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Histórias da Bola
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O jogo do século

Vasco da Gama e Real Madrid disputaram um deles e ficaram em cima do muro

Gustavo Mariani

10/08/2023 10h49

Penta campeão europeu, primeiro campeão mundial interclubes da FIFA e a caminho do seu oitavo título nacional espanhol (disputas da primeira divisão desde 1929), o Real Madrid tinha o time mais forte do planeta e visitaria o Brasil, pela primeira vez. Para enfrenta-lo, o jornal A Noite promoveu enquete para o torcedor dizer qual clube gostaria de ver enfrentando os apelidados merengues. O América era o então campeão carioca – Fluminense, Botafogo e Flamengo, o seguiam na classificação final -, mas, surpreendentemente, o Vasco da Gama foi apontado, por cerca de 35 mil votos, como o preferido para o desafio, o que gerou críticas à Confederação Brasileira de Desportos-CBD (atual CBF) e à Federação Carioca de Futebol. Fora a torcidas vascaína, ninguém via na Turma da Colina condições técnicas capaz para tão difícil empreitada.

As críticas à escolha do Vasco da Gama para encarar o Real Madrid não paravam na sua quinta colocação no último Estadual. Incluía as suas fracas apresentações da equipe no recente Torneio Octagonal Internacional, contra times brasileiros, argentinos e uruguaios, quando perdera três e empatara dois dos seus sete compromissos. Só o eleitorado vascaíno, o mais eficiente da votação de A Noite, acreditava em sua rapaziada.

Enfim, com resultado do pleito confirmado e amistoso marcado, para a noite da quarta-feira, oito de fevereiro de 1961, no Maracanã, para receber, homenagear e prestar toda assistência aos visitantes, o presidente vascaíno, Allah Baptista, nomeou comissão formada pelos vice-presidentes de Comunicações, Avelino Dias; Altino Telles, de Patrimônio; Agathyrno Gomes, de de Relações Especializadas, e Edgard Campos, do Departamento Social.

Na manhã de 6 de fevereiro de 1961, a delegação do Real Madrid desembarcou no aeroporto do Galeão, chefiada pelo legendário presidente Santiago Bernabeu e foi recepcionada por todas a diretoria cruzmaltina. Às sete da noite, foi homenageada, com coquetel, no salão de troféus da sede da Rua General Almério de Moura, que faz fundos com a São Januário, na presença das mais altas autoridades desportivas do país, entre elas o presidente da Confederação Brasileira de Desportos (atual CBFutebol), João Havelange; os embaixadores no Brasil de Espanha e Portugal, e o governador do Estado da Guanabara (atual Estado do Rio de Janeiro) , Carlos Lacerda – além do capitão do time vascaíno, Bellini, representando os colegas jogadores.

Em discurso improvisado, Allah Baptista falou sobre o “alto gru da amizade Brasil/Espanha” e presenteou os visitantes com medalhões de pratas, cinzeiros, flâmulas e publicações do Vasco da Gama. De sua parte, Santiago Bernabeu presenteou os diretores vascaínos com relógios suíços de série fabricada especialmente para o Real Madrid. Houve, ainda, visita às dependências do prédio-sede do clube e exibição de aqualoucos, no parque aquático cruzmaltino.

Por aquele momento em qu o Vasco da Gama andava pisando na bola, o seu time era treinado pelo argentino Abel Picabea. Contam as crônicas da época que o tal hermano era tão chato, mas tão chato que, se precisasse de um cara chato, ele não servia: era muito mais. Há até textos dizendo que ele fora demitido nem tanto pelos resultados negativos que mostravam o seu time perdendo por placares apertados – 0 x 1 Fluminense, 0 x 1 Bangu, 1 x 2 Botafogo -, mas pela sua chatice. Então, dois dias antes do encontro com os merengues, foi contratado Martim Francisco, campeão vascaíno carioca-1956 e que já havia vencido o Real Madrid, amistosamente, em duas ocasiões: 2 x 0, em 20.07.1956, e 4 x 3, no 14 de junho de 1957. E empatado – 2 x 2, em 19.06.1956.

Sem tempo para trabalhar a rapaziada, Martim Francisco comandou só um treino, viu o Vasco levar 0 x 2 no primeiro tempo do 8 de fevereiro, mas arrumou a casa, dentro do vestiário, no papo, durante o intervalo. O que aconteceu no segundo tempo, você fica sabendo no texto abaixo.

Se o Real Madrid era considerado o melhor times do mundo, o Vasco tinham os campeões mundiais Bellini e Orlando, além de atletas que haviam passado pela Seleção Brasileira, casos de Coronel, Écio, Paulinho de Almeida, Sabará, Delém e Pinga. Assim, a imprensa carioca badalava o encontro, com os dois times indo para o Jogo do Século, mesmo com os vascaínos saído de um recente quinto lugar no Campeonato Carioca. Até aquele encontro, o maior público no Maracanã fora o de 16 de julho, da final da Copa do Mundo, quando, dos 199.854 que passaram pelas catracas, 173.850 pagaram para entrar. Naquele 8 de fevereiro de 1961, mais de 140 mil foram ao Maracanã, dos quais 122.038 compraram ingresso, gerando o maior público de jogo de um clube sul-americano.

Quando o árbitro argentino Juan Brozzi chamou os capitães Bellini e Gento para sortear a saída de bola, havia dezenas de fotógrafos pelo gramado, mas nenhum conseguia fazer Di Stefano posar. O estrelismo do Real Madrid era tamanho que os seus atletas nem cumprimentaram os vascaínos. Por protocolo, só os presentearam, com relógios de ouro – em troca, receberam flâmulas. Quando a bola rolou, o Real tinha Del Sol e Puskas, pela meia esquerda, deixando a direita para penetrações de Vidal e Canário, que infernizava a vida de Coronel. Aos poucos, Di Stefano foi mostrando precisão nos passes, inteligência nos deslocamentos e fazendo corridas inesperadas, para livrar-se dos marcadores. E distribuindo ordens. Seu treinador nem se manifestava, ao contrário do estreante técnico vascaíno, Martim Francisco, que gesticulava e berrava muito, segurando os suspensórios.?

Com futebol rápido e brilhante, o Real Madrid agradava. Aos 14 e aos 15 minutos, fez 2 x 0, com gols de Del Sol e Canário. Reclamando muito do calor da noite carioca, os madrilenhos saíram para o intervalo, recebendo água mineral em suas cabeças. Para o segundo tempo, uma novidade: o árbitro usando camisa amarela, substituindo o preto total da etapa inicial, sugerido pelo bandeirinha Alberto da Gama Malcher – Eunápio de Queirós foi o outro – , para não ser confundido com os cruzmaltinos. E quem esperava por uma goleada do Real Madri viu o Vasco se superar. Aos sete minutos, Casado marcou gol contra. Aos 17, Pinga empatou, cobrando pênalti, sofrido por Delém. Depois, a torcida vaiou Di Stefano, quando ele foi substituído. E o duelo ficou 2 x 2 no placar e nos empates do confronto.

O Vasco foi: Humberto Torgado (Miguel); Paulinho de Almeida, Bellini e Coronel: Écio e Orlando; Sabará, Delém, Wilson Moreira, Lorico e Pinga (Da Silva). O Real Madrid teve: Dominguez; Marquitos (Michel), Santamaria (Zagarra) e Casado; Vidal e Pachin; Canário, Del Sol, Di Stefano (Pepillo), Puskas e Gento.

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