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Histórias da Bola
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Fio Maravilha de Pessoa

Ingênuo, como Garrincha, ele passou pelo Ceub e foi ídolo, também, em Brasília, em 1975

Gustavo Mariani

10/06/2023 10h16

15 de janeiro de 1972 – o Flamengo enfrentava o português Benfica, amistosamente, em uma noite de sábado, no Maracanã, com o adversário mostrando melhor preparo físico, bloqueando forte o meio-de-campo e fazendo contra-ataques rápidos, pelas pontas, especialmente pelo seu lado esquerdo. Assim, foi melhor durante toda a primeira etapa, quase batendo na rede, aos 21 minutos, obrigando o goleiro Ubirajara a fazer grande defesa. De sua parte, os rubro-negros não conseguiam sequenciar a maioria de seus ataques.

Veio o segundo tempo e a torcida do Fla sentiu a falta de um jogador imprevisível, tipo aquele que marcava um golão e depois tropeçava na bolam, a chutava com a canela. Tal cara – João Batista de Salles, o Fio, mineiro de Conselheiro Pena nascido em 19.01.1945, autor de 84 gols, em 294 jogos flamenguistas – estava ali mesmo, no banco dos reservas, de onde poderia sair andando todo desengonçado. E começou a pedir ao treinador Mário Jorge Lobo Zagallo pra manda-lo pro jogo. E o cara foi pra fazer de ataque com Samarone.

Rola a bola e o Benfica começou a parar de pressionar, só chutando de longe. Aos 33 minutos do segundo tempo, o zagueiro paraguaio Reyes desarmou Jordão, pela entrada da área rubro-negras, serviu Samarone, que lançou Rogério Hetmanek, pela ponta-direita, de onde este lançou o enrolado Fio e os dois tabelaram a partiu da intermediária do Benfica, encontrando defesa exposta. Na corrida, Fio venceu Artur Correia e Rui Rodrigues e, dentro da área fatal portuguesa, ficou cara-a-cara com o goleiro José Henrique, no qual aplicou uma “meia-lua”, jogando a bola por um lado e apegando-a pelo outro, pra marcar um golaço.

Fio poderia ter entrado com bola e tudo pelo arco dos portugueses, mas preferiu achar que “a bola sozinha entra mais fácil”, contou, acrescentando: “O que vale é a bola dentro da rede, não eu. Só assim se aguentar a força da torcida do Mengão. Quase chorei, pois estava precisando muito de um gol, pra não ser mandado embora pela Flamengo”. De sua parte, o goleiro português falou: “Tentei fazer o pênalti, mas não sei como o Fio passou por mim”.

O golão, porém, não garantiu vaga no time titular ao Fio, que sentou-se no banco dos reservas na partida seguinte (contra o Vasco da Gama). Mas entrou após o intervalo e marcou gol nos 2 x 2. Participou de apenas cinco dos 27 jogos do título carioca da temporada. Só no Brasileirão ele voltou a ser mais utilizado e fez gols contra Portuguesa de Desportos, Sergipe (2), Cruzeiro, Náutico e CRB, este, nos 5 x 2, em Maceió, o seu último tento vestindo a camisa rubro-negra.

O gol de placa contra o Benfica mereceu música do cantor/compositor Jorge Bem (hoje, Benjor), que estava na partida e a levou para o Festival Internacional da Canção, interpretada por Maria Alcina, cantora da boate Number One, de Ipanema. O palco? O Maracanãzinho. Na finalíssima, em 30 de setembro e 1º de outubro de 1972, levando o público nas arquibancadas a entoar o refrão como se estivesse numa partida do Flamengo. A canção venceu a fase nacional do festival e levou, ainda, o prêmio de menção honrosa do júri internacional.

Em agosto de 1972 surgiu a notícia de que o advogado de Fio entrara com processo em nome do atacante (que então se preparava para defender a Desportiva no Campeonato Brasileiro) requisitando ao compositor uma parte da arrecadação com os direitos autorais da música. Surpreendente, pois o Fio sempre fora considerado pessoa até ingênua, sem malícia. O compositor ganhou a ação e, magoado, decidiu mudar a letra e o nome da canção, retirando a homenagem. Por décadas, passou a cantar (e grafar) “Filho Maravilha”. Na época, Fio chegou a ficar malvisto, tido como ingrato. Em 2009, Fio afirmou ter havido desencontro de informações. Segundo ele, o advogado Joaquim Reis “me perguntou se poderia entrar em contato com o Jorge Ben, para ele (Fio) receber algo como parceiro, e eu disse que sim”. Por ali, afirmou, rolou o drama que o deixou mal.

Além do Flamengo, o Fio Maravilha passou por Avaí-SC, Desportivas-EC, Paysandu-PA, Ceub-DF, São Cristóvão-RJ, New York Eagles (da American Soccer League, por quatro meses). Em seguida, foi jogar na Califórnia, pelo semiprofissional Monte Belo Panthers, de Los Angeles, e depois pelo San Francisco Mercury. Por ali, encerrou a sua história com chuteiras e passou a trabalhar entregando pizzas e sendo motorista particular em casa de família, até se aposentar em 2013, aos 68 anos de idade – está com 78.

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