Menu
Pragmática
Pragmática

Cancelado? Quem tem medo do cancelamento?

Hoje em dia a cultura do cancelamento parece ter virado moda e o BBB tem feito essa discussão ganhar mais destaque

Pragmática Psicoterapia e Cursos

03/02/2021 11h37

Cancelado? Quem tem medo do cancelamento?

Cancelado? Quem tem medo do cancelamento?

Por Dr. Carlos Augusto de Medeiros

Fenômeno social que agora ganhou mais evidência com a atual edição do BBB – Brasil que, pela primeira vez, contém uma distribuição menos desigual entre afrodescendentes e brancos. O BBB é a caricatura do poder que a popularidade exerce sobre o comportamento das pessoas.

Antes das redes sociais, tínhamos poucos indícios do quanto éramos queridos. Apenas aquelas pessoas próximas a nós podiam demonstrar afeto ou desagrado em relação a nós mesmos e às nossas atitudes. Com as redes sociais, todavia, anônimos ficam “famosos” pela quantidade de pessoas que os seguem e interagem com suas postagens, com retweets, compartilhamentos, curtidas e comentários. Sem falar naquelas pessoas que já são celebridades, com milhares ou milhões de seguidores.

Essa vitrine virtual traz consequências muito mais imediatas para as nossas atitudes. Algumas atitudes podem ser reprovadas por grupos, os quais podem simplesmente deixar de nos seguir ou mesmo, nos perseguir no mundo virtual, tornando-se os famosos “haters”. Essas ocorrências passaram a ser denominadas de “cancelamento”. Palavra utilizada inicialmente de modo metafórico e incorporada em nossa língua comum, da mesma forma que “lacrar”, “heterotop” e “desconstruído”.

Nesse texto, eu discuto, tendo como contexto os acontecimentos da primeira semana do BBB, o efeito do risco de cancelamento sobre os modos e agir e expressar as opiniões. O BBB é um bom contexto uma vez que a patrulha acerca das ações dos participantes é ao vivo, 24 horas por dia. Os participantes precisam agradar ou evitar desagradar o público e os demais participantes do programa. Com 21 anos de existência, o BBB já se modificou com o advento e aumento de poder das redes sociais. As quais, inclusive, foram fundamentais para os resultados em eleições presidenciais recentes na Itália, Estados Unidos e Brasil.

Felizmente, temos debates sociais muito importantes em voga na atualidade, como racismo, direito dos animais, machismo e homofobia, por exemplo. Debates fundamentais que nos levam a refletir sobre nossas ações e opiniões. No vernáculo da moda, possibilita a nossa “desconstrução”. Para manter a chama desses debates, precisamos sim de um ativismo, o qual, além de cartazes e faixas na rua, conta com ferramentas virtuais, dentre elas, o cancelamento.

A possibilidade de cancelamento, todavia, pode resultar em efeito contrário. Em primeiro lugar, como vimos nas últimas eleições presidenciais, o cancelamento pode resultar em uma polarização. Uma pessoa cancelada por um comentário homofóbico, pode, ao invés de repensar suas posturas, radicalizar ainda mais a sua homofobia. Além disso, pode se aliar a grupos compostos por outras pessoas homofóbicas. Ao mesmo tempo, o risco do cancelamento pode restringir a espontaneidade da exposição das próprias opiniões. Sem dúvida, um racista calado é melhor que um racista tagarela. Todavia, a dissimulação com frases feitas só para agradar públicos A, B e C (marca registrada do BBB), além de transmitir uma imagem enganosa, impossibilita a desconstrução.

Sem passar pano em atitudes preconceituosas, é fundamental compreender o contexto no qual elas nascem. Meramente execrar as pessoas que as cometem por meio do cancelamento é uma solução superficial e perigosa. Sem dúvida, não somos obrigados a seguir pessoas cujas atitudes e opiniões nos fazem mal, entretanto, o cancelamento vai muito além disso. Ao cancelarmos alguém, estamos resumindo toda a complexidade de uma pessoa a um conjunto restrito de atitudes. Não vou deixar de ouvir as músicas do Metallica porque o seu vocalista (James Hetfield) caça ursos ou de ouvir The Smiths porque o Morrissey tem posturas xenofóbicas. A caça e a xenofobia são inaceitáveis, todavia, esses artistas não se resumem a tais atitudes.

Toda atitude preconceituosa deve ter consequências. Racismo, machismo, homofobia, maus tratos aos animais, entre outras atitudes, são inaceitáveis e é problema de todos operar para deixem de ocorrer. Mas esse é um problema social relevante e devemos sim nos ocuparmos dele utilizando conhecimentos advindos das ciências sociais, como a sociologia, a antropologia e a psicologia social.

Ao mesmo tempo, cada um, em seu íntimo, deve refletir sobre as suas próprias posturas e estar disposto a aprender. Não por medo de cancelamento, mas sim pelo amor e respeito ao próximo. Não apenas em relação aos humanos, como aos animais. Posso até ser cancelado ao dizer isso, mas devemos cancelar as atitudes discriminatórias e antissociais, mas não as pessoas.

    Você também pode gostar

    Assine nossa newsletter e
    mantenha-se bem informado