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Questão de Direito
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PEC 32/2020: A (in)suficiência da ampla defesa na avaliação periódica de desempenho

Com a PEC 32/2020, passa a ser obrigatória a avaliação periódica de desempenho dos servidores públicos, a ser efetuada a cada 12 (doze) meses

Marilene Carneiro Matos

30/09/2021 15h52

PEC 32/2020: A (in)suficiência da ampla defesa na avaliação periódica de desempenho

A Constituição Federal estabelece como um dos princípios vetores que regem a atividade administrativa a eficiência, a par da legalidade, da impessoalidade, da moralidade e da publicidade. Espera-se da máquina administrativa que proporcione o máximo de benefícios à coletividade com o mínimo de dispêndio de recursos públicos. No cumprimento do objetivo de eficiência, o servidor público constitui peça fundamental, vez que o Estado atua por meio de seus agentes.

Nesse sentido, o Estatuto dos Servidores Públicos Federais, a Lei 8112/90, concretiza o comando constitucional da eficiência em diversos dispositivos. Dessa forma, a norma estabelece ser dever do servidor “exercer com zelo e dedicação as atribuições do cargo”; “atender com presteza ao público em geral”; “ser assíduo e pontual ao serviço”. Ao mesmo tempo, ao servidor é proibido ausentar-se do serviço durante o expediente, sem prévia autorização do chefe imediato; proceder de forma desidiosa; utilizar pessoal ou recursos materiais da repartição em serviços ou atividades particulares; cometer a outro servidor atribuições estranhas ao cargo que ocupa, exceto em situações de emergência e transitórias; exercer quaisquer atividades que sejam incompatíveis com o exercício do cargo ou função e com o horário de trabalho;

Vê-se que o estatuto do servidor público já prevê como causa de desligamento dos quadros efetivos o servidor que atuar com desídia, ou seja, que não desempenhar as atribuições de seu cargo de forma satisfatória. A despeito da previsão legal de desligamento, não há ainda normas ou regulamentos prevendo padrões objetivos de aferição da qualidade de desempenho do servidor, mas sim meras avaliações burocratizadas, com aferição de nota máxima a todos os participantes. Raros são os casos de desligamento do servidor pela desídia, a não ser quando esta importa em abandono de cargo ou inassiduidade habitual.

A respeito deste ponto em particular, a reforma administrativa levada a efeito pela Proposta de Emenda Constitucional 19/98 incluiu dispositivo no art. 41, da Constituição Federal, prevendo o desligamento do servidor estável, por insuficiência de desempenho, estabelecendo ademais a regulamentação do tema mediante a edição de lei complementar.

Na tentativa de regulamentar o dispositivo constitucional, tramita no Senado Federal, o Projeto de Lei 117/2016, aprovado na Comissão Especial do Senado Federal, mas cuja tramitação não chegou ao seu termo. A proposta propõe uma avaliação anual de desempenho dos servidores, compreendendo o período entre 1º de maio de um ano e 30 de abril do ano seguinte. Para cada servidor, o responsável pela avaliação será uma comissão formada por três pessoas: a sua chefia imediata, outro servidor estável escolhido pelo órgão de recursos humanos da instituição e um colega lotado na mesma unidade.

É este o estado de arte atual da avaliação periódica de desempenho do servidor público, a qual não conta ainda com a necessária regulamentação legislativa para que seja aplicada na prática. E é atualmente objeto da Proposta de Emenda Constitucional 32/2020, que trata da Reforma Administrativa do Estado.

Nesse sentido, nos termos do parecer do Relator da PEC 32/2020, já aprovado na Comissão Especial da Câmara dos Deputados, mas ainda pendente de aprovação no Plenário da Câmara e do Senado, passa a ser obrigatória a avaliação periódica de desempenho dos servidores públicos, a ser efetuada a cada 12 (doze) meses, de forma contínua e com a participação do avaliado, com a finalidade de: a) aferir a contribuição do desempenho individual do servidor para o alcance dos resultados institucionais do órgão ou entidade; b) possibilitar a valorização e o reconhecimento dos servidores que tenham desempenho superior ao considerado satisfatório, inclusive para fins de promoção ou de progressão na carreira, de nomeação em cargos em comissão e de designação para funções de confiança; e c) – orientar a adoção de medidas destinadas a elevar desempenho considerado insatisfatório.

Tal procedimento de avalição assegura “a reavaliação de desempenho insatisfatório por instância revisora, caso suscitada pelo servidor.”. Ademais, a PEC determina a instauração de Processo Administrativo Disciplinar (PAD), a partir de 2 avaliações insatisfatórias consecutivas ou 3 intercaladas no período de 05 (cinco) anos, como pressuposto necessário à perda do cargo pelo servidor estável. Com tais disposições, o Relator entende restar cumprido o requisito constitucional da ampla defesa e do contraditório para a perda do cargo por insuficiência de desempenho.

Entretanto, o ponto sensível da proposta é que o PAD instaurado após as avaliações de desempenho consideradas insatisfatórias terá instrução baseada justamente em tais avaliações, dispondo a PEC que somente se admite a revisão das avaliações exclusivamente se comprovada a ilegalidade. O que pode levar a crer que não será possível ao servidor contestar o mérito da avaliação, mas apenas se esta atendeu aos ditames procedimentais de avaliação. E mais: a proposta legislativa prevê que se aplica “no que couber” os ditames do art.133 da Lei 8112/90, ou seja, as disposições atinentes ao PAD com rito sumário, sem possibilidade de dilação probatória e com prazo mais encurtados.

O risco do dispositivo é de promover fragilização da estabilidade funcional dos servidores públicos. Com efeito, se não é dado ao servidor exercer a ampla defesa quando do processo de avaliação de desempenho e, em momento posterior, quando lhe couber defender-se em PAD não puder questionar o mérito da avaliação, afigura-se o perigo de restrição à garantia da estabilidade.

Há que se levar em conta que a estabilidade não constitui uma proibição de demitir, mas sim é justamente a garantia de que o servidor estável somente perderá o cargo após exercida a ampla defesa e o contraditório, momento oportuno para que o interessado possa contrapor os argumentos que estão sendo colocados para justificar sua demissão. Com tal restrição à ampla defesa e ao contraditório, na forma em que está sendo colocada na PEC 32, há o risco de que o servidor não tenha instrumentos para se defender de avaliações negativas em virtude de critérios subjetivos do avaliador.

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