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Ciência da Psicologia
Ciência da Psicologia

A psicologia, o psicólogo e as redes sociais

As redes têm refletido as ideologias pessoais frente aos construtos teóricos de uma ciência, onde cada um aborda como psicologia aquilo que lhe convém, ou melhor, aquilo que acredita ser psicologia

Demerval Bruzzi (CRP 01/21380)

09/11/2022 16h36

Foto: Denis Charlet/AFP

Olá.

Bem-vindo à coluna Ciência da Psicologia.

A ideia desta coluna foi influenciada por outros psicólogos que, como eu, dividem a premissa de que psicologia é ciência.
Aliás, consta da apresentação do código de ética do psicólogo o seguinte texto:

Um Código de Ética profissional, ao estabelecer padrões esperados quanto às práticas referendadas pela respectiva categoria profissional e pela sociedade, procura fomentar a auto-reflexão exigida de cada indivíduo acerca da sua práxis, de modo a responsabilizá-lo, pessoal e coletivamente, por ações e suas conseqüências no exercício profissional.

A missão primordial de um código de ética profissional não é de normatizar a natureza técnica do trabalho, e, sim, a de assegurar, dentro de valores relevantes para a sociedade e para as práticas desenvolvidas, um padrão de conduta que fortaleça o reconhecimento social daquela categoria

Ainda citando o código de ética, temos em seus princípios fundamentais os parágrafos IV e V:

IV. O psicólogo atuará com responsabilidade, por meio do contínuo aprimoramento profissional, contribuindo para o desenvolvimento da Psicologia como campo científico de conhecimento e de prática.

V. O psicólogo contribuirá para promover a universalização do acesso da população às informações, ao conhecimento da ciência psicológica, aos serviços e aos padrões éticos da profissão.

E no seu artigo 1º, alínea C:

c) Prestar serviços psicológicos de qualidade, em condições de trabalho dignas e apropriadas à natureza desses serviços, utilizando princípios, conhecimentos e técnicas reconhecidamente fundamentados na ciência psicológica, na ética e na legislação profissional;

Assim, não tenho a intenção de ser o dono da verdade, muito menos impor minhas ideias. Muito pelo contrário, afinal psicologia não é ideologia, e por ideologia, neste sentido, podemos entender classe dominada por classe dominante por meio do conhecimento (CHAUÍ, 2006).

O objetivo é procurar com base na ciência da psicologia responder dúvidas e curiosidades. Além disso, teremos momentos de criação pessoal, com a publicação de textos já escritos e nunca publicados oficialmente.

Assim, para iniciarmos esta jornada, que espero ser semanal e duradoura, apresento a você, amigo leitor, nosso primeiro ensaio. Mas antes, quero deixar um email ([email protected]) para que você possa apresentar suas dúvidas, curiosidades, criticas ou até mesmo elogios ao trabalho.

A psicologia, o psicólogo e as redes sociais

Gosto da ideia de Joaquim (2021) quando aborda a questão das redes sociais e afirma que tais sistemas começaram com uma proposta que ia ao encontro de uma importante adaptação humana, a sociabilidade. Mas quando poderíamos pensar que este universo poderia significar um risco para a ciência da psicologia?

Desde seu nascimento oficial como ciência independente, a psicologia vive uma crise permanente, caracterizada pela diversidade de posturas metodológicas e teóricas que vão desde a clássica psicanálise até as atuais constelações. Todas em persistente e irredutível oposição, esquecendo-se de sua origem básica, ancorada na filosofia e fisiologia.

Nunca é tarde para lembrar que, da filosofia e fisiologia, tivemos o surgimento do estruturalismo, funcionalismo e associacionismo, que por sua vez influenciaram outras linhas de estudo e práticas da psicologia, impulsionando o desenvolvimento de diversas abordagens, das quais os teóricos da história da psicologia citam como mais importantes no século XX o comportamentalismo, a psicanálise e a Gestalt.

Abordagens à parte, o fato é que as redes sociais têm criado um fenômeno no mínimo preocupante para a ciência da psicologia. A exemplo de outras áreas, as redes têm refletido as ideologias pessoais frente aos construtos teóricos de uma ciência, onde cada um aborda como psicologia aquilo que lhe convém, ou melhor, aquilo que acredita ser psicologia.

As aberrações existentes nas redes sociais, que fariam os fundantes da psicologia remoer-se em seus túmulos, vão desde dancinhas no TikTok, passando por uma exposição no mínimo bizarra de suas línguas a cada foto tirada ou vídeo exposto, até pseudo pesquisadores intitulados como “professores” ou mesmo “doutores” profanando a recém-criada ciência da psicologia com seus “achismos”.

Obviamente como bem aborda Figueiredo (2016) as formas ideológicas existentes e comumente difundidas por pseudo profissionais, ao mesmo tempo em que ocultam, simultaneamente constituem uma dimensão essencial da realidade social, econômica e política de seu habitat.

Neste sentido corroboro a fala de Moro e Lachal (2008) uma vez que cada sociedade seleciona, entre inúmeras modalidades psicoterápicas, aquelas que lhe correspondem melhor. Talvez por isso, enquanto o mundo fala de psicologia baseada em evidências, no Brasil insistimos em formar profissionais em um modelo “biopsicossocial”, com foco exagerado no social.
Não que o social não deva ser considerado, é claro que deve e sabemos disso. Entretanto, um modelo não pode sobressair a outro em sua tripartite composição. A escolha de um modelo em detrimento aos demais, não é, portanto, reflexo das relações inter-humanas no grupo em questão, e sim representações que os membros “reprodutores” deste grupo têm em seu funcionamento psíquico.

Neste sentido, autores como Crawford e Jusim (2017) apontam como os cientistas sociais permitiram que seus próprios vieses políticos influenciassem suas pesquisas, encubando e disseminando por meio de disciplinas acadêmicas em áreas como a psicologia seus ideais políticos ideológicos frente ao que deveria ser a busca por uma neutralidade cientifica, por mais difícil que possa ser tal busca.

É importante ressaltar o que bem explica Gould (2014) em sua magnífica obra “A falsa medida do Homem”: que a própria psicologia, em especial a avaliação psicológica, já passou por um processo de vieses políticos ideológicos que nos custa caro até hoje.

Talvez por isso, o código de ética do psicólogo (2005) em seus artigos III, IV, V e VI apresente a seguinte redação:

O psicólogo atuará com responsabilidade social, analisando crítica e historicamente a realidade política, econômica, social e cultural;
O psicólogo atuará com responsabilidade, por meio do contínuo aprimoramento profissional, contribuindo para o desenvolvimento da Psicologia como campo científico de conhecimento e de prática;
O psicólogo contribuirá para promover a universalização do acesso da população às informações, ao conhecimento da ciência psicológica, aos serviços e aos padrões éticos da profissão.
O psicólogo zelará para que o exercício profissional seja efetuado com dignidade, rejeitando situações em que a Psicologia esteja sendo aviltada.

E também incentiva o psicólogo a:

Estimular reflexões que considerem a profissão como um todo e não em suas práticas particulares, uma vez que os principais dilemas éticos não se restringem a práticas específicas e surgem em quaisquer contextos de atuação.

É preciso muito cuidado na conduta por parte do psicólogo, uma vez que, ainda de acordo com Moro e Lachal (2008), enquanto alguns métodos se valem do ideal científico e exigem medidas e avaliações, atualmente, outros se distanciam deliberadamente deste ideal, se referindo a um “neo-humanismo” que nada tem a ver com a noção de cuidado.

O uso indiscriminado, irresponsável e até criminoso das redes sociais para propagação de uma pseudo psicologia, ou mesmo uma psicologia politizada e carregada de ideologias pessoais, pode claramente prejudicar aquele que mais precisa do psicólogo – o outro.

E ainda citando Joaquim (2021), vale destacar a máxima das ciências forenses chamada de principio de Locard, segundo o qual “todo contato deixa uma marca”, exprimindo assim a ideia de que, via de regra, o contato entre dois itens sempre resultará em uma permuta.

Mantendo-me em Joaquim (2021), termino lembrando que não se trata de demonizar as redes sociais, a tecnologia ou mesmo a ideologia e/ou preferência política individual, mas de alertar o quanto a má utilização tanto da tecnologia como das preferências pessoais pode ser prejudicial ao futuro da psicologia e do psicólogo.

Mesmo com toda dificuldade da neutralidade, uma vez que nossa humanidade nos constitui, é preciso que os psicólogos e a psicologia sigam ritos bem delimitados. É necessário que se se criem padrões rígidos e replicáveis, para que enfim, possamos nos fortalecer enquanto ciência, sem perder nosso principal objetivo que é a promoção da saúde e a qualidade de vida das pessoas e das coletividades, contribuindo para a eliminação de quaisquer formas de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.

Até a próxima!

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