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Psicanálise da vida cotidiana
Psicanálise da vida cotidiana

A psicanálise e o psicanalista

Cabe aos institutos de psicanálise cuidar dos seus alunos e futuros analistas para que sua prática e sua pessoa não sejam comprometidas

Carlos de Almeida Vieira

25/10/2023 10h31

Foto: AFP

A psicanálise foi criada e fundada pelo psiquiatra austríaco Sigmund Freud no fim do século XIX e começo do século XX, após a publicação do livro “A Interpretação dos Sonhos”. Depois de sua experiência com a técnica de ab-reação e da hipnose, Freud expandiu seus trabalhos de pesquisa sobre o funcionamento da mente humana e criou a técnica da associação livre, onde o analisando falaria tudo o que lhe viesse à mente e o analista o escutaria numa atitude de “atenção flutuante” (ouvir sem intenção pré-concebida). Essa técnica tem como elementos de observação a transferência, a associação livre e a interpretação dos sonhos, sejam eles sonhados durante a noite, sejam devaneios e atividade imaginativas diurnas não pensadas.

Dois fatos marcantes ocuparam Freud durante suas pesquisas: primeiro o sonhar, a atividade onírica. Freud descobre sua importância a partir dos sonhos de seus pacientes, e principalmente dos próprios sonhos. Esse fato leva o pai da psicanálise a fazer a análise dos seus sonhos, a autoanálise, e aprofundar a interpretação dos sonhos de seus analisandos. Com isso, estava se abrindo outro vértice de sua pesquisa: a análise da pessoa do psicanalista.

Como segundo fato, surge na experiência analítica um fenômeno chamado transferência, ou seja, afetos e desejos projetados na figura do analista pelo analisando. Logo a seguir, a contraparte na pessoa do analista: a contratransferência. Isso fala da importância, novamente, da pessoa do psicanalista. Por que enfatizo isso? Porque daí em diante, Freud percebe a importância da “análise do psicanalista” como meio de apurar sua capacidade de apreensão da realidade psíquica. Quanto mais um analista fizer análise pessoal, mais terá condições de discriminar e não misturar seus conflitos com os dos seus analisandos, além de sofisticar a sua capacidade de observação da realidade psíquica.

Com essa descoberta, Freud passa a exigir na formação de um psicanalista que ele faça com um colega mais experiente pelo menos cinco anos de análise pessoal em sua formação, e de tempos em tempos volte à sua análise. Essa é uma exigência formal nos institutos de psicanálise filiados à Associação Internacional de Psicanálise, com sede em Londres (Inglaterra). Para algumas escolas ditas “de psicanálise”, a análise do psicanalista é tida como coisa secundária, e o peso recai sobre a formação teórica e técnica. Desse modo, não há preocupação com a pessoa do psicanalista e sua saúde mental. Como analisar outras mentes sem cuidar da sua própria?!

Os psicanalistas são humanos, têm conflitos, preconceitos, atitudes moralistas e julgadoras, aspectos que jamais podem influir em suas análises. Caso contrário, estarão “fazendo a cabeça dos outros”, professando suas crenças e preconceitos, e não sendo objetivos, livres, criativos e respeitosos com seus analisandos. Se tem uma profissão que exige uma ética sem “moralismo”, “racismos”, “fundamentalismos”, ou o “ismo” que queira, essa profissão é a de psicanalista. O psicanalista não pode julgar, dar conselhos morais e educacionais, emitir juízo de valor. Caso contrário, a liberdade para se conhecer e ser si mesmo jamais acontecerá com seu cliente.

Freud, quando largou a técnica da hipnose, estava renunciando o “suposto poder” que o analista teria sobre a outra pessoa. Psicanalista, ainda que seja humano e “filho de Deus”, está vetado em atitudes moralistas. Sua função primordial é pensar as experiências emocionais não pensadas dos seus clientes, e assim fazê-los conhecer melhor seus conflitos e minorar, desse modo, a angústia de viver. Freud fugiu do nazismo; enfrentou experiências dolorosas por mostrar a importância da sexualidade nos conflitos psíquicos; combateu o preconceito contra os Judeus; frisou sempre que a liberdade de pensar e sentir era um caminho para a saúde mental e mostrou, principalmente, que a destrutividade humana é a raiz de todos os males mentais. Por todos esses motivos e preocupações, ele tinha uma atitude firme na formação de um psicanalista – a necessidade de sua análise pessoal – para evitar efeitos maléficos na pessoa de seus analisandos.

O que quero enfatizar hoje, prezados leitores, é que a picanálise só se desenvolve — e isso está sendo feito sempre — se o crescimento mental e a saúde mental dos psicanalistas forem cuidados, sempre. Cabe aos institutos de psicanálise cuidar dos seus alunos e futuros analistas para que sua prática e sua pessoa não sejam comprometidas. A psicanálise oferece um serviço de atendimento social, e como tal, tem como finalidade proporcionar o crescimento psíquico das pessoas.

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