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Quinto Ato
Quinto Ato

Cegos guiando loucos

estamos vivendo um cenário semelhante ao de O Ensaio sobre a cegueira, o livro do português José Saramago, em que todos foram contaminados por uma cegueira branca. A obra mostra o quanto os homens podem se tornar cruéis diante das adversidades da vida, liberando seu lado mais sombrio e perverso

Theófilo Silva

16/03/2021 10h22

Cegos guiando loucos

Talvez uma das sentenças de Shakespeare mais citadas nas redes sociais durante esse longo e sofrido período de peste tenha sido a fala duque de Gloucester, em Rei Lear. Na verdade, trata-se de um pequeno diálogo entre um ancião e o duque. Gloucester foi cruelmente cegado pelo duque de Cornualha e, desorientado, pede a um cidadão idoso que o leve a um pedinte, conhecido seu, para que cuide dele. Ao que o ancião responde: “Ai senhor, ele é louco! Gloucester retruca “É sinal de tempos doentios ver um louco guiando cegos”. Minutos antes o ancião já tinha dito para ele, que teimava em andar sozinho: “Senhor, não podeis enxergar vosso caminho”! E ele responde “Não vou por qualquer caminho e, por conseguinte, não tenho necessidade de olhos. Tropecei quando enxergava”.

Diante dessa premonitória e atualíssima cena de Shakespeare, a pergunta que fazemos a nós mesmos, é: como que as pessoas podem se recusar a ver, enxergar, a negar a realidade e desconstruir aquilo que está à sua frente, ao seu redor? E que é confirmada por médicos, cientistas, estudiosos de todas as áreas, dois terços da humanidade e por todos os fatos circundantes: pessoas doentes e morrendo ao seu redor, hospitais cheios, cemitérios cheios, gente se suicidando. Como isso é possível? E ainda se recusam a tomar vacina! Como que o negacionismo, ou bolsonarismo, pode ter tantos adeptos? Por que há tanto loucos no mundo? Que governo é esse? Que tempos são esses em que um louco guia cegos? Por que as pessoas não enxergam o real?

E o que mais nos entristece é que essa doença da negação pertence ao nosso círculo e afeta pessoas que são nossas amigas, parentes, irmãos, cônjuges, vizinhos, colegas de trabalho. Um horror. E isso nos causa profunda decepção e dor, pois se trata de pessoas que gostamos, amamos e admiramos. Gente que nós achávamos que tinham lucidez, sentimentos nobres, enfim, que tinham uma alma boa. E na verdade descobrimos, apavorados, que se trata de loucos, que eu denomino de Negacionistas Suicidas Homicidas. Pessoas que desdenham a doença e, por consequência, matam outras pessoas com sua irresponsabilidade sádica. Como isso dói! Mas como dói! Tenho certeza de que quando essa peste passar, nossas relações com essa turma estarão destruídas, não serão mais as mesmas. Eu, por exemplo, quero distância desses doentes mentais, desses monstros, pois sei que seus comportamentos mataram pessoas.

Sinceramente e sem exagero, são assassinos não atingidos pelo código penal.

Temos a “arte para oferecer um espelho à natureza”. Digo que estamos vivendo um cenário semelhante ao de O Ensaio sobre a cegueira, o livro do português José Saramago, em que todos foram contaminados por uma cegueira branca. A obra mostra o quanto os homens podem se tornar cruéis diante das adversidades da vida, liberando seu lado mais sombrio e perverso. Na obra de Saramago os loucos têm um líder denominado de O Cego da Pistola, o chefe que comanda o grupo de cegos malvados que causam terror aos demais no manicômio! Digo que nosso presidente da República se comporta como o cego da pistola, e aqueles que o apoiam, negam e boicotam o isolamento social, são: “Monstros de escuridão e rutilância”, citando o sombrio verso do célebre soneto de Augusto dos Anjos.

O que a peste deixa claro para nós, é que existe um percentual elevado de seres humanos de índole autoritária, egoístas e ególatras que se recusam a aceitar um mundo em que se procura direitos iguais para todos. Alegando liberdade de expressão, eles dizem não fazer nada que seja obrigatório, quando, na verdade, são contrários ao direito coletivo e apoiam medidas que retiram os benefícios da maioria. Outra parte deles são meros ignorantes, que repetem: “Quem quiser que se lasque”. E um outro grupo, bastante grande, é composto por ladrões comuns, bandidos mesmo, que querem se dar bem. Por isso que os bons precisam combater os maus. Pois somos maioria. Devemos dizer para nós mesmos que não podemos aceitar que loucos, ou seja, os homens que dirigem o país guiem os cegos que nos rodeiam, que se recusam a enxergar a tragédia que nos cerca e se transformam em assassinos. Nós, homens de bem, temos essa missão. E Precisamos realizá-la agora.

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