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Quinto Ato
Quinto Ato

Sobre traição e traidores

Talvez o caso mais marcante envolvendo traição política em toda a obra de Shakespeare ocorra na peça Antônio e Cleópatra – inesquecível para mim

Theófilo Silva

18/08/2022 5h00

Atualizada 17/08/2022 17h25

Vejam que sentença devastadora: “Estrelas, escondei vossos fulgores para que a luz não veja meus profundos desejos!” É o que Macbeth diz para si mesmo diante do bondoso rei Duncan, ao preparar-se para traí-lo, matá-lo e tomar-lhe o trono da Escócia. Duncan tinha acabado de dizer para outro traidor, o barão de Cawdor, que “não existe arte que possa mostrar o que se passa na alma pela face”. Não tem, mesmo. Macbeth e o barão de Cawdor são apenas dois dos muitos traidores existentes na obra do bardo de Stratford.

Talvez o caso mais marcante envolvendo traição política em toda a obra de Shakespeare ocorra na peça Antônio e Cleópatra – inesquecível para mim – e se dá entre o poderoso Marco Antônio e um de seus lugares-tenentes, Enobarbo. Enobarbo serviu fielmente Marco Antônio durante toda sua trajetória como um dos três homens que governaram o Império Romano depois da morte de Júlio César. Marco Antônio ao chegar ao Egito se apaixona por Cleópatra e esquece os deveres de Estado. Acaba desencadeando uma guerra com o jovem Otávio, o futuro imperador Augusto, e cometendo vários desatinos é abandonado por parte de seus servidores. É aí que seu tenente começa a fraquejar em sua lealdade, e diz o seguinte: “Minha honestidade e eu começamos ao não mais nos entender”. E trai Antônio.

Mas algo irônico acontece. Marco Antônio perto da destruição resolve doar toda a sua riqueza para aqueles servidores que sempre o acompanharam, dentre eles o mais aquinhoado é Enobarbo. Informado por um deles que Marco Antônio lhe legou uma fortuna, Enobarbo cai em desespero: “Sou o ser mais vil da terra e compreendo minha infâmia. Oh, Antônio mina de generosidade. Sinto o coração apertado! Se o remorso não for suficiente para arrebentá-lo encontraremos algum meio mais rápido”. Marco Antônio morre juntamente com Cleópatra, e Otávio vira imperador com o título de Augusto. Esse fato é histórico, e ocorreu na batalha de Accio, entre Otávio e Marco Antônio, ocorrida em 31 A.C e dá fim a República romana.

Amargamente arrependido, Enobarbo diz uma bela oração ao luar: “Sê minha testemunha, ô tu, divina lua. Quando os traidores forem mais tarde entregues à recordação vingadora dos homens, testemunha de que, perante tua face brilhante, o miserável Enobarbo se arrependeu. Ò soberana senhora da verdadeira melancolia atira meu coração contra a dura pedra de minha culpa para que se reduza a pó, já que se encontra seco de dor e acabe com todos os ignóbeis pensamentos! Ó Antônio! És mais nobre do que a infâmia de minha rebeldia. Perdoa-me no segredo de teu coração, mas que o mundo me classifique em seus registros entre os desertores de seus senhores e os trânsfugas! Ò Antônio, Ó Antônio!” Enobarbo se mata!

Conto essas histórias de Shakespeare para dizer que depois de votar, o verbo que será mais praticado neste período eleitoral, dentro da prostituição partidária brasileira, é o verbo trair. Nunca se traiu tanto! Nunca, nunca, nunca! Haja rasteira! Simplesmente, porque traidor não tem ideologia, partido, relações de amizade, nem palavra, seu único lado é o dele mesmo, o que lhe oferecer mais vantagens. Vejam que até o Tiririca foi traído pelo filho de Bolsonaro, que lhe tomou o número da candidatura. Honra não é para qualquer um. Não posso deixar de citar Shakespeare novamente: “A honra anda por um caminho tão estreito que por ele só passa um, de frente”.

Cada unidade da Federação tem muitas histórias para contar a respeito da “turma que pulou do barco”, deixando seus companheiros de jornada entregues a própria sorte nestas eleições. Aqui em Brasília temos muitos, muitos casos. Cada candidato tem suas queixas. Dedico esse texto aos traidores. Espero que eles que eles tenham uma conversa íntima com a lua: “Quando os traidores forem mais tarde entregues à recordação vingadora dos homens…”. É Shakespeare quem afirma isso!

Que o povo brasileiro pense nisso nestas eleições.

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