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Psicanálise da vida cotidiana
Psicanálise da vida cotidiana

Desejo

Carlos de Almeida Vieira

12/12/2023 11h17

Foto: Jessica Lewis/Pexels

Certa ocasião, Graciliano Ramos escreveu que as palavras não eram para brilhar — as palavras são para dizer. Procurar palavras agora – meus dedos doem sobre as teclas, enrijecidos, parados, esperando, esperando… O silêncio toma todo o tempo presente, mente vazia, sem ideias, angústia, angústia! O que quero escrever não sai do silêncio expectante, do nada antes de pensar, do vazio. O escritor sofre nas veias da impotência diante da não inspiração — espero, espero, sofro, queria… queria o quê? O que ainda não sei. A sensação que me invade é a mesma de um compositor que, ao piano, não encontra o acorde para transformar em melodia.

“Agora vou escrever ao correr da mão: não me mexo no que ela escrever. Esse é o modo de não haver defasagem entre o instante e eu: ajo no âmago do próprio instante”, fragmento de Clarice Lispector na angústia de escrever “Água Viva”. Adveio a inspiração! Grato que sou dessa minha musa eterna que escrevia não para a literatura, e sim para que se possa viver entre os paradoxos, as dúvidas e os mistérios — coisa tirada nesse momento que meus dedos se abrem em alegria – do querido Guimarães Rosa. Desejo de compartilhar com o leitor – só agora achei o título dessa crônica (?) ou confissão?

Voltou, veio tudo, não de novo, porque nada volta, só retorna na memória presentificada. Ela e ele se encontraram no som de um telefone, no instante que jamais estava previsto. “Não creio em destinação, melhor confiar na probabilidade” (Clarice, em A Paixão Segundo GH). A memória presentificada não é memória nem recordação, é o instante que talvez surja do inconsciente do compositor antes de começar a ouvir o nunca ouvido e ter a beleza de escrever na partitura as notas entremeadas de acordes, pausas, ritmos, espaços, pausas, música, enfim. De onde brotou o novo encontro de Penélope e Ulisses? O mistério é mistério; o paradoxo não se explica; o amor tem dessas coisas…

Chegou, sorriram, choraram as lágrimas salgadas de um momento apofânico, eram lágrimas espumadas que o mar estava trazendo, e na beira da praia, o encontro: todos os dois de pés descalços, abençoados por Iemanjá! Juntos agora, alegria e medo, palpitações cardíacas e levezas venais, de veias. O mar voltou para seu leito de imensidão após deixar Ulisses e Penélope em outro Instante. Lembro de José Tolentino Mendonça, o português, padre, poeta, cardeal que escreveu seu belo e profundo texto-livro — “A Mística do Instante –o tempo e a promessa.”

“Esse instante de agora é o nosso presente”.

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