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Ciência da Psicologia
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O perdão na psicologia: uma visão particular

Além da mágoa, o ato de perdoar envolve um processo de compreensão do outro e traz benefícios para a saúde

Demerval Bruzzi (CRP 01/21380)

20/03/2024 17h17

Casal de mãos dadas

Na coluna anterior, recebi várias perguntas interessantes, mas uma em particular me chamou atenção, pois dá continuidade ao debate de forma provocativa:

Sobre sua coluna de hoje, fiquei pensando (o campo da ideologia), então se o contrário do amor é a indiferença, o perdão não existe, né? Porque perdoar – no conceito ideológico – implicaria em continuar amando o próximo; mas o que vejo com frequência e até comigo é deixar pra lá, tornar-se indiferente ao fato. O perdão fica restrito somente ao campo da ideologia e aos dogmas, ou também é algo abordado no comportamento humano dentro da psicologia e da neurociência?

Então, vamos lá: o perdão é uma virtude tão antiga quanto a própria humanidade, tendo sido discutida e praticada em diversas culturas ao longo dos séculos. Na psicologia contemporânea, o perdão emergiu como um tema de grande importância, estudado por sua profunda influência no bem-estar mental e emocional das pessoas.


Assim, na psicologia, o perdão é frequentemente definido como um processo consciente e voluntário de abandonar ressentimentos, mágoas e desejos de vingança em relação a uma ofensa percebida. Não significa, necessariamente, esquecer ou justificar a atitude da outra pessoa. Em vez disso, perdoar envolve uma mudança interna na maneira como percebemos e respondemos à transgressão, liberando-nos do peso emocional que ela carrega, ou seja, na verdade esse ato está diretamente ligado a entender o comportamento do outro pelo olhar do outro e não como gostaríamos.

Por exemplo, um pai que usou métodos rígidos na criação do filho, utilizando-se diversas vezes de castigos físicos pesados, não necessariamente deve ser visto como cruel (e não estou fazendo apologia à violência). Ocorre que ele pode ter tido essa mesma criação e, como conseguiu vencer na vida, cuida de sua família da mesma forma que aprendeu e entende que essa é a forma correta.

Esse pai só aprendeu isso. Dessa maneira, só conseguirá entregar o que tem. Nenhum de nós consegue entregar aquilo que não tem. E nem sempre essa entrega é condizente com o que gostaríamos de receber.

Pai briga / dá bronca em filha

Entendam que não estou valorizando a violência do pai, como já abordei; muito menos dizendo que esse pai não pode aprender. O que pretendo com esse exemplo é mostrar que, nesse caso, o perdão do filho para com os atos do pai está diretamente ligado à compreensão, por parte do filho, de que os atos do pai são proporcionais ao que ele entende como certo. Mesmo que essa postura seja atualmente considera distorcida da realidade, para esse pai o amor é carregado de cuidado pela família, como alimentação, moradia, educação e, dessa maneira, o castigo pode ter mais a ver com preparar do que com maltratar.

Para muitos leitores esse exemplo pode parecer sem sentido, mas o que está em jogo aqui é demonstrar que para conseguir perdoar é preciso compreender o comportamento do outro pela perspectiva dele, entender como o outro pensa para podermos, de alguma forma, ressignificar seus atos.

Mulher chateada sentada em um sofá

É claro que algumas atitudes e posturas são injustificáveis de tão cruéis, porém, ao buscarmos entender os comportamentos humanos, minimamente conseguimos, pelo menos, identificar seus motivadores, por pior que possam ser.

Outro ponto que merece destaque é a ideia de que mesmo depois de perdoar a pessoa ainda continua a sentir-se chateada, incomodada, magoada, etc.

Perdoar é não ser indiferente à pessoa que lhe causou alguma mágoa, desconforto, dor, etc… mas isso não significa que a dor, a raiva ou mesmo a mágoa não estejam ainda presentes em seus sentimentos para com o ATO da pessoa que você perdoou.

Lembro-me de um caso de um paciente que me telefonou do hospital, onde seu pai fora operado e estava para ter alta. Bem emocionado, ele pedia para voltar à terapia, pois havia tido uma discussão com seu pai sobre o passado e suas mágoas em relação ao comportamento dele na época. De acordo com seu relato, o pai não reconhecia a atitude sobre a qual ele se referia, e isso o deixou ainda com mais raiva desse passado, a ponto de dizer que não havia perdoado seu pai, e que precisava voltar às sessões.


Eu, prontamente, o respondi:

– Perdoar, você o perdoou… tanto que está aí cuidando dele com todo seu amor. Mas isso não significa que tenha esquecido toda dor causada por ele.

O perdão dentro dessa visão é um conceito conflitante para muitos, pois culturalmente ele está ligado à religião, onde perdoar está ligado a um ato divino, de libertação.

Alguns autores apontam benefícios do perdão que vão desde a redução do estresse até a promoção de seu autodesenvolvimento.

Confesso que prefiro trabalhar com uma ideia mais simples: carregue apenas o que é seu.

Até a próxima!

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