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Quinto Ato
Quinto Ato

A Fome está de volta

Quem tem fome tem pressa! Que cada um de nós tenha consciência disso, e diga não a esse governo perverso e trabalhemos para por alimento na boca dos necessitados. E já!

Theófilo Silva

04/11/2021 14h14

A Fome está de volta

William Shakespeare, o escritor que se tornou um amigo de todas as horas, continua me surpreendendo, tal a sabedoria e a atualidade de sua obra, que nos encanta e nos ensina a compreender esse mundo louco. Vou ser obrigado a citar aqui um longo diálogo de uma de suas peças, simplesmente porque é um retrato fiel, devastador, premonitório, límpido como se fosse um relato do que está acontecendo no Brasil no momento em que escrevo esse texto. Trata-se de um tema vital que cala fundo em nossas existências: a Fome. Esse diálogo foi escrito no ano de 1608, e está contido na peça Coriolano, uma das últimas tragédias escrita pelo bardo.

Vejam que narrativa devastadora.

“Cidadão –“Estão todos prontos para morrer, mas nunca a suportar a fome?

Todos – Estamos, estamos!

Primeiro cidadão – Primeiro saibam que Caio Márcio é o principal inimigo do povo!

Todos – Sabemos, sabemos!

Segundo cidadão – Somos tidos na conta de cidadãos pobres: só os patrícios são bons cidadãos. O que sobra dos poderosos bastaria para socorrer-nos. Se nos dessem somente o que é supérfluo, enquanto tivesse em bom estado, poderíamos acreditar que nos auxiliam por humanidade; mas pensam que somos caros demais para sermos sustentados. A magreza que nos aflige e o espetáculo de nossa miséria são o inventário encarregado de manter detalhada a abundância deles. Nosso sofrimento é lucro para eles. Vinguemo-nos com nossos paus, antes que nos transformemos em esqueletos, pois os deuses sabem que, se assim estou falando, é porque tenho fome de pão e não sede de vingança. Caio Márcio é um verdadeiro cão para o povo!”.

Assustadoramente atual, não é mesmo? Esse trecho tem quatrocentos anos e a peça se refere a Roma antiga, da época dos Césares, muito embora eu ache que Shakespeare está falando da sua Inglaterra natal, em algum momento que fatos como esse possam ter ocorrido. Shakespeare diz aqui que o povo não suporta mais a fome, e vai para as ruas clamando por comida, dando início a uma revolta contra os nobres e o cônsul Caio Márcio, também chamado de Coriolano, que, insensível, não quer ouvir seus apelos.

Trago esse tema porque a fome está de volta ao Brasil. Depois de um breve período de cerca de quinze anos, voltamos a enfrentar o horror da fome. Foi durante os anos 2003 e 2017, nos governos de Lula, Dilma Roussef e Temer, que o país saiu do chamado mapa da fome das Nações Unidas. Todos nós achávamos que jamais o país voltaria a enfrentar essa situação, que é um dos mais terríveis, vergonhosos e dolorosos problemas de uma nação: o de não conseguir alimentar seu próprio povo, e isso num país gigantesco que é também chamado de celeiro do mundo, e um dos maiores exportadores de alimentos do planeta Terra. Algo que demonstra falta de vontade política, descaso e crueldade do governo brasileiro com seu povo. É um governo que governa para os ricos!

Já sabemos que mais de 32 milhões de brasileiros então passando fome e catam restos de comida e ossos para se alimentarem. Mais de cem milhões de pessoas sofrem de algum tipo de insegurança alimentar no Brasil. Os tribunais brasileiros estão abarrotados de ações contra pessoas que roubaram migalhas nos supermercados: frutas, leite, pão, doces, biscoitos… A fome grita nas ruas! Trata-se um quadro horroroso, terrível que precisa ser combatido.

Que os insensíveis e cruéis carreguem em suas consciências o que diz um dos revoltosos de Shakespeare: “O que sobra dos poderosos bastaria para socorrer-nos”. “Se nos dessem somente o que é supérfluo…”. Que cada um de nós tenha consciência disso, e diga não a esse governo perverso e trabalhemos para por alimento na boca dos necessitados. E já! Quem tem fome tem pressa!

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