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Ciência da Psicologia
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Surto de bipolaridade

É impressionante o número de pacientes que tenho recebido “laudados” com Transtorno Afetivo Bipolar em meu consultório. O engraçado é que nenhum deles realmente apresentava todos os requisitos para que eu confirmasse o diagnóstico

Demerval Bruzzi (CRP 01/21380)

27/12/2022 10h07

É impressionante o número de pacientes que tenho recebido “laudados” com Transtorno Afetivo Bipolar em meu consultório. O engraçado é que nenhum deles realmente apresentava todos os requisitos para que eu confirmasse o diagnóstico. Querem saber o motivo? Simples, este é um dos transtornos de maior dificuldade de se diagnosticar, ao lado do Transtorno de Personalidade Borderline.

O Transtorno Afetivo Bipolar (TAB) tem como característica, popularmente falando, episódios de mania e depressão, e um dos principais sintomas da mania é a irritabilidade e raiva. E sabe-se atualmente que uma das características centrais do Transtorno Disrupitivo da Desregulação do Humor (TDDH) é a raiva e a irritabilidade. Assim, o TAB pode vir a ser confundido com uma série de outros transtornos, ou melhor, outros transtornos podem vir a ser confundidos com o TAB.

Um bom exemplo é o TDAH. É comum ouvirmos falar, ou mesmo lermos nas ferramentas de busca da internet, que a principal característica do TDAH seria a desatenção e/ou a hiperatividade. Entretanto pouco se fala do controle inibitório. Neste sentido, é importante destacar que toda pessoa diagnosticada com TDAH tem problemas nas funções executivas, em especial, no controle inibitório, entretanto, nem toda pessoa que tem problemas nas funções executivas, em especial o controle inibitório, tem TDAH.

Zimmerman et all (2010) reforça que os atuais estudos têm demonstrado que de um terço até metade dos diagnósticos de TAB não preenchem os critérios quando se aplica uma entrevista estruturada diagnóstica muito bem fundamentada e acompanhada. Além
disso, de acordo com a OMS, apenas 4% da população mundial apresenta sintomas positivos para TAB.

O erro nas avaliações não se trata apenas de incompetência profissional, mas sim da falta de tempo para acompanhamentos dos pacientes por parte dos profissionais da saúde, uma vez que a detecção exata do TAB necessita da observação de flutuações no
decorrer do tempo, e não apenas uma consulta de 30 minutos.

Outro ponto muito importante e pouco explorado na maioria das consultas é a disposição dos pacientes para o autoextermínio (suicídio). Sabe-se atualmente que o índice de suicídios entre os pacientes diagnosticados com o TAB é significativo, uma vez que pessoas com TAB possuem entre 20 a 30 vezes mais chances de morrer por suicídio do que a população ativa.

Como abordado, algumas patologias apresentam maior probabilidade de serem confundidos com TAB, como o já falado TDAH, ou o TDM – Transtorno Depressivo Maior. Existe ainda a questão de um falso diagnóstico positivo decorrente de ingestão de substancias legais, como no caso de remédios para outros fins.

Atualmente sabe-se que um das causas mais comuns de falha na diferenciação e, consequentemente, erro de diagnóstico, é a falta de questionamento sobre o histórico de mania quando o paciente apresenta os sinais da depressão e/ou falha na coleta de informações a respeito das possíveis medicações dos pacientes. Entre as substancias que afetam diretamente o humor temos: álcool, anfetaminas, cocaína, alucinógenos, dentre outras drogas psicodélicas. Ainda temos substancias inalatórias, como fenciclidina, sedativos, hipnóticos, ansiolíticos e antidepressivos.

Ainda falando a respeito de possíveis comorbidades e/ou confusões no diagnóstico, vale destacar que, de acordo com Merikangas (2021), cerca de 75% dos pacientes bipolares preenchem os critérios de diagnósticos para transtornos de ansiedade, e 42% para
dependência e/ou abuso de álcool e drogas, como abordado. Assim, é de suma importância que o psicólogo trabalhe em conjunto com o psiquiatra e também um neurologista na busca por um correto diagnóstico. Felizmente médicos e psicólogos têm se entendido melhor e trocado não só experiências, mas, acima de tudo, recomendações.

O objetivo deste ensaio não é aprofundar no tema, inclusive para não se tornar um daqueles posts que apresentam os critérios e sintomas, com os quais, normalmente nos identificamos. Muito pelo contrário, o objetivo é chamar atenção para o aumentado
número de laudos que apresentam falso positivo para TAB. Desta forma, como psicólogo, não aceite simplesmente o que está no papel (laudo) e evite fazer diagnósticos definitivos, em especial, durante os episódios de humor agudo. Lembre-se dos diagnósticos diferenciais, lembre da questão central que é a observação do caráter flutuantes dos sintomas, uma vez que os transtornos de personalidade tendem a apresentar padrões mais duradouros de comportamento.

A instabilidade afetiva, a dificuldade de regulação emocional, a impulsividade e os períodos significativos de sintomas depressivos com ideação suicida devem ser o alerta central, aliados a correta avaliação neuropsicológica para um possível diagnóstico positivo para TAB.

Para você, paciente, antes de procurar pelos sintomas e se autodiagnosticas após consulta no Google, procure um psicólogo de confiança.

Até a próxima!

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