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Lulu no Quadrado
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Quando o hábito de comer fora começa a ser um problema

Vivemos numa era de grandes compulsões e ansiedade. Para muitos, o problema só é real quando envolve abuso de álcool ou drogas. Mas todo comportamento que busca a desconexão da realidade e que começa a trazer problemas para o indivíduo é insalubre. Será que comer fora pode ser um vício?

Lulu Peters

05/05/2023 12h02

Foto: Marcus Herzberg/Pexels

Comer fora sempre foi uma das minhas grandes paixões. Sem grandes dotes culinários e vinda de uma família praticamente obcecada por boa mesa, frequentar restaurantes e avaliar a comida me levaram, depois, a escrever sobre o assunto.

Então, sair para comer sempre teve, para mim, uma aura totalmente positiva. Até que a vida adulta, perrengues financeiros e matrimoniais começaram a me mostrar uma outra face do hábito de estar sempre em restaurantes.

É que, retrospectivamente, eu percebo que quanto mais distante eu me sentia no meu casamento, por exemplo, mais eu queria comer fora.

Quanto mais bagunçada estivesse minha casa ou minha vida, mais eu queria fugir para um ambiente diferente e lá ia eu caçar um brunch, um almoço, um jantar, tudo sempre fora.

Então, houve uma época em que não era mais sobre a comida, era uma verdadeira fuga da minha realidade. E quem está com orçamento apertado, deveria saber que custa muito caro viver comendo na rua, não é mesmo?

Morando numa cidade como Brasília, é impossível não perceber que algumas pessoas estão em restaurantes, bares e cafés todo santo dia, e não necessariamente pelos sabores, temperos e propostas, mas para fugir de alguma coisa.

Alguns só frequentam locais cujos preços sejam a partir de 3 dígitos, como se isso fosse garantia absoluta de comida boa (vão por mim, não é). Ou seja, não é comida, é demonstração de poder.

Muitos não resistem a um lugar chamado de “gastronômico”, onde a comida é irrelevante, porém, é o ambiente perfeito para “ver e ser visto”. Ou seja, não é comida, é exercício da vaidade.

Outros, ainda, só sabem estar com a família em locais em que haja muitas distrações, como brinquedoteca para os filhos (eu SUPER entendo, mas achei importante ensinar minhas filhas a terem a paciência e curtirem o ritual de comer fora também), álcool para os adultos, música alta, enfim, todo o tipo de subterfúgio que torna impossível sequer perceber a comida.

Sem contar que muita gente adora comer fora, mas se recusa a conhecer qualquer lugar que não seja da moda; minimamente longe do seu bairro; que tenha comida “diferente” demais; que não reflita seu gosto particular e pessoal.

Pode parecer bobagem, mas isso impacta até na circulação de pessoas e nos cardápios, pois um público de perfil específico passa a “tomar conta” de um restaurante e este, por sua vez, começa a “fechar” o cardápio e a cozinha para atender o gosto só desse perfil. O ato de comer fora passa a ocupar um espectro social, pouquíssimo relacionado à comida.

E, por fim, a questão financeira é realmente questionável. Alguns podem pagar, mas será que todos podem pagar? Para fechar esta reflexão, relembro que uma vez eu comentei sobre estar chocada pelo fato de, no pós pandemia, com tudo a preços exorbitantes, um restaurante “cujo nome não deverá ser mencionado” – cujos pratos têm preços a partir de 3 dígitos – vivia lotado. E esse amigo comentou: “Não sabemos quantos estão aqui às custas de empréstimo consignado ou cartão corporativo”.

E é verdade! Muita gente sem conseguir fechar o orçamento familiar, mas está quase todos os dias da semana na rua. Não apenas para comer, mas para ‘ver e ser visto’. Será que esse cenário continua sendo gastronomia? Será que comer fora está virando uma compulsão? Fica a reflexão!

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