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Questão de Direito
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A Prova ilícita no Processo Administrativo Disciplinar: até onde pode ir o acusado para se defender?

O Processo Administrativo Disciplinar – PAD, é o meio que a Administração Pública para apurar eventuais irregularidades na atuação de seus agentes

Marilene Carneiro Matos

24/03/2022 11h00

A Prova ilícita no Processo Administrativo Disciplinar: até onde pode ir o acusado para se defender?

Trata-se de instrumento apoiado sobre duas ideias mestras que lhe dão concretude: de um lado, a necessidade de resguardar a correção da atividade administrativa; de outro ângulo, e não menos importante, o PAD constitui a oportunidade que o sistema legal confere para que o acusado em âmbito disciplinar exerça o contraditório e a ampla defesa.

O contraditório se distingue da ampla defesa, embora, pela similaridade do objetivo – oportunizar defesa dos acusados – haja alguma confusão entre os conceitos. Enquanto o exercício do contraditório constitui a ocasião adequada para que o acusado se contraponha mostrando a sua versão sobre os específicos fatos dos quais está sendo acusado, a ampla defesa significa os meios que ele utilizará para se defender.

Nesse sentido, a garantia da ampla defesa pressupõe que a lei não limita os meios de defesa para os acusados, que poderá ser de todas as formas admitidas em Direito.

E quanto às formas que o Direito não admite, como as provas ilícitas? Pode um acusado, a título de se defender, utilizar-se de provas obtidas com escuta ilegal de telefone? Com violação ao sigilo das correspondências? Com a exposição da vida e da privacidade de um terceiro? Em suma: a título de exercer a ampla defesa, o acusado pode se utilizar das denominadas provas ilícitas?

Este assunto foi objeto de intensas discussões nos meios acadêmicos e políticos na seara Penal, no contexto das notícias de vazamentos de conversas entre os integrantes do Ministério Público integrantes da força-tarefa da Lavajato com o Magistrado da 13ª Vara Federal de Curitiba responsável por boa parte das ações penais da mencionada operação.

No caso dos processos judiciais da Lavajato, os réus tentaram utilizar das conversas vazadas como meio de provar a quebra da imparcialidade do Juízo Criminal e assim emplacar uma anulação das decisões condenatórias que alcançou, dentre outras figuras de realce, o ex-Presidente Lula. Nesse sentido, a defesa do ex-Presidente solicitou cópias das mensagens obtidas ilicitamente por hacker por meio do aplicativo Telegram, tendo a TRF4 indeferido o pedido, ao argumento de que se tratava de provas ilícitas, vez que originadas de interceptações ilegais.

Tal posicionamento da Corte Federal contradisse, entretanto, a doutrina e a jurisprudência majoritária, que entendem, a despeito, da proibição constitucional da utilização de provas ilícitas, pela possibilidade de tal uso, desde que seja para defesa do réu, se constituir o único meio de defesa de que dispõe para provar sua inocência.

Com efeito, quando a Constituição veda a utilização de provas ilícitas em demandas entre particulares, entende-se que tal barreira não encontra limites ou exceções. Entretanto, quando se fala de Direito Público Sancionador – seja Penal ou Administrativo, em que vige o princípio da Verdade Real, entende-se por uma aplicação cautelosa do ditame constitucional.

Na área do Direito Público Sancionador, entende-se pela possibilidade de utilização pelo réu em sua defesa de provas ilícitas produzidas pela autoridade policial ou pelo Ministério Público. Ou seja, o direito à ampla defesa autoriza a utilização na seara sancionatória de tais provas, ainda que ilícitas. Com efeito, a busca da verdade real não autoriza a que o Estado faça “vista grossa” da evidência advinda da prova ilícita para manter a condenação de um inocente.

No entanto, e voltando às questões iniciais do texto, o uso da prova ilícita, como corolário da ampla defesa e da verdade real, pode e deve ser deferido ao réu em sua defesa. Entretanto, nem toda prova ilícita é passível de utilização nos processos sancionatórios, sob pena de se admitir soluções que implodam os objetivos do próprio sistema jurídico.

Nesse sentido, a prova ilícita produzida pelo próprio interessado não é albergada pelo Direito, e, portanto, não constitui meio capaz de formar o convencimento do julgador a favor do acusado.

É impensável que o sistema jurídico sancionatório, que preza pela manutenção da legalidade, autorize a produção pelos interessados de provas sob meios que o próprio Direito repudia. Entender-se diferente significa subverter a lógica do próprio Direito para admitir até mesmo que se cometam crimes – invasão de domicílio, escutas telefônicas ilegais etc – com o fito de que sejam produzidas provas de inocência do acusado em outros ilícitos. Seria um contrassenso.

Conclui-se que admitir a utilização de provas ilícitas produzidas pelas partes importaria em absurdo sistêmico do Direito, vez que se estaria a chancelar a prática de crimes como meio de provar a inocência de acusados por outros ilícitos, tanto nas searas penal quanto administrativa.

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