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Ciência da Psicologia
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Efeito Lúcifer: como pessoas boas se tornam más

“A mente humana tem capacidade infinita para transformar qualquer um de nós em amáveis ou cruéis, compassivos ou egoístas, criativos ou destrutivos, e fazer com que alguns cheguem a ser vilões e outros heróis.”

Demerval Bruzzi (CRP 01/21380)

17/10/2023 9h23

Philip Zimbardo, psicólogo autor do estudo. Foto: Reprodução

Incomodado com os atos e atrocidades cometidas pelos Nazistas na Segunda Guerra Mundial, e seguindo a ideia de Stanley Milgram, o psicólogo americano Philip Zimbardo criou um dos mais controversos experimentos da psicologia: o Efeito Lúcifer.

Esta tese surgiu a partir de um experimento controverso na Universidade de Stanford, nos Estados Unidos, em 1971. A pesquisa saiu do controle e desencadeou diversos estudos sobre como fatores externos podem favorecer o comportamento violento de qualquer pessoa. A partir daí, o poder e a obediência passaram a exemplificar algumas das formas de facilitar esse tipo de comportamento.

“A mente humana tem capacidade infinita para transformar qualquer um de nós em amáveis ou cruéis, compassivos ou egoístas, criativos ou destrutivos, e fazer com que alguns cheguem a ser vilões e outros heróis.”

Phillip Zimbardo, psicólogo e professor norte-americano

O experimento da década de 1971 me relembra as atrocidades cometidas pelos terroristas do Hamas (Movimento da Resistência Islâmica – um dos grupos mais extremistas na luta contra a existência do Estado de Israel) e que estamos acompanhando ao vivo.

Mas para que este evento não se torne o pilar desta coluna ao invés do Efeito Lúcifer, vale lembrar também da noite de 28 de abril de 2004. Neste dia, a população norte-americana terminava de jantar e se sentava diante da televisão para ver o programa “60 minutos”. Algo mudou naquele dia, contudo. A cadeia de emissoras convidou as famílias a descobrirem algo que muitos não estavam preparados para ver. Começaram a ser transmitidas imagens da prisão de Abu Ghraib no Iraque, onde um grupo de soldados americanos (homens e mulheres) torturam e violentam os presos iraquianos das formas mais execráveis e humilhantes.

A este respeito, ou seja, falando de como as pessoas podem agir desta forma, os antropólogos americanos Alan Page Fiske e Tage Shakti ressaltam que sempre teremos em nossa sociedade alguém ou um grupo que inicia uma série de atos violentos partindo de uma percepção do correto, isto é, que aquele que está realizando a ação, por mais atroz que ela seja, está mais do que justificado por sua complexa situação pessoal e contexto social.

Após muito estudo, e depois de ler e reler o livro que detalha o experimento de Zimbardo, entendo que a maldade é o exercício de poder para, intencionalmente, infligir a alguém o mal psicológico ou físico.

Zimbardo explicou, em seu livro “O Efeito Lúcifer”, que o processo de desumanização era inevitável. Os fatores situacionais, as dinâmicas sociais de um contexto específico e a pressão psicológica podem fazer a maldade nascer e crescer em nós.

Mas afinal, o que é e como foi o experimento que deu vida ao Efeito Lúcifer?

De acordo com o site Euekka, tudo começou quando Philip Zimbardo decidiu responder a seguinte pergunta: uma pessoa pode mudar seu comportamento de acordo com o contexto em que está inserida? Para isso, Zimbardo decidiu recrutar alunos como cobaias. O professor espalhou cartazes pela faculdade e ofereceu 15 dólares por dia para aqueles que aceitassem. Além disso, ele publicou o anúncio em dois jornais.

75 pessoas se inscreveram. Zimbardo escolheu os 24 alunos mais saudáveis e sem nenhum distúrbio psicológico que pudesse afetar os resultados do estudo. A maioria dos estudantes escolhidos era branca e de classe média.

Para então dar início ao experimento, os alunos foram divididos, de forma aleatória, em dois grupos: 18 carcereiros e presidiários e seis “reservas”. Após essa divisão, os estudantes foram para suas casas sem saber o que os aguardava.

Em um domingo, policiais de verdade que aceitaram participar do projeto prenderam os alunos escolhidos, os acusando de roubo. Toda a experiência foi muito real: eles foram algemados, detidos, fichados, vendados e presos.

O lugar em que os alunos foram confinados parecia uma prisão real: havia celas, “guardas” e todo aquele ar nada confortável dos presídios. E, quando chegaram lá, os “presidiários” passaram por situações humilhantes que são muito comuns nas prisões. Eles tiveram que tirar suas roupas, serem inspecionados e passarem por um processo de limpeza. Além disso, vestiram camisas grandes, largas e com números estampados. Para calçar, lhes foram entregues sandálias de borracha simples. Eles também tiveram que colocar na cabeça uma meia-calça feminina que serviria como uma touca e também tiveram que tomar remédio para piolho. Por fim, os “guardas” colocaram em seus pés um cadeado muito pesado.

Depois disso, começou o confinamento. Os alunos foram presos nas celas, e aqueles estudantes escolhidos como guardas foram orientados a agir de forma impessoal e sem agressões físicas, mas não havia mais regras além dessas duas.

Pouco tempo depois de os “detentos” serem confinados nas celas, o modo de agir dos “carcereiros” começou a mudar. Eles passaram a abusar do poder e a humilhar os alunos que estavam presos. Já que não podiam agredir fisicamente os estudantes presidiários, os guardas começaram a usar de violência psicológica. Eles praticavam humilhações e, por vezes, os deixavam sem comida e sem acesso ao banheiro. Chegavam até a privá-los do sono.

Muitas vezes, os alunos carcereiros enviavam os detentos para a solitária, os mandavam tirar a roupa, fazer exercícios físicos de forma exagerada, limpar sanitários com as mãos, os ridicularizavam de modo sexual e diversas outras formas de abuso do poder e dominação.

Com essa situação, os detentos começaram a ter sintomas graves de transtornos psicológicos, começando, inclusive, a cometerem rebeliões reais dentro da prisão. De acordo com o próprio Zimbardo: “A reação ao estresse foi tão extrema que garotos normais que escolhemos porque eram saudáveis tiveram colapsos dentro de 36 horas”.

Philip Zimbardo chegou à conclusão de que o ser humano é totalmente capaz de mudar seu comportamento a partir do ambiente em que está inserido. Ele concluiu que mesmo pessoas de boa conduta podem se transformar quando estão em um ambiente hostil.

Para Zimbardo, não existe uma linha bem marcada entre o bem e o mal. Todas as pessoas têm o potencial de se tornarem más e também de aceitar situações de humilhação, dependendo do lugar em que estiverem.

A banalização do mal nos leva a lembrarmos dos campos de concentração nazistas, da guerra do Vietnã e da prisão de Abu Ghraib quando falamos nas barbáries do poder. Porém, acabamos nos esquecendo do nosso próprio dia a dia, onde chefes, professores, policiais, políticos, militares e mais recentemente juízes, e demais detentores do poder, se transformam em verdadeiros “lúcifers”, recriando, assim, diariamente, um dos mais controversos experimentos da psicologia.

Até a próxima!

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