Estudos do Ipea e da Enap revelam um duplo desafio para o Brasil: o enfraquecimento da fiscalização trabalhista amplia a informalidade, enquanto falhas na prevenção de acidentes geram perdas anuais de mais de R$ 15 bilhões à economia. Mesmo com a queda nas taxas de desemprego, o mercado de trabalho brasileiro vive um paradoxo inquietante.
A informalidade segue elevada e, junto dela, os acidentes de trabalho continuam ceifando vidas, recursos e produtividade. Dois estudos, um do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) e outro da Escola Nacional de Administração Pública (Enap), acendem o alerta sobre o alto custo da precarização das relações de trabalho no país.
Apresentado em audiência pública em Brasília, o levantamento do Ipea, elaborado pelo técnico de planejamento e pesquisa Felipe Pateo, mostra que o Brasil enfrenta uma queda acentuada na capacidade de fiscalização trabalhista.
Faltam auditores
Em 2012, cada auditor-fiscal do trabalho era responsável, em média, por 19 mil assalariados. Em 2024, essa relação saltou para 34 mil trabalhadores por auditor. O número de estabelecimentos fiscalizados também despencou: em 2007, cerca de 11,3% eram inspecionados; em 2023, apenas 3,8%.
“A inação do Estado reduziu o receio do descumprimento da lei trabalhista, criando um ambiente mais permissivo à informalidade”, aponta o estudo. A consequência é clara: menos fiscalização, mais vínculos precários e menor arrecadação previdenciária e fiscal.
O Ipea estima que cada auditor do trabalho gere R$ 461 mil por ano em arrecadação, considerando registros formais, multas e contribuições sociais — valor que supera o custo de sua contratação. Ainda assim, o número de profissionais segue insuficiente para cobrir o crescimento do mercado.
O Concurso Público Nacional Unificado (CPNU), que prevê a convocação de 900 auditores e a criação de um cadastro de reserva com 1.800 aprovados, é visto como um passo importante para recompor a capacidade estatal. Mas especialistas alertam: não basta repor quadros, é preciso fortalecer a política de fiscalização e garantir continuidade.
Enquanto o Estado perde força para fiscalizar, o país também paga caro pela fragilidade das políticas de segurança laboral. Um estudo da Escola Nacional de Administração Pública (Enap) revelou que o Brasil perdeu R$ 15,1 bilhões em 2019 com afastamentos, aposentadorias por invalidez, mortes e internações hospitalares provocadas por acidentes de trabalho.
Os números, levantados pela iniciativa Evidências Express (EvEx), escancaram o peso econômico e humano das falhas na prevenção. Somente em custos diretos, como benefícios previdenciários, despesas hospitalares e depósitos de FGTS, o país desembolsou R$ 12 bilhões.
A Previdência Social arcou com quase todo esse valor, enquanto o Sistema Único de Saúde (SUS) gastou R$ 87,4 milhões com internações e os empregadores contribuíram com R$ 40,6 milhões em FGTS durante afastamentos.
Os custos indiretos, ligados à perda de produtividade e de renda, somaram outros R$ 3 bilhões. Desses, R$ 1 bilhão corresponde a vidas perdidas prematuramente; R$ 2 bilhões, a anos de incapacidade; e R$ 44 milhões, à renda não recebida durante afastamentos.
“Os acidentes de trabalho e doenças relacionadas representam um custo financeiro de aproximadamente R$ 15 bilhões em 2019. Trata-se de um problema de saúde pública e econômico, com repercussões de longo prazo para a sociedade”, destaca o relatório.