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Questão de Direito
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A segregação de funções na Nova Lei de Licitações – Como ficam os pequenos municípios?

A Nova Lei de Licitações alargou sobremaneira o número de princípios aplicáveis às contratações públicas – cujo rol saltou dos 8 (oito) previstos na Lei 8.666/93 para nada menos que 22 (vinte e dois).

Marilene Carneiro Matos

30/08/2021 18h12

A segregação de funções na Nova Lei de Licitações – Como ficam os pequenos municípios?

Tal opção legislativa tem sido a um só tempo objeto de elogios e de críticas: de um lado estão aqueles que defendem que tais enunciados são imprescindíveis para orientar de forma positiva a aplicação da norma; em outra mão, estão os críticos, que entendem que tal expansão principiológica é prejudicial à segurança jurídica, vez que os princípios detém baixa densidade normativa, o que possibilita maior discricionariedade na interpretação e aplicação dos comandos.

Vantagens e riscos à parte, o fato é que o legislador decidiu estabelecer um rol mais extenso de princípios que irão nortear a interpretação e aplicação dos dispositivos da nova disciplina das contratações públicas. Alguns deles já constavam do texto constitucional, da Lei 8666/93 e de leis esparsas. Dentre os que são efetivamente novidade da norma, destaca-se o princípio da Segregação de funções, o qual veda a designação do mesmo agente público para atuação simultânea em funções mais suscetíveis a riscos.

No que toca à nomeação de agentes públicos para desempenho de atribuições relativas às contratações, a Nova Lei estabeleceu no art. 7º que caberá à autoridade máxima do órgão ou da entidade, ou a quem as normas de organização administrativa indicarem, promover gestão por competências e designar tais agentes públicos. No § 1º do dispositivo, estabeleceu-se textualmente que na nomeação de agentes, a autoridade nomeante deverá observar o princípio da segregação de funções, proibindo expressamente designações do mesmo agente público para atuação simultânea em funções mais suscetíveis a riscos, com a finalidade de diminuir o risco de ocultação de erros e de ocorrência de fraudes na respectiva contratação.

Muito embora se trate de uma novidade que não constava da Lei 8666/93, já era possível vislumbrar-se a diretriz da segregação de funções no ordenamento jurídico brasileiro. Nesse sentido, observe-se o artigo 57 do decreto-lei 2.300 de 21 de novembro de 1986, que era a norma de licitações e contratos anteiores à Constituição de 1988, e que previa a especial designação de um “representante da Administração”, cuja atribuição era acompanhar a execução e fiscalização de contrato administrativo.

Ademais, há menção expressa à segregação de funções na instrução normativa 1, de 06 de abril de 2001, do Ministério da Fazenda, a qual estabelece que que é obrigatória a “separação entre as funções de autorização/aprovação de operações, execução, controle e contabilização, de tal forma que nenhuma pessoa detenha competências e atribuições em desacordo com este princípio”.

A segregação de funções agora erigida a princípio expresso da Lei de Licitação configura verdadeira ferramenta que garante que os agentes envolvidos nas distintas fases do procedimento licitatório desempenhe suas atribuições com eficiência e segurança. Quando uma única pessoa atua em diferentes momentos do iter procedimental da licitação, aumentam-se as chances de erros, fraudes, abusos de poder ou de conflitos de interesses, nefastos à eficiência e probidade da licitação. É necessário desta forma, principalmente nas fases de planejamento, execução e controle, que distintos agentes participem do procedimento da licitação.

N ese sentido, a segreção de funções foi objeto de cuidados por parte do Tribunal de Contas da União, o qual, por meio do acórdão TCU 686/11-Plenário, recomendou que fosse evitada a designação na composição da Comissão de licitação de servidor que tivesse atuado também na fase interna do procedimento licitatório. No mesmo diapsação, a Corte de Contas ressaltou a importância da segregação de funções como um mecanismo para otimização e eficiência administrativa quando proferiu decisão no acórdão 409/2007 – TCU.

Entretanto, a despeito das nobres intenções do legislador com o dispositivo, tanto do ponto de vista da eficiência quanto sob o aspecto da preservação da probidade nas contratações, a implementação prática do dispositivo em alguns órgãos ou entidades, principalmente de pequenos municípios, afigura-se um ponto que tem preocupado aqueles que conhecem mais profundamente as distintas realidades observadas no interior do País. Nesse sentido, a Nova Lei tem disposições que constituirão verdadeiro desafio de implementação nas municipalidades de pequeno porte.

Com efeito, a título de exemplo, cite-se a exigência de que o condutor das licitações, o agente de contratações, seja designado necessariamente dentre servidores efetivo, o que irá com certeza constituir um desarfio de concretização em orgãos que contam com estrutura de pessoal extremamente precária o que, infelizmente, não é raridade nos médios e pequenos municípios do nosso país.

No que toca à segregação de funções, que pressupõe a diversificação de servidores para desempenho das distintas atribuições relativas às licitações e contratos, há que se considerar a falta de recursos humanos em diveros órgãos municipais, os quais, muitas das vezes, contam com pouquíssimos – às vezes apenas um agente – não concursado – para as atribuições da fase interna e externa dos certames licitatórios.

O legislador foi insensível à situação das municipalidades quando editou a lei? Não parece ser o caso, mesmo porque ocorreu intenso debate entre vários segmentos da sociedade no âmbito legislativo, acerca da norma que estava então sendo gestada. A interpretação mais razoável leva a supor um esforço de internalização de um parâmetro de profissionalização que via de regra já existe no âmbito federal para os entes estaduais e municipais. Ou seja, ao estabelecer disposições tendentes à profissionalização das licitações, o legislador intensionou promover verdadeira mudança de cultura administrtiva de profissionalização nas contratações públicas das esferas federativas menores.

Nesse intento de promover a internalização para o resto do país de regras de profissionalização das atribuições relativas às licitações e contratos, o legislador estabeleceu um prazo de adaptação às suas prescrições diferenciado para os pequenos municíipios, assim entendidos aqueles com até 10.000 habitantes, os quais terão o prazo de 6 anos para adaptação às prescrições da Nova Lei. Nesse sentido, urge que os gestores estaduais e municipais procedam à realização de concursos para recrutar agentes qualificados a atuar nas diversas fases da licitação, bem como promovam a capacitação do seu pessoal.

Ou seja, faz-se imprescindível uma mudança cultural por parte dos gestores, para que a profissionalização das licitações seja concretizada, o que certamente impactará positivamente no bem-estar da população, destinatária final da atividade da Administração Pública.

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