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Além do Quadradinho
Além do Quadradinho

Os movimentos fluidos e cheios de verdade de Bárbara Albuquerque

“Foi amor, mesmo. A dança me ensinou desde pequena a minha forma”

Thaty Nardelli

08/05/2023 16h08

Foto: Studio Laje/Divulgação

Pernambucana de alma brasiliense, a bailarina Bárbara Albuquerque teve no “faz de conta” sua brincadeira preferida na infância e, hoje, brilha nos palcos brasilienses como professora, dançarina e coreógrafa. Com vivências em espetáculos espalhados pelo mundo inteiro, ela faz da dança sua “expressão mais sincera”. “Foi amor, mesmo. A dança me ensinou desde pequena a minha forma”, conta ela.

Primeiro, eu gostaria de saber sobre a Bárbara Albuquerque…

Minha infância foi na rua, brincando, correndo, inventando histórias. Brincar de “faz de conta” sempre foi meu favoritos. Filha de pai militar, pernambucana, morei em Vila Militar minha infância inteira. Fui uma criança sonhadora, com a cabeça na lua, uma veia artística que sempre pulsou desde pequena. Tive o privilégio de ter pais que trabalharam duro para comprar minhas aventuras, alimentar a minha imaginação e darem asas aos meus sonhos.

E como a dança entrou nela?

A dança está na minha vida desde que me entendo por gente. Na academia onde minha mãe malhava,em Recife, eu fazia natação. Com 3 anos de idade, esperava minha mãe após a natação na área de convivência da academia, na salinha de vidro ao lado acontecia a aula de baby class. Ficava assistindo e dançando do lado de fora, até que um dia a professora Simone Monteiro , não me esqueço, resolveu me convidar para entrar. Minha mãe desceu o andar para me buscar e já me encontrou imersa. Foi amor mesmo, a dança me ensinou desde pequena a minha forma de expressão mais sincera, era alí que o mundo parava e eu conseguia ser somente eu.

Você é formada em Artes Cênicas pela UnB e tem outras muitas formações. Como foi sua descoberta dentro delas para chegar a conclusão que realmente queria ter a dança como “profissão”?

Eu comecei os meus estudos em Ballet Clássico em Recife, quando meu pai foi transferido para Manaus, terra natal de minha mãe, eu entrei para o Centro de Movimento Arnaldo Peduto. Uma escola completa, com modalidades diversas e um grupo que representava o estado em festivais pelo país. Quando entrei na escola fiquei encantada com a proporção do grupo, todo mundo dançava tudo, ballet, jazz, dança contemporânea, danças urbanas.

Nossos professores incentivavam essa versatilidade. Eu praticamente vivia e respirava dança, eram 39 horas semanais dedicadas à dança. Saía da escola e ia direto para o Studio. Quando cheguei no meu terceiro ano, meu pai havia anunciado que iria para a reserva e que ficar em Manaus de forma permanente era uma opção. A partir desse momento comecei a buscar universidades de artes e dança pelo país.

Passei em dança na Universidade Estadual do Amazonas UEA, havia sido selecionada para entrar na Companhia Corpo de Dança do Amazonas CDA e passei para o curso de Artes Cênicas na Universidade de Brasília. Minha intuição sempre pediu por mais, então resolvi seguir meu sonho aqui no quadradinho. Foi quando busquei a dona Gisele Santoro e continuei meus estudos com a dança, ela me falou sobre o Seminário Internacional de Dança de Brasília e resolvi me jogar nessa oportunidade. No Seminário fiquei em 3º Lugar em Variação Clássica Feminina Avançado e ganhei uma bolsa de estudos de dois anos no Programa de Treinamento da Alonzo King LINES Ballet em San Francisco na Califórnia.

Uma grande reviravolta…

Ser bailarina profissional sempre foi um sonho meu, mas algo que sempre parecia distante da minha realidade, sempre escutei que não tinha o físico propício para ser uma bailarina profissional, que nunca teria chance com a carreira de bailarina. Mas foi no LINES Ballet que minhas certezas se firmaram e meu sonho de seguir uma carreira na dança se tornou algo viável e real. Lá eu pude enxergar a Bárbara artista, pude trabalhar a técnica, o corpo e principalmente a mente.

Pude enxergar a forma como a dança é valorizada, como o ambiente de trabalho é respeitado e como os artistas são formados e instruídos a como administrar a vida no meio artístico.Entender o mercado de trabalho, saber se inserir nele e ter uma mente saudável no processo. Tive a honra de ser selecionada como uma das 15 bailarinas (os) de todo o mundo para o Programa de Dança Contemporânea do Jacob’s Pillow em Massachussets, e apresentar trabalhos de professores e coreógrafos renomados. E tive meu primeiro trabalho como integrante de uma cia de Ballet Contemporâneo, a Dawson|Wallace Dance Project em Denver, onde residi por um ano, com direção artística de Gregory Dawson.

Com 18 anos, quando fui estudar fora, minha vida mudou completamente, entendi que não só queria uma carreira na dança, mas uma vivência artística completa. A bailarina, atriz, cantora, produtora artística, são todas facetas de uma Bárbara artista que carrega essas experiências em todas as vivências que proporciona e atua.

Você pode falar um pouco das vertentes da dança que você pratica e ensina? Qual a diferença entre elas?

Sou professora de Ballet Contemporâneo, Dança Contemporânea e Jazz.

O Ballet Contemporâneo é a união da técnica clássica com princípios utilizados na dança contemporânea, como a conexão com o movimento e o gesto, as técnicas de improvisação e composição. Trabalhamos em cima da técnica clássica as diferentes possibilidades do corpo e do movimento, um processo de autoconhecimento na busca de desenvolver a identidade artística de cada aluno.

O Jazz nasceu da cultura afro-americana e tem como influência as técnicas do Ballet Clássico e da Dança Moderna. Hoje o Jazz tem diversas vertentes como Lyrical Jazz, Jazz Broadway, Modern Jazz entre outros e todas trabalham expressividade, ritmo, técnica, explosão de movimentos, flexibilidade. Uma dança enérgica e diversa que engloba diferentes ritmos e qualidades diferentes de expressividade.

A Dança Contemporânea de todas é a que mais me encanta. Através de diferentes técnicas de somática, técnica de trabalho de chão, acrobacias, improvisação, composição coreográfica, a dança contemporânea é uma aula de auto descoberta, despertar a criatividade e desenvolver consciência corporal. Uma dança que também tem diferentes vertentes, mas que na sua maioria trabalha uma movimentação a partir do sentir.

Não é somente através do som de uma música que se pode dançar, pois os movimentos podem acontecer independente do som que se ouve, e até mesmo sem ele. Assim, muitas vezes as inspirações estão nas pequenas coisas. Como é seu processo criativo?

Eu sou completamente influenciada pelas minhas vivências, sejam elas um filme, uma série, uma conversa, uma conexão com alguém, um momento de vida. Tudo influencia na minha criatividade e nas minhas ideias. Sempre amei músicas instrumentais, orquestradas, trilhas de filmes, que me ajudam a concentrar e despertar minha criatividade e imaginação. Muitas vezes escuto músicas que me trazem nuances e imagens coreográficas, mas nem sempre utilizo essas mesmas músicas nas peças coreográficas. Os sons me inspiram muito, na qualidade, na textura e na forma como o movimento vai ser expressado, são minhas fontes principais.

Quais atos e espetáculos marcaram sua carreira? Tive alguns sonhos realizados com a dança, tive a honra de apresentar uma peça coreográfica de Sharon Eyal, diretora da cia L-E-V de Israel, onde apresentamos um trecho do espetáculo “SARA” no Festival Jacob’s Pillow. Tivemos uma semana de imersão no método GAGA, uma linguagem de dança criada pelo Israelense Ohad Naharin que trabalha descoberta, isolamento, exaustão e novas possibilidades com o corpo.

A peça coreográfica “Children of Bahkti” de Keelan Whitmore, foi a primeira vez que dancei Ballet Contemporâneo na vida, foi quando me encontrei artisticamente em uma linguagem e me senti inteira em cena, trabalhando a dança contemporânea nas sapatilhas de pontas em uma coreografia super potente.

O espetáculo “Jardin de Invierno” de Igor Calonge com a Cia Cielo Raso, através do Movimento Internacional de Dança de Brasília MID, um espetáculo de dança contemporânea que tive a honra de participar. Um dos desafios do espetáculo era dançar com o palco cheio de balões pretos a gás hélio pendurados. Trabalho de chão intenso, trilha sonora lindíssima e imersiva e o desafio de dançar com os balões prendendo no corpo. Foi uma experiência bem única e desafiadora.

O espetáculo “Mamadook”, da Foco Cia de Dança, com direção coreográfica de César Dias, foi uma das experiências mais recentes que me tocou profundamente. Espetáculo de dança contemporânea onde protagonizei a figura da Deusa, com seios de fora e coberta de argila. A poderosa divindade guardada em cada mulher e o emaranhado desrespeitoso onde a figura feminina é incansavelmente colocada na sociedade foram temas deste espetáculo potente.

Diferente de criar para apresentar, ser professora exige que você explore o melhor de cada aluno (a). Como é estar em sala de aula?

Na sala de aula é o lugar onde eu me realizo, onde consigo passar minhas experiências, meu conhecimento, proporcionar a pessoas que dançam ou nunca dançaram a oportunidade de se conhecer, se amar e respeitar seu processo. Na sala de aula consigo por em prática o que aprendi e o que acredito, oriento e ajudo pessoas a se descobrirem dentro da sua própria dança. Minha meta é proporcionar uma vivência leve, gostosa, de descoberta e desafios, mas sempre conscientizando o corpo e a mente por uma dança mais saudável, de aceitação, empoderamento e expressividade.

A Dança é a arte de mexer o corpo, através de uma cadência de movimentos e ritmos, criando uma harmonia própria… Como você definiria a dança em sua vida?

A dança é a minha forma de expressão mais sincera, dançar para mim é transbordar de verdade, se permitir ser vulnerável através do movimento. Dança é cura!

Para quem está começando, qual recado você deixaria?

Desenvolva sua dança sem medo, sem julgamentos, a gente busca a dança para se expressar, por uma vida com mais saúde, para se divertir, se encontrar e muitas vezes no processo esquecemos disso. O melhor conselho que posso dar é, confie, respeite seu processo, seja generoso com você mesmo, se entregue e divirta-se.

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