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Histórias da Bola
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As feras do Saldanha

Em 1969, o radialista João Saldanha foi convidado a assumir o comando técnico da Seleção Brasileira

Redação Jornal de Brasília

22/05/2019 11h44

Atualizada 07/08/2020 9h24

João Saldanha

Em 1966, a então Confederação Brasileira de Desportos-CBD formou quatro times para achar dois e tentar o tri na Copa do Mundo da Inglaterra. Foi uma bagunça. Nunca se teve 11 titulares definidos e o resultado foi a eliminação dos “canarinhos” na primeira fase do Mundial. A indefinição avançou pelos anos seguintes, até que, em 1969, João Saldanha foi convidado a assumir o comando técnico do escrete nacional.

Muitos estranharam um radialista, de repente, virar treinador. Mas aquilo não era novidade para aquele gaúcho comunista explícito, em tempos de regime militar. Ele já treinara e levara o Botafogo ao título de campeão carioca-1957. Saldanha chegou à sede da CBD avisando: “Estes serão os meus 11 titulares, para todo torcedor saber, prontamente, a escalação da Seleção Brasileira: Félix (Flu); Carlos Alberto Torres (San), Brito (Vsc), Djalma Dias (Atl-MG) e Rildo (San); Piazza (Cruz), Dirceu Lopes (Cruz) e Gérson (Bota); Jairzinho, (Bota), Pelé (San) e Tostão (Cruz) – os reservas chamavam-se: Cláudio (San); Zé Maria (Port Desp), Scala (Inter-RS), Joel Camargo (San) e Everaldo (Grem-RS); Clodoaldo (San), Rivellino (Cor) e Paulo César Lima (Bota); Paulo Borges (Cor), Toninho ‘Guerreiro’ (San) e Edu Américo (San).

Além de definir os titulares, o João avisou, ainda, que não queria seus jogadores chamados de “canarinhos”, rótulo que vinha da década-1950, após a troca das cores do “fardamento” do selecionado nacional, pois via o mascote como um pássaro muito dócil. Preferia ter predadores em campo. Foi, então, que surgiu “As Feras dos Saldanha”, convocadas 24 horas após o anúncio do seu nome para comandá-las.

Como radialista, o João viajava muito e era dos que mais assistiam jogos dos grandes times brasileiros. Pelo que observava, dizia ter condições de montar uma equipe capaz de evoluir taticamente. A sua rapaziada deveria praticar um futebol moderno, sem a ditadura da prisão à posição de origem de cada um. Todos deveriam marcar, cobrir um companheiro e atacar. Os zagueiros e meio-campistas seriam proibidos de marcar em linha, pois via a tática tornando a defesa vulnerável. Sobre a convocação de oito jogadores do Santos, a explicação passou pela possibilidade de contusões quebrando a estrutura da equipe. Neste caso, usaria o time santista, reforçado pelo zagueiro Djalma Dias e os botafoguenses Gérson e Jairzinho, pois via a solução capaz de impedir quebra de força do conjunto.

Conforme dissera, João Alves Jobim Saldanha estreou como treinador da Seleção Brasileira mandando as suas 11 “feras” ao gramado do Beira-Rio, em Porto Alegre, no 7 de abril daquele “meia-nove”, vencer o Peru: 2 x 1, com gols de Jairzinho e Gérson. Dois dias depois, voltou a vencê-lo, no Maracanã e por 3 x 2, fazendo duas alterações durante o prélio: Joel substituindo Piazza e Edu na vaga de Tostão, que marcou um belíssimo gol, sentado –Pelé e Edu fecharam a conta.

Passados mais três dias, as “Feras do Saldanha” devoraram mais um adversário: 2 x 1 Inglaterra, no Maracanã, de virada, com Jairzinho e Tostão fazendo o serviço. Daquela vez, Joel Camargo foi titular na zaga, por motivo de contusão de Piazza, e o goleiro foi Gilmar, convocado para ser homenageado e disputar a sua 100ª partida pela Seleção Brasileira. Uma outra mudança foi Paulo César na vaga de Edu, no decorrer do prélio.

Os três amistosos deram ao torcedor a certeza de que o João estava mesmo protegido por “feras”, o que ficou comprovado durante as Eliminatórias-Copa do Mundo-1970, vencendo todas as partidas: 2 x 0 e 6 x 2 Colômbia; 5 x 0 e 6 x 0 Venezuela; 3 x 0 e 1 x 0 Paraguai. Tudo isso em 25 dias, entre 6 e 31 de agosto de 1969. Com a sua patota classificada à Copa do México, para tentar o tri, Saldanha ainda a comandou por mais dois amistosos – 0 x 2 e 2 x 1 Argentina, no Beira Rio e no Maracanã, respectivamente, em 4 e 8 de março de 1970. Por ali, experimentou os goleiros Ado (Cor) e Leão (Palm); os zagueiros Fontana (Cruz) e Baldochi (Palm); o lateral-esquerdo Marco Antônio (Flu) e o apoiador Zé Carlos (Cruz), que não faziam parte da lista da sua primeira lista.

Para o terceiro amistoso desta série preparativa para o Mundial mexicano, o treinador da rapaziada já era Mário Jorge Lobo Zagallo. Saldanha havia se envolvido em muitas confusões, como invadir a concentração do Flamengo, com um revólver, à procura do treinador Yustrich; afirmando que Pelé tinha problemas visuais, e até desagradou o regime militar, dizendo que o presidente Garrastazu Medicis, que cobrava a convocação de Dario “Peito-de-Aço”, do Atlético-MG, mandava em seu ministério. Na Seleção Brasileira mandava ele. Para gáudio da ditadura dos generais-presidentes de república, o Brasil não foi tri com um treinador comunista.

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