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Envelhecer é uma arte
Envelhecer é uma arte

A nova velhice: trabalho, aposentadoria e sociedade

Obviamente fazer o que gostamos é maravilhoso, mas o mercado de trabalho é cada vez mais desafiador. As coisas mudam a todo momento. As paixões duram menos a cada dia

Juliana Gai

10/09/2022 13h43

Atualizada 11/09/2022 9h42

Olá, pessoal! As últimas semanas foram bem movimentadas em acontecimentos. Para mim, o falecimento da rainha Elizabeth, no dia 8 de setembro, foi um evento emblemático que se conectou, na minha cabeça, com um evento ocorrido mês passado em São Paulo, e me fez repensar em valores e crenças relacionados ao conceito de velhice, intrincado aos conceitos de trabalho, aposentadoria e estereótipos sociais.

Pois sim, a rainha Elizabeth II, um ícone de perseverança e cumprimento do dever, nos deixou dois dias depois de receber a nova primeira ministra da Inglaterra para um encontro oficial no Castelo de Balmoral, onde estava residindo no momento. Ou seja, ela trabalhou, por assim dizer, até dois dias antes de falecer.

Na foto que vi na internet, a rainha estava sorrindo ao cumprimentar Liz Truss, e em pé, embora usando uma bengala. A foto chama atenção, tendo em vista a idade avançada e o pouco intervalo entre o ocorrido e o seu falecimento.

A rainha Elizabeth II reinou durante 70 anos e foi a monarca britânica que permaneceu no trono por mais tempo. Seu casamento com o príncipe Philip de Mountbatten durou 73 anos. Ela nos deixou um exemplo importante como uma mulher que colocou o senso de dever acima de tudo em sua longa vida.

Muito provavelmente tomou esta decisão porque a abdicação de seu tio, Rei Eduardo VIII, devido a estar apaixonado por uma mulher divorciada, um escândalo para a época, marcou profundamente a família e ela deve ter tomado para si a responsabilidade de nunca desistir.

É interessante como os seres humanos desenvolvem seus projetos de vida, muitos deles baseados em fatos envolvendo questões afetivas, às vezes muito mais do que com bases em questões concretas. Mas isto não importa muito, no fim das contas, a não ser pelo fato de que tudo que envolve afetividade costuma motivar mais. Tanto para o bem quanto para o mal. Melhor se motivar para o bem, não é?

Então, ou ela amava muito o que fazia ou de fato cumpria seu dever sem titubear e dar espaço para desânimo.

Obviamente fazer o que gostamos é maravilhoso: trabalhar com paixão. Mas o mercado de trabalho é cada vez mais desafiador. As coisas mudam a todo momento. As paixões duram menos a cada dia. E a reinvenção profissional precisa ser constante.

Ela fez isso. Talvez por isso tenha conseguido manter-se tão ativa por tanto tempo. Nunca pareceu ter medo de reinventar-se, de fazer discursos que, primeiro, foram transmitidos por rádio, depois por uma tímida tela de TV. E, por último, ela aprendeu a falar na internet. A Família Real tem até um Instagram.

No mês passado eu participei de um evento maravilhoso chamado MaturiFest. Promovido por uma plataforma digital de inclusão/reinclusão de profissionais 50+ no mercado de trabalho. Achei super animado ouvir as palestras, rodas de conversa e oficinas com pessoas maduras contando suas experiências com negócios, empreendedorismo e mundo digital. Pessoas que cresceram na época em que nem se utilizava a World Wide Web, a internet.

Sim, tudo é muito lindo. Entretanto vejo que, na prática, não é assim tão comum que as gerações mais maduras de desapeguem de profissões já não mais tão necessárias, carreiras aparentemente sólidas e valores/crenças não mais em voga. Há uma resistência do ser humano em evoluir, em aprender mais, porque somos os seres mais procrastinadores do mundo. Em geral, queremos o fácil. Não queremos e negamos os desafios.

Assim como nega-se o trabalho de adaptação a algo ruim, naturalmente triste, como o diagnóstico de uma doença progressiva, muitos de nós também tendem a negar que o mundo mudou (e como mudou nos últimos 2 anos e meio), permanecendo vinculado a ideias antigas e ultrapassadas.

Isto dificulta muito a reinserção no mercado de trabalho após uma demissão. E, ultimamente, testemunhamos muitas demissões e substituições de funcionários com mais de 20 anos de carreira por aqueles recém chegados ao mercado de trabalho, ávidos por se atirar de cabeça no negócio do outro, e espertos o suficiente para saber tudo sobre redes sociais, mídias em geral e criação de conteúdos.

Sim, então é pura verdade que alguns profissionais 50+ demitidos nos últimos anos não consigam retornar ao mercado de trabalho, e nem consigam renda proveniente de aposentadoria, tendo em vista não terem idade permitida para isto e nem terem condições de continuar fazendo recolhimentos mensais ao INSS se estão sem renda. Isto pode desencadear uma cascata de problemas sociais para estes “novos futuros idosos”, que viverão muito mais que seus pais e precisam, urgentemente, cuidar da saúde e da qualidade de vida para envelhecer bem.

O estereótipo que envolve os mais maduros passa muito pela associação da velhice com baixa produção técnica e intelectual, preguiça de aprender coisas novas e salários altos. Porém, hoje em dia, é melhor aceitar um salário mais baixo do que ficar desempregado. Verdade seja dita. Então, aí eu já eliminei uma grande objeção. Agora a baixa produção e a preguiça pode ser sim uma verdade parcial.

Trabalhar é um fator extremamente organizador psiquicamente. Quem produz algo, mesmo que seja trabalho voluntário ou cuidar da casa e dos filhos/netos sente grande satisfação no cumprimento de algo que acredita ser o seu dever ou pode sentir muito prazer em fazer aquilo por amor. Então quanto mais tempo a gente continuar trabalhando nesta vida, melhor!

Aposentoria “para curtir a vida” pode ser outro estereótipo difícil de engolir quando se concretiza. Das histórias de aposentadoria que já acompanhei, muitas resultaram em sensação de inutilidade social e tristeza crônica, atraindo doenças mentais e físicas e piorando a qualidade de vida.

A aposentadoria precisa ser muito bem planejada. A maioria dos seres humanos não consegue se organizar psiquicamente e manter-se ativo, disposto e feliz sem o empurrãozinho do despertador todas as manhãs. Ou sem o empurrãozinho das contas da empresa para pagar todo início de mês ou sem a decisão de acordar para estudar e aprender algo novo que o ajude a produzir.

No MaturiFest se falou e por todos os lugares se fala muito sobre Longlife Learning, o aprendizado contínuo ao longo de toda a vida, e inclui-se aí aprender meios de se reinventar no mercado de trabalho.

Então, ultimamente, eu observo atentamente as pessoas idosas a minha volta que continuaram ativas, que ainda sabem que tem um propósito de vida e que ainda são obstinadas por cumprir os seus deveres ou que ainda tem sonhos a realizar.

Estas devem ser os nossos maiores espelhos. É nelas que devemos nos inspirar.

Porque nós vamos sim viver muito mais do que imaginamos, exceto se formos atropelados por alguma doença ou acidente. Então devemos construir uma vida com prazer e utilidade.

Ainda, os fundos de previdência agradecem a quem permanece produzindo e contribuindo.

Então, se você já não gosta mais do que faz, está cansado e já pode se aposentar, tem condições financeiras para tal ou é funcionário público, comece agora a planejar o que de novo você vai aprender e incluir na sua rotina de produção. Seja trabalho remunerado ou voluntário, encontre um caminho para não parar totalmente.

O corpo e a mente são feitos para uso contínuo. Se você não usar, eles vão estranhar e se questionar em que pessoa você se transformou. E isto tudo poderá lhe trazer muitos prejuízos. Acredite!

Transforme seu trabalho em algo prazeroso, ou se reinvente num novo trabalho, numa nova rotina. Mas, por favor, não assuma a televisão e o sofá como seus companheiros fiéis de velhice. Porque assim você, de fato, ficará velho.

E a idéia é se manter jovem! Não é?

Veja beleza nas suas rugas e na sua experiência, mas não entregue os pontos.

Lembrando de como funciona o teatro, completamente ao vivo, deixo aqui um recado:

Não saia de cena antes da hora.

Mas se sair, perceber e se arrepender, volte lá e improvise!

Sempre dá tempo.

Não desista!

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