasse balé com ela. Ela pediu para a tia Rê nos coreografar e íamos para o corpo de baile no contraturno para termos aula com ela. Foi assim que comecei a fazer aula de balé. Aprendendo com a tia Rê e indo para as viagens de Joinville, que inclusive, fui mandado mesmo depois de já ter saído do colégio.

Qual foi o comportamento do comando do colégio?

Quando eu entrei, o comportamento do comando foi muito aberto, sempre foi muito acessível. Eu não sei se eu era muito novo e não sabia das coisas, mas era bem aberto, eles eram muito receptivos. O coronel Gonçalves, foi quem me incentivou a ir para Joinville, ele reformou o Corpo de Baile e chamou a Ana Botafogo pra inaugurar a sala nova. Ele bancou a viagem para Joinville, eu fui com tudo pago e eu não era mais aluno do colégio. Nessa época eles foram muito receptivos, eu nunca tive nenhum problema, era uma coisa muito legal, eles me abraçavam, apoiavam, era legal.

Houve encorajamento, por parte do Colégio Militar em relação às apresentações?

Em relação ao encorajamento do colégio militar, tinha um major que amava qualquer tipo de apresentação cultural. Era um agito legal, eles me encorajavam bem, na época. No Sete de Setembro, a gente dormia no corpo de baile na virada, pra acordar bem cedo no outro dia e desfilar. Eu participei por dois anos. Era legal ter um casal abrindo o desfile, nunca tinha tido um homem junto com as meninas. 

Como descobriu que gostaria de ter uma carreira na dança?

Foi acontecendo, eu até tentei fazer outras coisas, estava estudando pro vestibular, inclusive queria fazer comunicação na UNB quando me chamaram para dar aula de dança de salão. Eu tinha sido proibido de dançar pelo meu pai. Aí quando eu já estava dançando bastante, dando muita aula, fazendo muita coisa, eu me rendi à dança e meu pai não gostou dessa decisão. Eu acabei passando na UNB para cursar artes cênicas. Hoje em dia eu falo com mais orgulho que sou dançarino, vivo da arte da dança, mas antes era mais difícil.

Qual foi a importância do corpo de baile nesse processo?

O Corpo de Baile foi totalmente importante nesse processo, estar no Corpo de Baile e fazer parte disso dentro do Colégio Militar foi a melhor forma que existiu pra que eu pudesse dançar. Se não fosse assim, eu acho que não teria conseguido. Comecei a dançar fora também e me encorajei mais, dentro do próprio CMB. O Corpo de Baile teve um papel fundamental, inclusive a tia Rê é minha sócia até hoje. Em 2015 o Colégio deu a ideia de fazermos uma escola de dança lá. Montamos uma empresa e funcionamos de 2015 a 2020. Foram dezessete anos de Corpo de Baile e de Colégio Militar. Isso só evoluiu pra várias coisas depois, eu fui assumindo outros trabalhos como coreógrafo, viajava quando tinha que montar grandes apresentações, e dessa forma, fui ganhando experiência.

O preconceito com homens que fazem ballet te afetou de alguma forma?

Pra mim, era pior na minha família, em relação aos colegas eu não ligava. Tentava ignorar, talvez até por inocência, ou alguma forma de defesa mesmo. O meu pai nunca me viu dançando e nem vai ver, já faleceu. A minha mãe tentava esconder as coisas, escondia até sapatilha. Eu lembro que a parte que doía mais era, no final dos espetáculos, que tinha que falar com as pessoas e, às vezes, quando a minha mãe não conseguia ir ou a minha irmã, não tinha ninguém que eu pudesse cumprimentar. Isso foi mudando, depois os amigos foram indo e me senti mais completo.

Na sua opinião, como podemos combater esse tipo de preconceito?

Pra combater esse tipo de preconceito, o buraco é mais fundo, é algo estrutural. Na nossa cultura não incentivamos os homens a fazerem balé, o normal é que as meninas façam balé e os meninos joguem futebol. Acho que o preconceito quem coloca, muitas vezes é a própria família também, porque criança não tem maldade.

Para você, a importância de aulas de arte inclusivas nas escolas se dá de qual forma?

Eu acho que elas são totalmente importantes, não só a dança, mas todas as formas de arte. Acho que as artes são um lugar onde conseguimos nos expressar de forma mais clara. Poder exercer isso em algum lugar e poder descobrir isso no colégio é mais do que importante. Muitos não têm acesso a esse tipo de educação também. Se você for fazer num lugar privado, geralmente são aulas caras, são cursos caros, eu não sei se eu teria condições de pagar por isso.

Supervisão de Luiz Claudio Ferreira

    Você também pode gostar

    Assine nossa newsletter e
    mantenha-se bem informado