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Ciência da Psicologia
Ciência da Psicologia

A ideologia política cultural

O termo “ideologia” nunca esteve tão em voga no Brasil como nos últimos meses — logo nos vem à mente algo ligado à política. Mas o que é a ideologia para a psicologia?

Demerval Bruzzi (CRP 01/21380)

17/01/2023 10h12

Foto: Benny Jackson/Divulgação

Série: a visão do recém-formado em psicologia

Amigo leitor, final de semestre é um período de muito trabalho para nós professores de Psicologia, mas é também uma época de muita reflexão com as apresentações de trabalhos de conclusão de curso dos alunos. Assim, como forma de incentivar o estudo de alguns discentes, resolvi lançar uma série de quatro a cinco ensaios aqui, com a visão destes formandos acerca de temas bem complexos e polêmicos na profissão. Como sempre a ideia é levar a você, leitor, a visão dentro da ciência da Psicologia, evitando ao máximo qualquer viés pessoal, político, ideológico etc.

Início esta série me baseando no trabalho da aluna Mariana Ximenes Guimarães Aleixo, recém-formada em psicologia pela Unieuro de Brasília, que assina comigo este ensaio e nos trouxe a reflexão a respeito dos “efeitos da guerra cultural ideológica sobre as relações humanas na atualidade” – o tema além de interessante tem muito a ver com outros aqui postados, como aquele onde abordamos as redes sociais ou o motivo de votarmos em quem votamos.

O assunto “ideologia” nunca esteve tão em voga no Brasil como nos últimos meses. Mas o que é a ideologia para a psicologia?

Segundo Martín-Baró (2012:18), a ideologia é como os pressupostos da vida cotidiana em cada grupo social, supostos triviais ou essenciais para os interesses do grupo dominante. O conceito de ideologia possui significativa importância na história da psicologia crítica latino-americana, sendo marcante nas perspectivas de importantes pesquisadoras, como por exemplo a brasileira Silvia Lane (1984a; 1984b; 1999).

Estuda-se muito na psicologia social a ideia de ideologia. Assim, cabe explicar ao leitor que a psicologia social estuda e defende que o ser humano modifica a sociedade, assim como é modificado por ela; e por isso, leva em consideração a herança histórica
em que ele foi submetido. É, em outras palavras, uma forte ligação entre a Psicologia e a Sociologia.

Para um entendimento que minimize o viés pessoal de qualquer psicólogo que atue nesta área, é importante trabalhar dentro da visão da Psicologia Social Crítica que situa o saber psicológico em geral como uma forma de entender, guiar e regular a vida cotidiana, procurando compreender e explicitar quais são os meios pelos quais uma “cultura psicológica” (Parker & Burman, 2008) é difundida e instituída, sendo instalada para além do conhecimento acadêmico.

E este tem sido um desfio para a psicologia atual – e não me refiro aqui a falsa ideia de que a psicologia é de esquerda, ou de direita, que é comunista ou capitalista. A psicologia é uma ciência e, como tal, deve sempre se pautar pelo método em toda
e qualquer explicação que venha a dar a respeito dos temas por ela abordados.

Retornando à ideia de ideologia, a psicologia ao longo dos anos vem apresentando ao mundo uma série de experimentos, como por exemplo, o efeito lúcifer de Zimbardo, mostrando que a necessidade pertencimento e o conhecimento são armas perigosas de posse das pessoas erradas, e que pessoas boas colocadas em má condição e/ou situação podem se tornar uma má pessoa. Aliás, Mariana Ximenes começa seu trabalho citando um trecho do livro ‘Assim falou Zaratustra’, de Nietzsche: “Aquele que luta com monstros deve acautelar-se para não tornar- se também um monstro. Quando se olha muito tempo para um abismo, o abismo olha para você.” (NIETZSCHE, 2020).

Voltando, ao falarmos popularmente a respeito de “ideologia”, logo nos vem à mente algo ligado à política, nazismo, comunismo, capitalismo… Soares (1980), apesar de distante dos dias atuais, aborda a importância do tema ao examinar o surgimento do conceito de ideologia e as transformações que vêm sofrendo desde então. De acordo com o autor, o objetivo fundamental é sugerir áreas de estudo dentro da Psicologia, particularmente da Psicologia Social, onde a aplicação desta categoria de análise poderia lançar uma luz mais esclarecedora e satisfatória sobre uma série de fenômenos de comportamento, áreas estas, que até agora persistem em ignorar os fenômenos ideológicos.

Vemos hoje de forma bem clara o que Soares abordou em sua tese, ou seja, que a esmagadora maioria dos problemas que constituem a tragédia atual, prenúncio de nova convulsão onde ninguém poderá se refugiar na neutralidade, são derivados das diferenças profundas entre as diversas maneiras de conceber o relacionamento entre os homens e sua dinâmica social. Em outras palavras, decorrem do confronto de projetos de Sociedade antagônicas, partindo de premissas diferentes, nos quais o papel do homem e o valor que a ele se atribui sofre enormes variações.

Mas como isso funciona em nosso cérebro?

Darren Schreiber, da Universidade de Exeter, na Grã-Bretanha, analisou padrões de atividade no cérebro por meio de exames de ressonância magnética funcional enquanto era feita a tomada de decisões, especialmente aquelas que envolvem riscos ligados a política, por exemplo.

Schreiber observou variações nas partes do cérebro que ficaram mais ativas entre aqueles que se declaravam conservadores e aqueles que se descreviam como liberais, apesar das decisões tomadas por eles nem sempre serem diferentes. Segundo o cientista, o estudo sugere que perspectivas políticas refletem divergências profundas na forma como compreendemos o mundo.

Ainda encontramos estudos realizados por John Hibbing e sua equipe da Universidade de Nebraska entre gêmeos sugerindo que a opinião política pode ser, em parte, genética. De acordo com os escritos, o achado pode não ser um traço tão forte como a altura, por exemplo, mas é o bastante para sugerir que algumas pessoas realmente podem ser conservadoras graças ao DNA.

Tanto Hibbing como Montague queriam descobrir se estas predisposições inatas poderiam ser observadas no cérebro. Assim, eles testaram as respostas instintivas a imagens que visavam provocar nojo (como, por exemplo, alguém comendo vermes ou larvas) e medo e descobriram uma ligação entre a força da resposta a estas imagens e o quanto as opiniões de uma pessoa podem ser conservadoras em termos sociais.

Um ponto importante que os pesquisadores abordam é que tonar-se fundamental deixar clara a distinção entre conservadorismo econômico e conservadorismo social.

Pessoas que têm atitudes mais protetoras em relação a assuntos como imigração, que estão mais dispostas a punir criminosos, pessoas que são contra o aborto, etc. estes são indivíduos que parecem ter uma reação muito mais forte a imagens repugnantes.

Estas reações são medidas em termos biológicos, então, os estudos ligam as opiniões explícitas e conscientes a respostas subconscientes. Na pesquisa realizada até o momento, as atitudes em relação ao risco, nojo e medo mostram ter ligações mais fortes com as opiniões políticas de pessoas conservadoras.

John Hibbing acredita que nossos ímpetos subconscientes, que evoluíram em resposta a riscos físicos urgentes, comandam nossas mentes políticas mais do que pensamos. “As pessoas acreditam que suas crenças políticas são racionais, uma resposta sensata ao mundo que as cerca. Então, não gostam quando dizemos que talvez existam predisposições que são não totalmente conscientes”, disse.

O cientista compara nossas tendências ideológicas inatas com a mão que preferimos usar. Pensava-se que isto era um hábito que poderia ser mudado, mas hoje sabe-se que é algo “profundamente incorporado à biologia”. Assim, “cancelar” alguém por sua opinião política pode ser a grosso modo uma forma de preconceito, como, por exemplo, julgar alguém com um problema físico ou
mental.

Dentro dessas condições, podemos dizer, então, que a opinião pública vem desempenhando o papel de juiz da sociedade, estando sempre posta e determinada a condenar todos que não concordam com ela. Diante desse cenário, a pressão pública nos coloca diante uma importante escolha: ceder à pressão e entrar em conformidade, silenciar-nos diante da censura ou enfrentar o sistema e romper com o paradigma da espiral do silêncio, e aqui cabe-nos ressaltar que, ato de não escolher é também uma escolha que implica tanto na primeira como na segunda opção.

A quiser aprofundar-se um pouco mais a respeito do tema, recomendo a reportagem de Timandra Harkness, apresentador e personalidade política. Ou os estudos originais de Schreiber D, Fonzo G, Simmons AN, Dawes CT, Flagan T, Fowler JH, Paulus
MP (2013). Red brain, blue brain: evaluative processes differ in Democrats and Republicans. PLoS One, 8(2). Abstract. Ou veja os estudos de John Hibbing.

Até a próxima

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