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Quinto Ato
Quinto Ato

Let’s kill all the lawyers – Parte 2

Ninguém quer matar advogados. Ao contrário: queremos um verdadeiro Estado de Direito neste país, que nos livre desse modo de produção pré-capitalista, feudal, de capitanias hereditárias, de triste herança portuguesa. A vivência em Brasília, na corte, no entanto, para qualquer observador minimamente atento, apresenta um cenário de total falta de pudor. Não há deferência ao mérito,

Theófilo Silva

19/10/2020 16h07

Let's kill all the lawyers - Parte 2

Let’s kill all the lawyers – Parte 2

Muita gente vincula a popular imagem do príncipe Hamlet segurando uma caveira e se dirigindo a ela, como o momento em que ele diz o solilóquio “Ser ou não ser, eis a questão”. Na verdade, não é. A famosa frase ocorre no meio da peça, no terceiro ato. Já a cena da caveira acontece no cemitério, no quinto ato, quando ele conversa com um engraçadíssimo, louquíssimo coveiro, que faz piadas o tempo todo enquanto cava uma cova. Pois bem, em meio a uma série de reflexões acerca da condição humana, tais como “veja a que condições vis podemos voltar, Horácio” enquanto segura o crânio descarnado, Hamlet lembra de uma categoria profissional, e pergunta para si mesmo: “Por que não pode ser um crânio de um advogado? Onde estão agora suas sutilezas e seus referendos, seus mandatos, suas chicanas e artimanhas? Como suporta agora que esse patife grosseirão lhe bata com a pá imunda na moleira, sem se atrever a lançar contra ele um processo por lesões?”.

Embora a peça Hamlet se passe na Dinamarca, Hamlet está falando da Inglaterra, a nação do “Comon law”, o Direito Comum, de Henrique II, de 1165, que institui o corpo de jurados, e da Magna Carta, o primeiro esboço de Constituição de que temos notícia, promulgada no longínquo ano de 1215, pelo rei João sem Terra, por imposição da nobreza, dos barões: os senhores do castelo.

Quase todas as peças de Shakespeare fazem menção a advogados, juízes, tribunais, julgamentos, justiça, direito… Por que isso? Porque ele sabia que uma nação só dá certo, só prospera com a equânime distribuição de justiça para toda a sociedade, fazendo com que todos sejam iguais perante a lei, um compromisso com a ética, ou seja, para que haja segurança jurídica, o denominado “Rule of Law” (Estado de Direito). E sabemos que foi isso que transformou a pequena Inglaterra, uma ilha chuvosa num canto da Europa, no maior império que o mundo já viu. E é a ausência desse estado de direito que faz o gigantesco Brasil permanecer atolado num pântano.

Pergunto se existe algum Poder Judiciário com um custo maior que o brasileiro em todo o mundo? Não perderei muito tempo em denunciar os desgraçados penduricalhos da magistratura e do Ministério Público. Ou seja, nosso problema não se restringe a advocacia, mas a todo o aparato do sistema jurídico brasileiro. O que sabemos é que esse imenso rabo preso não apenas desmoraliza o direito brasileiro, mas está umbilicalmente relacionado com todas as artimanhas protelatórias e excentricidades bacharelescas que favorecem não os bons advogados, mas os lobistas da Corte, os bajuladores, filhinhos de papai e toda sorte de picaretas engravatados que substituem o exercício altivo da advocacia por esquemas cada vez mais desavergonhados de tráfico de influência, advocacia administrativa e lavagem de dinheiro!

Vejamos o caso da OAB. A maior e provavelmente mais importante entidade da sociedade civil organizada que permanece silenciosa diante da catástrofe provocada pelo coronavírus. Deveria movimentar seus quadros, seu prestígio, seu poder e também seus recursos, e liderar uma enérgica campanha de mobilização da sociedade em favor da ciência e das medidas de prevenção ao alastramento da peste Nada foi feito. “Words, words, words”… Como diz o príncipe Hamlet!

A OAB/DF fez pior: demitiu mais de setenta funcionários durante a pandemia. Essa insensibilidade é fruto, é característica das nossas “elites”. Em geral, o que temos cada vez mais na advocacia da corte são filhinhos de papai, que nunca deram duro na vida e que ganham tudo de mão beijada. Ganham até uma OAB de presente do papai, com campanhas caríssimas regadas a jantares em restaurantes de luxo Brasil afora. Campanhas que se assemelham aos votos de cabresto da República da Espada! Mas os operários da advocacia (os milhões de advogados que nunca serão presidentes da OAB) vendem seus votos na esperança ilusória de que essas migalhas se transformem em ouro.

Ninguém quer matar advogados. Ao contrário: queremos um verdadeiro Estado de Direito neste país, que nos livre desse modo de produção pré-capitalista, feudal, de capitanias hereditárias, de triste herança portuguesa. A vivência em Brasília, na corte, no entanto, para qualquer observador minimamente atento, apresenta um cenário de total falta de pudor. Não há deferência ao mérito, à técnica, à concorrência, ao empreendimento ou à originalidade. E é dentro dessa institucionalidade putrefata que claudica o direito, a economia, a arte e todo o país.

Precisamos montar uma nova peça. Que surjam novos atores. Shakespeare está aqui para nos ajudar. A convocação está feita. Outra coisa, não esqueci do Marco Aurélio e André do Rap.

Aguardem!

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