Atendo Pedro e Eva (nomes fictícios) desde o meio do ano passado. Eles buscaram a psicoterapia sexual porque a relação estava desgastada, angustiante e com pouca ou quase nenhuma frequência sexual. A relação tinha oito anos e, nos últimos dois, o sexo aconteceu apenas três vezes. Sim, é exatamente isso que você leu: foram três relações sexuais em 730 dias.
Atender esse casal e perceber suas dinâmicas e regras foi muito interessante, mas algo me chamava muito a atenção: a culpa que Pedro colocava em Eva quando ele estava infeliz, frustrado e impaciente com aquilo que o cercava. “Eu sentia como se fosse de propósito, como se ela gostasse de me ver naquele estado”, dizia o paciente. “Se eu quisesse ir embora, ela também ficaria brava e chateada comigo, ou seja, eu não sabia explicar exatamente como me sentia, mas sabia que era culpa dela eu me sentir daquela forma.”
Pedro e Eva são religiosos, sendo assim, quase todas as regras da relação são pautadas em valores e morais religiosos. Dessa forma, nenhum tipo de traição era possível de perdão, principalmente a traição amorosa sexual. Todavia, sentir que a culpa era de Eva por tudo que acontecia no casamento a deixava insegura sobre suas ações, angustiada com seu papel de esposa e culpada por não poder fazer o marido feliz. Cansada de errar tantas vezes, Eva foi se anulando, deixando de lado suas próprias vontades e desejos. Aquele fogo interno que sentia pela própria vida foi sendo deixado de lado, afinal, fazer o marido feliz havia se tornado sua grande meta.
Durante o processo terapêutico e em paralelo com as questões relacionais amorosas, decidimos investir e questionar possíveis diagnósticos para Pedro, já que muitos de seus sintomas e comportamentos estavam sendo desafiadores demais em suas relações. Após muitos estudos e com o apoio de outros profissionais de saúde mental, encontramos dois diagnósticos: o transtorno de déficit de atenção com hiperatividade (TDAH) e o transtorno do espectro autista (TEA).
Falar dos diagnósticos aqui é muito relevante, pois afetou e afeta diretamente em como ele se comportou e comporta nas relações amorosas, familiares, afetivas e profissionais. Eva nunca teve outro parceiro além de Pedro. Enfrentava muitas dificuldades, mas acreditava que casamento era difícil assim, mesmo.
Com os diagnósticos em mãos, Pedro passou a investir mais em terapia e a experimentar bons medicamentos. Desde então, novos comportamentos e repertórios puderam ser trabalhados no processo terapêutico. A identificação de seus transtornos foi essencial para trabalharmos as culpas e frustrações que surgiam durante o percurso terapêutico.
Com a ajuda da medicação e com mais conhecimento sobre si e seus diagnósticos, Pedro se percebe atualmente mais autocentrado e com mais facilidade de se comunicar na terapia e pessoas próximas. E desde então, algo lindo aconteceu: ele não culpa mais Eva pelo que sente ou pelo que faz com os seus sentimentos. Ele também não culpa seus diagnósticos, mas procura compreender mais a fundo para evitar projetar na esposa e na família questões que não são sobre eles.
Olhar para si deu a Pedro uma nova perspectiva sobre parceria, prazer e cumplicidade. Eles encontraram formas inteligentes e saudáveis para terem voz na relação e se divertem com as diferenças como nunca feito antes. Atualmente eles transam bem mais, e ela, que chegou aqui com aversão a sexo, hoje curte e o deseja.
Culpar o outro pode parecer, para muitos e muitas, um lugar de poder e privilégio. Todavia, apontar o dedo para a outras pessoas e não para si mesmo pode te colocar refém de uma situação que muito provavelmente vai se voltar contra você.
O que quero dizer?
Que culpar alguém por algo que cabe a você lidar, vai tirando de você o real poder, que é poder olhar para si e para os próprios erros e aprender. Em outras palavras, você vai ‘emburrecendo’ como ser humano ao invés de evoluir e ser melhor para si e para aqueles ao seu redor.
Isto é, a culpa é sempre dá mulher porque, provavelmente, muitos homens não estão lidando com suas próprias questões, projetando, então, suas infelicidades em suas parcerias.
Qual sua opinião sobre isso?