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Ciência da Psicologia
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O efeito Natália Pasternak e Carlos Orsi na psicologia – parte 2

Seguimos analisando o livro de Pasternak e Orsi

Demerval Bruzzi (CRP 01/21380)

22/08/2023 10h24

Reprodução

Continuando a leitura do capítulo referente à psicanálise e psicomodismo, localizado entre as páginas 179 e 203 do livro “Que bobagem! Pseudociências e outros absurdos que não merecem ser levados a sério”, de Natália Pasternak e Carlos Orsi, noto alguns pontos em que sou obrigado a concordar com os autores. Mas antes, quero deixar registrado que toda defesa a favor da psicanálise nesta coluna advém da psicanálise praticada por psicólogos — ou você, leitor, não sabe que, para se ter o título de psicanalista, não precisa de formação universitária em psicologia?!

Talvez seja esta a psicanálise criticada no livro. Como não conheço os autores e nunca tive oportunidade de conversar com eles, retomo a crítica da crítica, mas reforçando que se trata da crítica da crítica à psicanálise praticada por psicólogos.

Alguns leitores podem estar se perguntando: “Mas qual a diferença?” Acredito — e aqui falo pela minha formação e experiência (também tenho pós-graduação em psicanálise, apesar de minha abordagem ser cognitiva comportamental e também de nunca ter atuado como psicanalista) — que a técnica utilizada, querendo ou não, perpassa pelos conceitos da psicologia enquanto ciência.

Não podemos negar que Freud estava certo, ou pelo menos acertou ao falar da ideia de inconsciente, talvez não como o descreveu, mas, sim, existe um inconsciente no cérebro humano. O problema é que parte deste processo é constantemente confundido com a forma “automática” de trabalho de nosso cérebro, como, por exemplo, o ato de dirigir um carro, onde quase 90% do processo é feito de forma automática como uma tentativa de nosso cérebro de economizar energia; ou ainda aquela sensação que temos quando conhecemos alguém e não gostamos — neste caso, nosso cérebro fez a leitura das expressões da pessoa, independente de nossa consciência deste processo.

Atualmente, sabemos que a própria reprodução das memórias em nosso cérebro tem “falhas” que podem ser preenchidas pelo “inconsciente”, gerando as chamadas falsas memórias.

Mas voltando ao capítulo propriamente dito, não nego concordar com os autores quando eles afirmam, na página 185, que “quando as pretensões científicas da psicanálise vieram abaixo, uma intelectualidade fortemente investida no suposto valor do pensamento psicanalítico como instrumento de análise da
realidade acudiu para tentar dotar o edifício freudiano de novas fundações.”

Afinal, ainda temos profissionais da psicanálise que vivem no passado e adotam a teoria sem qualquer tipo de filtro ou atualização.

Aliás, este é o maior problema, em minha opinião, da péssima formação do psicólogo no Brasil. Ainda temos professores que se apegam ao passado tendo como ídolos os fundadores da psicologia e, com isso, criam verdadeiras catedrais onde veneram seus ídolos, não aceitando nada contrário à sua vertente teórica.

Parece que tais profissionais esqueceram que psicologia é uma ciência, e que abordagem é mais uma ferramenta da psicologia — motivo principal de minha discordância de parte do capítulo a respeito da psicanálise no livro “Que Bobagem”.

Os autores trazem uma série de nomes e estudos de difícil refutação em um primeiro momento, que, confesso, necessitaria de mais tempo para ler todo material apresentado como evidência de seus achados. Eu mesmo, por pura curiosidade, já havia lido obras como ‘Anti-Freud’, de Michel Onfray, e ‘Por que Freud Errou’, de Richard Webster, ou ainda ‘O Livro Negro da Psicanálise’, de vários autores, organizado por Catherine Meyer, que, de certa forma, corroboram em parte com que foi apresentado,
porém, sob outra ótica, ou melhor, com outra crítica, a crítica ao criador e não à criatura.

Ser psicanalista não é o mesmo que ser psicólogo psicanalista. Um simples psicanalista, por mais estudado que seja nas teorias psicodinâmicas, jamais compreenderá os processos da mente e o comportamento humano como um psicólogo ou psicóloga psicanalista.

Conceitos como escuta ativa, atenção flutuante, ou mesmo a “livre associação de ideias” abordada pelos autores, são, na verdade, muito utilizados na psicologia clínica e têm sua validade no campo terapêutico. Neste sentido, é sempre bom lembrar que aprendemos melhor quando fazemos associações, ou ainda que nem sempre estar atento significa prestar atenção — fica a dica.

Da mesma forma, criticar “a cura pela fala” ou mesmo associá-la ao Pássaro Dodô demonstra, no meu entender, desconhecimento da ciência da psicologia, pois uma de nossas bases é a fala e o não julgamento.

Aliás, uma grande diferença entre o padre, o seu melhor amigo, o coach e o psicólogo é que o último é treinado em não julgar. Ainda: não somos treinados para ouvir o que os pacientes têm a dizer, mas sim o que eles não estão dizendo.

Creio que já ficou claro que minha maior crítica a este capítulo está no total desconhecimento dos autores da ciência da psicologia. Concordo com alguns pontos, discordo de outros.

Uma última discordância no campo da formação. Ao contrário do que abordam os autores, não devemos ter formações diferentes. Na verdade, devemos acabar com os feudos e valorizar mais a multiformação e o trabalho multiprofissional, afinal, nenhuma ciência é a detentora da verdade, mas a união destas ciências pode nos apresentar um quadro muito mais completo, permitindo uma série de descobertas como, por exemplo, a área fusiforme, responsável pela visão dos cegos, e que, a grosso modo, faz parte da ideia de “inconsciente” de Freud.

E já que estamos falando de inconsciente, será que não foi meu desejo inconsciente de ter uma conversa com os autores Natália Pasternak e Carlos Orsi que me fez escrever esta coluna?

Até a próxima.

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