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Brasil

Frente ampla contra o coronavírus – Entrevista com o senador Humberto Costa (PT-PE)

Entrevista com o senador Humberto Costa (PT/PE) sobre a situação do país diante da COVID-19

Rudolfo Lago

09/04/2020 6h00

O pernambucano Humberto Costa é médico psiquiatra, uma especialidade que lhe dá algum conhecimento sobre como compreender e lidar com comportamentos extremados. Foi ministro da Saúde durante o governo Luiz Inácio Lula da Silva e, no ano passado, liderava seu partido, o PT, no Senado.

Hoje, Humberto vem participando das conversas, segundo ele cada vez mais amplas, entre as forças políticas no sentido do que deve ser feito para conter os arroubos do presidente Jair Bolsonaro, que insiste em seguir numa linha de combate ao coronavírus que hoje não é compartilhada nem por seu ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, nem por aqueles no planeta que ele admira e que compartilham com ele uma visão mais conservadora, como o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, ou o primeiro-ministro inglês, Boris Johnson, que inclusive está internado vítima da covid-19.

Nesta entrevista, Humberto afirma que, diante do comportamento de Bolsonaro, não somente com relação à pandemia mas no sentido de parecer muitas vezes pender para comportamentos autoritários, muitas forças políticas estão esquecendo as diferenças políticas e ideológicas e se unindo numa grande frente em defesa da vida, no caso específico do novo coronavírus, e da defesa da democracia, numa visão mais ampla. As conversas hoje, segundo o senador, reúnem um campo que vai da oposição de esquerda, da qual faz parte, até setores da centro-direita.

O senhor é um parlamentar da oposição. Mas é também um médico, psiquiatra, e foi ministro da Saúde. Como é que o senhor avalia a conduta do ministro Luiz Henrique Mandetta neste momento à frente do combate contra a disseminação do novo coronavírus?

Nós temos que fazer uma separação entre dois momentos com relação a essa pandemia. Neste momento, em que são fundamentais medidas como o isolamento social, eu diria que até dois dias atrás, a conduta do Ministério da Saúde vinha sendo irreprovável, assim como a dos governadores. No entanto, me preocupa o fato de que o Ministério da Saúde tenha de alguma forma permitido algum tipo de flexibilização nesse processo do isolamento social. E mais ainda os governadores de estado, que estavam tendo uma posiçao muito firme, estejam sendo seduzidos, ou pelo menos pressionados, pelos interesses econômicos, que nós sabemos que são justos, mas que neste momento podem levar a uma situação grave, caso haja um afrouxamento. Nós temos exemplos claros de situações em que o isolamento social demorou a ser implantado. No que diz respeito às medidas para uma assistência médica, para uma assistência à saúde adequada, eu diria que nós estamos muito atrasados. Nós não temos número de leitos suficiente para atendermos a população que vai precisar. Não temos ainda respiradores em quantidade suficiente. Estamos muito preocupados porque os trabalhadores estão atuando sem a proteção adequada.

O presidente Bolsonaro e algumas outras pessoas – o deputado Osmar Terra (MDB-RS), por exemplo – defendem o que eles chamam de “isolamento vertical”, que não seria o isolamento de todas as pessoas, mas somente daquelas pessoas mais vulneráveis, porque temem a possibilidade de um colapso econômico. Na sua opinião, quais seriam as consequências se o Brasil adotasse essa estratégia?

Eu acho que seria desastroso. É preciso analisar cada epidemia per si. O que cada uma delas representa. Existem epidemias onde o processo de contaminação é lento. As vezes, até são doenças mais letais. Porém, crescem numa velocidade menor em termos de contaminação. No caso, as pessoas vão utilizar o sitema de saúde numa velocidade, numa dimensão que não leva a um colapso das estruturas. No caso desse vírus, há um processo de contaminação massivo, rápido e que faz com que muitas pessoas ao mesmo tempo necessitem de atendimento médico. E nenhum sistema de saúde do mundo, mesmo aqueles mais avançados, estão conseguindo dar conta disso. Nos Estados Unidos, em que o sistema é pior, um sistema no qual só tem acesso à saúde quem pode pagar, na prática, nós estamos vendo o desastre. Então, eu diria que a adoção desse tipo de medidas neste momento seria uma verdadeira catástrofe. E levaria, inclusive, a uma mortalidade ainda maior das pessoas idosas. Porque elas estariam isoladas, mas a maior parte dos que de alguma forma mantêm com elas algum tipo de contato estaria com maior possibilidade de contágio.

Um dos argumentos que se usa nesse sentido é que a contaminação não para de crescer, apesar das medidas de contenção que estão sendo tomadas. Mas existe uma explicação para isso, não é?

Na verdade, essa é a evolução natural dessa doença. Esse vírus é extremamente contagioso. Muitos não têm sintomas. Mas estão contagiando outros. E muitos desses outros vão precisar de cuidados mais sofisticados, mais complexos. E as redes de saúde não estão preparadas para uma procura massiva, muito maior que qualquer outra situação de normalidade. Então, a tendência é que o número de casos vá aumentar, até chegar a um pico. Depois que chega nesse pico, entra num processo de estabilização para depois começar a cair. O mais grave é que nós não sabemos se de fato pode haver uma segunda onda de contaminação. Então, em vez de ser um motivo para nós afrouxarmos as medidas, deve ser uma razão para nós apertarmos. Além disso, é muito fácil dizer que “vidas serão perdidas”. Agora, quando se trata do meu pai, do seu pai, do pai de quem diz isso, dos seus avós, ninguém quer perder ninguém.

Toda essa divergência que está havendo acaba acarretando um problema político. Hoje, o presidente diverge da opinião do ministro da Saúde, embora talvez tenha podido haver nos últimos dias alguma flexibilização, mas ainda existe uma divergência. Diverge da opinião dos governadores. Diverge da opinião da maioria do Congresso. Do Judiciário. Nós temos um problema político de um presidente que vai por um caminho e a maioria vai por outro caminho. Como o senhor acha que esse problema político vai ser resolvido? O que é possível fazer para que essas medidas de restrição possam ser garantidas, se esse é o melhor caminho? O que está se discutindo? Enfim, como a questão política se desenvolve a partir de agora?

Antes de tudo, é importante dizer que essa não é uma conduta adequada, aceitável, da parte de um presidente da República. Ele não é uma autoridade de saúde pública. Ele deve se guiar pela visão da ciência. A visão da ciência hoje tem sido respeitada pela maioria esmagadora. Eu diria que talvez apenas Bolsonaro e um ou outro chefe de governo ou chefe de Estado tem atuado de uma forma parecida com a dele. Tanto que Bolsoaro hoje é motivo de chacota, especialmente na Europa. Quando alguns governantes se viram na defesa de ideia semelhantes, mas tiveram que enfrentar o momento série da evolução da pandemia, eles tiveram que mudar isso. Veja, por exemplo, o Trump. O Trump que é o grande inspirador de Bolsonaro, num primeiro momento desdenhou do problema, desdenhou da doença, disse que agora na Páscoa provavelmente ele iria liberar o comércio, a atividade, a circulação, não pode fazê-lo. Nós tivemos o caso ontem nos Estados Unidos de quase dois mil mortes.

Foi o maior número de mortes num único dia num país. E isso vai incrementar ainda muito mais. Acredita-se que nos Estados Unidos, se não houver um esforço muito grande para impedir essa propagação acelerada do coronavírus, nós possamos ter mais de 200 mil mortes. É muita gente. É mais do que os americanos perderam em algumas guerras das quais eles participaram. No caso aqui do Brasil, o presidente Bolsonaro nutre, e esses que são admiradores dele, um ódio por tudo aquilo que é presente em conhecimento científico, cultura, coisas que são importantes. Consideram irrelevantes a pesquisa, o desenvolvimento científico-tecnológico. E, portanto, ele assume essa posição que é político-ideológica. Nós não podemos tratar assuntos que têm uma seriedade como esse com essa visão equivocada. Por enquanto, Bolsonaro está sendo contido por uma verdadeira gama de fatores. De um lado, aqueles que compõem seu núcleo duro, especialmente os militares, que parece que são o único seguimento que ele ouve com mais respeito. Ou então, esse seguimento tem utilizado outros argumentos mais persuasivos. Por outro lado, o Congresso Nacional contra essa visão. O Judiciário contra essa visão. Inclusive, o Congresso e o Judiciário estabelecendo limites a essa visão e às ações decorrentes dessa visão que Bolsonaro tenta implementar. E principalmente a opinião pública. Então, é isso que tem evitado que Bolsonaro cometa novos desatinos como aqueles que ele cometeu até agora. Eu acho que vai ser essa conjugação de forças que vai contê-lo. Caso contrário, eu acredito até que medidas mais duras possam vir a ser tomadas pelo Congresso, pelo Supremo e pela própria sociedade contra o presidente Bolsonaro.

Quando o senhor fala em medidas mais duras, o senhor está falando de um possível impeachment?

Um possível afastamento do presidente. Se isso vai ser formal ou não, veremos. Mas há um sentimento no país de que essa pandemia é algo que pode ter repercussões para a vida das pessoas e para a própria economia do país. Eu acredito que ele vai se aquietar um pouco dentro de 15 dias, porque dentro de 15 dias nós vamos ter o início de uma curva muito acentuada de crescimento de casos no Brasil. Nós vamos ter aí, espero que não, mas provavelmente o sistema de saúde sofrendo um colapso, uma onda absolutamente gigantesca para uma estrutura muito frágil no sistema de saúde ainda. Espero que nesse curto espaço de tempo o Ministério da Saúde consiga superar esses problemas. E aí, então, as pessoas, e ele em particular vai ver que não está brincando, mas que, na verdade, está enfrentando algo que é muito grave e ameaçador para toda a humanidade.

Após as últimas eleições presidenciais, houve uma divergência maior entre as forças de oposição, que se dividiram com relação aos caminhos que deveriam tomar naquele momento. Houve muita crítica mútua. Muitas acusações de ambas as partes. O senhor acha que, neste momento, está voltando a haver uma união maior das oposições? Como estão sendo essas conversas em torno das ações que precisam ser tomadas agora?

Eu acompanhei muito de perto esse processo durante o primeiro ano do governo Bolsonaro. Eu estava na liderança do PT no Senado. Participei de muitas dessas articulações. E, na prática, essa desunião não aconteceu. Ao contrário. De fato, nós tivemos na eleição enfrentamentos muito grandes. Pós-eleição também ataques vindo de alguns atores políticos, como o ex-governador e ex-ministro Ciro Gomes, tendo com o PT um embate muito forte, muito violento. Mas, na prática, tanto na luta social quanto no Congresso Nacional, nós tivemos muito mais identidade do que divergências. Nós tivemos, por exemplo, no Congresso Nacional, na Câmara, exceto naquele momento de escolha da Mesa Diretora da Câmara dos Deputados, mas na maior parte do tempo tivemos entendimento.

Nós tivemos, por exemplo, um processo de rodízio na Liderança da Minoria e na Liderança da Oposição, entre PT, PCdoB, PSOL, PSB, PDT. Agora, nós tivemos também uma articulação dos partidos na votação de matérias importantes. Na reforma trabalhista, na reforma da Previdência, na luta contra os arroubos autoritários do presidente Bolsonaro. E, agora, no enfrentamento a essa pandemia, essa unidade se fez muito maior. Inclusive suplantando o tema da divergência em relação à campanha eleitoral. Agora, mesmo de 2020, que nós nem sabemos se a eleição vai acontecer ou não. Mas isso foi deixado de lado, e nós estamos numa articulação muito próxima entre todos esses partidos para a construção de uma frente. Que, inclusive, extrapola o campo da esquerda, o campo da oposição, e que está começando a ter alguns encaminhamentos, alguns frutos, junto ao chamado centro e até a própria centro-direita, que seria, na verdade, uma frente em defesa das liberdades democráticas e do Estado de Direito, que estão permanentemente ameaçados pelo presidente Bolsonaro e por aqueles setores que lhe dão sustentação social e política.

Quem está conversando com quem? Quem participa dessas conversas?

Os presidentes de partido. Outras pessoas que são personalidades desses partidos. E até pessoas que não fazem parte de nenhum partido. Essas conversas têm sido feitas também no nível institucional. Com o presidente da Câmara, o presidente do Senado. Todo mundo está conversando. Os próprios ex-presidentes da República. Indiretamente, por meio de interlocutores, também têm trocado ideias. Há um sentido de abertura, de compreensão de que é hora de a gente ter muito cuidado com o que pode acontecer no Brasil por conta das concepções autoritárias, criptofascistas que o presidente da República tem e que isso pode acabar com a democracia.

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