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Questão de Direito
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Nova Lei de Licitações: é possível aplicar o reequilíbrio econômico-financeiro ao registro de preços?

O Sistema de Registro de Preços – SRP constitui um dos denominados “instrumentos auxiliares” das licitações

Marilene Carneiro Matos

07/02/2022 16h21

Nova Lei de Licitações: é possível aplicar o reequilíbrio econômico-financeiro ao registro de preços?

Colaboração: Simoney Alves Soares

O Sistema de Registro de Preços – SRP constitui um dos denominados “instrumentos auxiliares” das licitações e concretiza diversos objetivos do legislador quando da elaboração da Lei 14.133/21, a Nova Lei de Licitações e Contratos (NLLC), especialmente a eficiência, transparência e planejamento das contratações públicas.

A despeito da definição constante da Nova Lei de Liciações tanto do registro de preços quanto do instrumento que o representa, a ata de registro de preços, há certa confusão quanto a sua natureza jurídica, que para alguns adminstrativistas é contratual, para outros se trata de mera pesquisa de preços, já que não obriga a Administração a efetivamente contratar os bens e serviços dele constante. Nesse sentido, o entendimento da natureza jurídica do instituto impacta diretamente na possibilidade ou não de reequilibrio econômico-financeiro.

A NLLC define no inciso XLV do artigo 6º que o Sistema de Registro de Preço constitui “o conjunto de procedimentos para realização, mediante contratação direta ou licitação nas modalidades pregão ou concorrência, de registro formal de preços relativos a prestação de serviços, a obras e a aquisição e locação de bens para contratações futuras.” . Se verifica da definição legal que o SRP não é uma modalidade de licitação nem um contrato, mas procedimento para a contratação futura. Por não se enquadrar na definição legal de contrato, a prinícpio não se lhe aplicaria as normas legais relativas à figura jurídica do contrato.

Certo de que o registro de preços é um procedimento que faz uso das modalidades licitatórias, o qual é instrumentalizado em forma de uma ata, convém verificar a definição desse documento na NLLC, em seu artigo 6º, inciso XLVI, segundo o qual se trata de “documento vinculativo e obrigacional, com característica de compromisso para futura contratação, no qual são registrados o objeto, os preços, os fornecedores, os órgãos participantes e as condições a serem praticadas, conforme as disposições contidas no edital da licitação, no aviso ou instrumento de contratação direta e nas propostas apresentadas”.

Conforme visto no texto legal, apesar de ser vinculativo e obrigacional, bem como fornecer elementos para uma contratação futura, fica claro que a Ata de Registro de Preço não se reveste das características de um contrato administrativo típico, embora o Professor Marçal Justen Filho entenda que “o registro de preços é um contrato normativo constituído como um cadastro de produtos e fornecedores, selecionados mediante licitação para contratações sucessivas de bens e serviços, respeitados lotes mínimos e condições previstas no edital.”.

Caso se entenda que o SRP tenha as características jurídicas de um contrato, abre-se a possibilidade de aplicação da normas concernentes a adequação econômico-financeira ao registro de preços. No entanto, há considerável corrente que entende em sentido contrário, caso de Fábio Mauro de Medeiros1 (2015), que defende que a natureza jurídica do registro de preços não é contratual, mas sim de pesquisa de preços realizada por licitação, a qual autoriza a aquisição futura de bens e serviços diante da necessidade surgida, vez que não gera um compromisso da administração pública em contratar, apesar de obrigar o particular a manter as condições do objeto oferecido vinculando a compromisso futuro (contrato) com o ente público.

Ocorre que as aquisições precificadas em determinado momento poderão no decorrer do tempo sofrer variações monetárias passíveis ou não de serem previstas, ensejando então por parte do contratado demandas junto a administração que visem à adequação do preço, ou mais precisamente, ao reequilíbrio econômico-financeiro do contrato.

A legislação pátria prevê, não ensejando relevantes questionamentos, possibilidades de alterações dos contratos administrativos, quantitativas ou qualitativas, desde que devidamente justificado e de acordo com as hipóteses legais, para ajustamento do equilíbrio do contrato. Entretanto, persiste insegurança jurídica no que concerne a tal reequilíbrio no preço dos bens e serviços licitados e registrados para futura aquisição por meio do sistema de registro de preços.

O reequilíbrio econômico-financeiro tem sua força assegurada no inciso XXI do artigo 37 da Constituição Federal, como garantia que visa assegurar à parte envolvida no contrato firmado com a administração pública, e a ela própria, a manutenção das condições que viabilizem a execução do objeto diante da adequação da saúde econômico-financeira da avença. Nesse sentido, a Carta assegura que o contrato administrativo estabeleça as obrigações de pagamento, desde que “mantidas as condições efetivas da proposta, nos termos da lei, o qual somente permitirá as exigências de qualificação técnica e econômica indispensáveis à garantia do cumprimento das obrigações.”.

Diante de tal preceito constitucional, o legislador fez constar na legislação concernente a licitação e contratos, mais especificamente a Lei 8.666/1993, e em sua substituta, a Lei 14.133/2021, no seu artigo 124, inciso II, alínea “d”, a possibilidade de alteração contratual para restabelecer o equilíbrio econômico-financeiro inicial do contrato em caso de força maior, caso fortuito ou fato do príncipe ou em decorrência de fatos imprevisíveis ou previsíveis de consequências incalculáveis, que inviabilizem a execução do contrato tal como pactuado, respeitada, em qualquer caso, a repartição objetiva de risco estabelecida no contrato.

O restabelecimento do equilíbrio econômico-financeiro de um contrato dar-se-á por meio de instrumentos aptos a depender de situações distintas, podendo, segundo consta na legislação e doutrina, ser implementado pela repactuação, pela revisão, ou pelo reajustamento.

É possível ainda acrescentar, com base nas lições de Jacoby Fernandes (2019, p. 139), que para readequação do contrato visando seu reequilíbrio, é condição para o feito que se tenha por pressuposto a superveniência da imprevisibilidade de fatos, e mesmo que previsíveis, suas consequências sejam impossíveis de calcular, precisar, retardando e impedindo a execução do ajuste. Necessário é registrar que a revisão tende a ser o instrumento a ser utilizado em uma eventual busca por equacionar o desequilíbrio detectado em um registro de preços, já que não está afeto a prazo e nem tão pouco a índices previamente estabelecidos.

Nas contratações públicas em geral, apesar dos diversos princípios afetos, entre eles o da boa-fé, isonomia, moralidade, eficiência, vedação do enriquecimento sem causa, da manutenção do equilíbrio econômico-financeiro, dois princípios se destacam quando se trata da busca da equação econômico-financeira do contrato, qual sejam, o princípio da vedação do enriquecimento sem causa e o da manutenção do equilíbrio econômico-financeiro.

O princípio da manutenção do equilíbrio econômico-financeiro, previsto no artigo 37, inciso XXI, da Constituição federal de 1988, tem por escopo promover uma justa relação entre os encargos assumidos pelo contratado e a contrapartida remuneratória pelo contratante público. Indo além, o princípio em voga não se limita a meramente ajustar preços com vista a evitar o prejuízo do contratado diante de situações imprevistas, mas assegura que a balança permaneça equilibrada, inclusive nos casos de redução de tributos que afetem o preço do produto negociado, forçando assim a redução do outrora ajustado com o contratante.

Já o princípio da vedação ao enriquecimento sem causa, impede uma desvantagem contratual seja tão grave e descompensada que promova o prejuízo de uma parte em benefício de outra, sem que haja justa causa. Celso Antônio Bandeira de Mello2 , esclarece sobre a vedação apresentada no princípio, que é defeso (…) “o incremento do patrimônio de alguém à custa do patrimônio de quem o produziu sem que, todavia, exista uma causa juridicamente idônea para supeditar esta conseqüência benéfica para um e gravosa para outro”.

Os princípios supra possibilitam que o contrato defasado, volte a ser viável em seu viés econômico-financeiro, quando coadunados a teoria da imprevisão, a qual, segundo diversos escritores administrativistas prega o equilíbrio do contrato ante os agravos econômicos resultantes de fatos imprevisíveis e inevitáveis ou previsíveis de consequências incalculáveis, que não tenham sido provocados pelos contratantes. Tais fatos provocam graves modificações na execução do contrato, de forma a torná-lo onerosamente pesado no viés econômico-financeiro.

Quanto à apliacação do reequilíbrio econômico-financeiro ao Registro de preços, há poucas decisões acordadas sobre o tema que tratem desta possibilidade. Contudo, significativa é a decisão da Corte de Contas constante do Acórdão n.º 25/2010-Plenário, do ano de 2010, segundo a qual “(…) este Tribunal já decidiu, conforme Acórdão n.º 1.595/2006- Plenário, no sentido de que ‘é aplicável a teoria da imprevisão e a possibilidade de recomposição do equilíbrio contratual em razão de valorização cambial’”.

A despeito do importante precedente do TCU mencionado, há decisões em sentido contrário do Tribunal de Contas do Estado de São Paulo3, que entende por restrintir a possibilidade de reequilibrio econômico-financeiro aos contratos, ao argumento de que a ata de registro de preços constitui uma pesquisa de preços, com a possibilidade de o particular ser desobrigado de fornecer o bem ou serviço, caso o valor acordado não seja mais compensador ao particylar. Ademais, aduz-se não ser razoável que o ente público reveja os preços com o fito de majorá-los, quando pode realizar nova licitação estendendo a outros fornecedores a possibilidade de oferecerem preços mais módicos, logo atendendo ao interesse público.

Vê-se que tanto os autores administrativistas quanto as Cortes de Contas no país não tem posição homogênea quanto à possibilidade ou não de reequilíbrio econômico-financeiro no registro de preços. Entretanto, ainda que se entenda viável juridicamente proceder-se ao reequilíbrio do Registro de Preços, não parece razoável que a administração assim proceda, uma vez esta que pode desobrigar o particular de manter o registro, caso situações imprevisíveis tenham onerado em demasia o produto ofertado, bem como pode realizar novo procedimento licitatório, a fim de estimular a concorrência e eventualmente alcançar maior economia de recursos públicos.

Notas:
1. MEDEIROS, Fábio Mauro. Registro de preços e sua natureza jurídica. Fórum de Contratação e Gestão Pública. Disponível em: https://www.editoraforum.com.br/wp-content/uploads/2015/09/registro-de-preco.pdf

2. Celso Antônio Bandeira de Mello, Curso de direito administrativo. 26 ed. São Paulo: Malheiros, 2009, p. 654.

3. Processos TC -014157/026/0711, TC 119N 87.989.16-7, TC- 0345537/026/6

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