Menu
Histórias da Bola
Histórias da Bola

Mané e o ditador

Cartolas puxavam saco de presidente paraguaio e Garrincha queria passar rasteira no homem

Gustavo Mariani

07/12/2023 11h25

Atualizada 04/02/2024 9h14

Quando o futebol começou, no Brasil, a maioria dos praticantes eram rapazes de família ilustres, estudantes a caminho de um diploma universitário. Sem muita demora, ao cair no gosto do povão, vieram os atletas descendentes de famílias pobres, que não tiveram a chance de estudar. Completamente alienados da realidade, não sabiam de nada do que acontecia no país, além de bola rolando. Pouquíssimas foram as exceções, casos de – graduados, em Medicina – Carvalho Leite e Afonsinho (Botafogo); Marquinhos (Internacional-RS); Tostão (Cruzeiro); Márcio Guerreiro (Flamengo); Sócrates e Marcial (Corinthians); Salomão (Náutico-PE); Engenharia Civil – Samarone (Fluminense) e Marcelo Cunha (Vasco da Gama) – e Advocacia (Heleno de Freitas (Botafogo).

Vários atletas brasileiros são pintados por “lunáticos”, como o Mané Garrincha, que teria considerado a Copa do Mundo um “torneio mixuruca”, por não ter returno e não saber quem eram seus adversários, que os identificava por “time da camisa da cor do América”. De sua parte, o maior de todos, o “Rei” Pelé, este nunca escondeu a suas alienação, antes de estudar e graduar-se em Educação Física. Quando apareceu em fotos abraçando o presidente Garrastazu Médici (considerado o pior da Ditadura-1964/1986), justificou-se garantindo não saber de nada do que acontecia no país, só de futebol. Durante a década-1980, “desaslienado”, apoiou a voltas das eleições diretas para presidente da república e desgostou os militares donos do poder.

Uma das histórias mais engraçadas sobre a alienação do futebolista brasileiro aconteceu em 30 de abril de 1961, quando o escrete canarinho fui ao estádio Puerto Sanjonia, em Assunção, enfrentar os paraguaios, pela Taça Oswaldo Cruz, em homenagem a um grande cientista-sanitarista brazuca. Tempos em que os dirigentes da então Confederação Brasileira de Desportos (atual CBFutebol), presidida por João Havelange, não estavam nem aí para nada que não fosse o “ôba-ôba!”

Entraram, então, as duas equipes no gramado, aplaudidas por 25 mil pagantes e recepcionadas pelo árbitro argentino Juan Brozzi. Cantou-se os dois hinos nacionais, com o capitão Bellini hasteando a bandeira brasileira, e, depois, o presidente do país, Alfredo Stroessner, foi anunciado (e aplaudido, evidentemente) para fazer o pontapé inicial da da pugna.

Quem era Stroessner? Um participante, em 1947, de guerra civil que massacrou trabalhadores paraguaios. Em 1954, por golpe de Estado, tornou-se presidente, por eleição indireta e sem oposição. Suprimiu garantias constitucionais, oprimiu e matou milhares de adversários, controlou os partidos políticos e tornou o Paraguai país afeito à corrupção, pelas oito legislaturas fraudulentas que o governou. Pois este homem foi babado pelos cartolas da CBD. Ainda bem que havia um Mané Garrincha para quase tropeçar no ditador, após o “kick off”, e perguntar a Nílton Santos, quando o viu saindo do gramado em direção à tribuna de honra:

– Compadre! Quem é aquele sujeito (apontando) que estava atrapalhando o início da partida? Tive vontade de passar uma rasteira nele. Me atrapalhou a dominar a bola (que o Stroessner chutou no pontapé inicial ) – coisas do lunático Garrincha!

Quanto à Taça Oswaldo Cruz, a Seleção Brasileira venceu a paraguaia, por 2 x 0 (gols de Coutinho e Pepe, em 30.04.1961) e 3 x 2 (tentos de Coutinho (2) e Quarentinha, em 03.05.1961). Comandada pelo treinador Aymoré Moreira, o time das duas partidas contou com: Gilmar; De Sordi, Bellini, Oreco (Calvet) e Nílton Santos; Zito e Didi; Garrincha, Coutinho, Quarentinha e Pepe. Na segunda partida, assistidas por 20 mil pagantes, Jair Marinho substituiu De Sordi.

Nunca vai ser provado se esta história (ou lenda) aconteceu mesmo. Mas, contou-se, também, que, na volta da Seleção Brasileira ao Rio de Janeiro, quando o Nílton Santos já havia contado o “caso” pra todo mundo, dentro do avião, um cartola (cheio de uísque) chegou para o Mané Garrincha e o indagou:

– Cara! Você queria passar uma rasteira no presidente?

– O Doutor Paulo veio? Nem vi – teria respondido o Mané, para quem presidente era só o do Botafogo, Paulo Azeredo.

    Você também pode gostar

    Assine nossa newsletter e
    mantenha-se bem informado