Menu
Histórias da Bola
Histórias da Bola

Dia de Ana

Venceu e levou esporro do presidente do clube por ter vencido

Gustavo Mariani

03/11/2021 9h10

Jornal de Brasília/Arquivo

Ana Maria foi a primeira mulher treinadora no futebol brasiliense e, talvez, do planeta, pois, até ela dirigir o time da Desportiva Bandeirante, nenhum jornal, revista, rádio ou TV já tivera escrito (ou falado) de uma outra Eva na função.

Capixaba, nascida em Conceição do Castelo – 10 de janeiro de 1950 – Ana Maria Xavier de Moraes, quando garotinha, já ficava ligada nas peladas dos meninos de sua rua, em Taguatinga, aqui no DF. Aos 13 de idade, mudou-se para Santos-SP e aos 15, voltou pra “Taguá”. Vivenciando o SESI-Serviço Social da Indústria, ela pediu ao professor Raimundinho para brincar com os meninos, e não passou vergonha no time deles. Quando os presidentes de ligas amadoras de cidades satélites de Brasilia organizaram o primeiro campeonato feminino de futebol, o time dela, o CIT-Clube de Indústria e Comércio de Taguatinga não só papou o caneco, como ela foi a principal “matadora” de goleiros – 20 encaçapadas, pelas suas contas.

– Na época, tive uma contusão séria e precisei dar um tempo na bola. Passei a ajudar a rapaziada como massagista, roupeira e treinadora de goleiros de times de Taguatinga, Ceilândia e do Núcleo Bandeirante – cidade onde havia a Desportiva Bandeirante que lhe deu a chance de ser adjunta de preparo físico e, depois, a titularou no cargo. Lá pelas tantas, o presidente da DB, o empresário madeireiro João Aureliano Rodrigues chamou-a no canto e brincou, após a saída do treinador Alaor Capela:

– Ana! Topa rezar no lugar do Capela? .

– Reza brava é comigo, mesmo! – rebrincou ela.

Ana Maria estreou no 29 de abril de 1979, em Desportiva Bandeirante 0 x 3 Brasília Esporte Clube, no Pelezão. Depois do jogo, ela entrou no vestiário, pra avisar que a folga do dia seguinte estava cancelada. Castigo por ver sua rapaziada jogar tão mal.

Peladão, debaixo do chuveiro, o zagueiro Fumaça gritou:

– Ana! Tá todo mundo aqui pelado!

– Não tenho medo de pernas-de-pau nus. E, se me encherem o saco, vou puxar e arrancar a binga de vocês, pra criarem vergonha e não jogarem tão mal – risadas gerais. Naquele dia do que você leu acima aconteceu, por pouco, a Desportiva Bandeirante não tivesse treinador à tarde, pois o João Aureliano andava muito irado com o pouco comparecimento da sua moçada ao placar. Pensava, mesmo, em mandar ao seu cunhado (e lateral-direito) Góes dirigir o time

Ana Maria havia feito um curso de técnica desportiva, em colégio da L-2 Sul. Antes de ser convidada para ser treinadora, João Aureliano lhe dissera que iria “caçar um técnico” pra vaga do Capela. Mas não caçou ninguém para impedir o que ele chamava por “derrotas honrosas”.

De tanto a Desportiva perder, o que o João Aureliano jamais imaginava seria, um dia, ter que pagar bicho à sua turma de inimigos da vitória. Algum tempinho depois da estreia da Ana, ele nem compareceu ao jogo contra o Brasília, “pra não assistir a uma goleada”, como contou. E nem ligou o rádio pra ouví-lo. Só o fez pra conferir, “relogicamente”, como disse, se a partida já estaria acabando. Não resistiu e sintonizou a Rádio Capital, para escutar o locutor Marcelo Ramos gritar:

– Desportiva Bandeirante um, Brasília zero. Está encerrada a contenda, no Pelezão.

João Aureliano não acreditou no que ouviu e mudou para a Rádio Planalto. Por ali, ouviu o repórter Chico entrevistando os zebradores, mas não soriu.

Vitória conquistada, tapinhas nas costas, Ana Maria mandou muita gente à pêquêpê, inclusive o becão Fumaça, que não queria ser visto pelado na frente da chefona.

No início da noite, quando o caminhão da Madeireira Demabra voltou ao Núcleo Bandeirante. levando os vitoriosos, Ana levou um tremendo esporro do João Aureliano:

“O que era que vocês tinham de ganhar, hoje, Ana! Não vendi quase nada, na semana passada, pra pagar bicho por vitória” – primeiro e único que ele “deixou de pagar”.

Além de possível primeira treinadora do futebol mundial, Ana Maria já esteve, também juíza de campeonatos amadores de Ceilândia e de Taguatinga.

    Você também pode gostar

    Assine nossa newsletter e
    mantenha-se bem informado