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Questão de Direito
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Aplicação de vacinas vencidas e a responsabilidade do Estado

Como fica a responsabilidade do Estado ante efeitos noviços de uma vacinação levada a efeito com vacinas vencidas

Marilene Carneiro Matos

08/07/2021 17h34

Colaboração
Dra. Virgínia Machado (Advogada e Mestre em Direito Público)

Como se não bastassem todas as nefastas consequências pessoais e econômicas da pandemia do Covid-19, que tem castigado a população mundial e a brasileira há mais de um ano, tem circulado a notícia de que milhares de pessoas no país tomaram a vacina com prazo de validade vencido.

Nesse sentido, segundo informações veiculadas pela mídia, até meados do mês de junho passado, vacinas vencidas tinham sido objeto de utilização em nada menos que 1532 (um mil, quinhentos e trinta e dois) municípios brasileiros.

Por óbvio, o poder imunizante da vacina é altamente comprometido quando utilizada fora de seu prazo de validade. Ademais, a pessoa que se sente protegida ao tomar tal vacina, irá se sentir à vontade para diminuir o rigor em relação às medidas restritivas contra a covid-19, o que aumentará suas chances de ser contaminada.

Ante tal contexto, cabe perquirir como fica a responsabilidade do Estado ante efeitos noviços de uma vacinação levada a efeito nessas circunstâncias. Acaso se comprove que uma pessoa portadora de determinada comorbidade, ou de certa faixa etária, abrangidas pela prioridade da vacinação, foi contaminada em razão da má-prestação do serviço público, como fica a responsabilidade civil do Ente Estatal

Nesse sentido, importante entender-se a formatação da responsabilidade civil do Estado em decorrência de sua atuação frente a danos provocados no particular. A partir da experiência histórica que blindava o Estado de toda e qualquer responsabilidade por prejuízos causados a cidadãos, que marcou a época das monarquias absolutistas, observou-se evolução na forma de pensar a responsabilidade civil do Estado, passando por teorias que igualavam o Estado ao indivíduo, até a forma atualmente adotada pelo país, da responsabilidade do tipo risco administrativo, ou objetiva.

Segundo a teoria do risco administrativo, o Estado responde por danos provocados aos particulares em decorrência de sua atuação, independente de comprovação de dolo ou culpa de seus agentes. Basta que o prejudicado comprove o dano sofrido, a atuação estatal e o nexo causal entre o dano e a culpa. Entretanto, ao contrário da teoria do risco integral, adotada anos casos de danos nucleares e ambientais, a responsabilidade objetiva admite excludentes.

Assim, para que o Estado atenue ou exclua sua responsabilidade por danos aos cidadãos, deve provar a culpa concorrente ou exclusiva da vítima, o caso fortuito ou a força maior. E mais: o ônus de provar circunstâncias atenuantes ou excludentes da responsabilidade é do próprio Ente Estatal, e não da vítima do prejuízo.

O fundamento da responsabilidade objetiva tem sido apontado pela doutrina administrativista como sendo o interesse coletivo na atividade desempenhada pelo Estado. Ou seja, se o Estado age em prol de todos, é justo que os danos decorrentes de sua atuação sejam suportados por todos na forma da recomposição do prejuízo.

No caso concreto da aplicação de vacinas fora do prazo de validade, há inegável nexo causal dos eventuais danos com a atuação do Estado, em face de sua atuação enquanto gestor único dos imunizantes. Então, para se consubstanciar a obrigatoriedade de o Poder Público ser responsável pela reparação dos prejuízos, basta que fique comprovada a ocorrência do dano e sua decorrência em face da aplicação da vacina com prazo de validade vencida.

Nesse caso, frente à sistemática da responsabilização adotada pelo país, é desnecessário perquirir qual foi o agente responsável pelos eventuais danos que porventura se concretizarem, bastando aos eventuais prejudicados provarem o prejuízo e o liame causal com a atuação do Estado. Tampouco é necessária a comprovação efetiva de uma falha no serviço público, vez que tal responsabilização pode decorrer tanto de ato estatal lícito quanto ilícito.

A responsabilidade objetiva do Estado frente aos seus cidadãos não elide, contudo, que o agente responsável pelo dano seja posteriormente obrigado a reembolsar a Administração Pública pelos dispêndios relativos ao ressarcimento do dano, em posterior ação de regresso. Importante assinalar que, neste caso, o agente só responderá se ficar comprovado que atuou com dolo ou culpa. Ou seja, a responsabilidade do agente publico é do tipo subjetiva.

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