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Além do Quadradinho
Além do Quadradinho

Conheça o DJ, produtor, cantor e compositor Tyrone

A “Além do Quadradinho” apresenta o artista criado na conurbação Ceilândia – Taguatinga – Samambaia

Thaty Nardelli

19/03/2023 5h00

Atualizada 18/03/2023 10h07

DJ, artista visual, produtor musical, cantor e compositor criado na conurbação Ceilândia – Taguatinga – Samambaia. Atua desde 2015 tocando funk, rap e música eletrônica no Distrito Federal. Como produtor, produz festas por meio do seu selo, o Furacão 3000, desde 2017. Uma de suas grandes marcas é sua imensa bagagem musical. Como DJ, realiza uma pesquisa incansável em R&B, Rap, Soul & Jazz, que o levam a fundir percussividades quentes do garage, trap e funk carioca.

Entre “uns versos aqui e ali, meio de onda, sem intenção de nada”, Tyrone lançou, na última semana, seu primeiro EP, o “BLZ!”. O trabalho foi produzido, composto, gravado e lançado de maneira totalmente independente pelo próprio artista.

A “Além do Quadradinho” apresenta Tyrone: músico, artista visual, produtor cultural e um artista cheio de essência própria.

Como foi sua infância? A arte já estava presente nela?

Eu nasci ao meio-dia de um sábado. Acho que isso é um fato muito importante. Leão estava no horizonte, logo, esse é meu ascendente. Fui criado na conurbação, entre Taguatinga, Ceilândia e Samambaia. Minha família é muito artística e cultural. Minha vó tinha um violão lindo que ela só me deixou tocar depois dos 10 anos de idade. Meu tio é DJ e ficava ouvindo discos de música eletrônica o final de semana inteiro no quarto dele. Minha mãe é uma cinéfila muito voraz e me deixava assistir tudo com ela, desde que não fosse muito violento. Minha vó pintava e me ensinou como fazê-lo, além de relutantemente me deixar ler e reler uma coleção de livros chamados curso de “Desenho & Pintura”.

Parece ter sido uma infância divertida e agitada…

Então, minha primeira casa ficava em frente ao Taguacenter, era muito barulhento aos sábados. Na frente dela tinha uma árvore enorme, daquelas que dão uma nós que os morcegos gostam, eu ainda não sei o nome. Em junho e julho as vezes apareciam morcegos lá em casa. A casa era cortada exatamente no meio por um corredor, minha avó botou uma daquelas imagens de Jesus que ficava te seguindo com os olhos bem no fundo do corredor.Eu ficava tentando fugir do olhar dele. Eu era uma criança bem alegre e extrovertida, mas um pouco esquisita. Meus melhores amigos eram meus dois vizinhos que eram bem mais velhos que eu. A casa deles tinha o piso xadrez e eu gostava de inventar jogos de tabuleiro que a gente jogava como se nós fôssemos as peças. Eu estava sempre desenhando e fazendo histórias em quadrinho.

E de todas elas, alguma te prende mais?

Minha primeira lembrança parece um sonho… Eu, minha mãe e um namorado dela em uma base aérea entrando em um punhado de aviões e os pilotos, que me deixavam ver as cabines. Eu lembro com muito detalhe das cabines de aviões e helicópteros. Uma vez eu perguntei pra minha mãe e ela disse que nunca tinha acontecido. Durante a pandemia, eu comentei isso e minha avó lembrou minha mãe que era um dia real e eu finalmente descobri que minha primeira memória não era um sonho.

Ainda bem que não foi só mais um sonho, pelo contrário… tem mais?

Quando eu tinha 10 anos minha vó me deu o violão dela, que ela não usava. Eu ficava tentando aprender sozinho na garagem de casa, e até tirei a música de uma novela da época sem querer. Um dia um cara passou na frente da garagem e me viu treinando, ele falou: “toca uma música aí pra gente”, eu fiquei com vergonha e disse que não, ele falou que eu “não tava com nada”. Eu ainda tenho um pouquinho de raiva dele. Depois desse episódio eu fiquei obcecado e treinava todo dia, o dia todo, até ficar muito bom. Outra memória engraçada é que eu fiquei obcecado com o Monstro do Lago Ness uma época e criei um blog pra provar que ele existe. Tudo isso a 10 mil quilômetros de distância do Lago Ness, claro.

E qual foi a arte que te interessou de primeira?

Provavelmente foi o desenho. Eu comecei a desenhar quando criança e nunca parei. Eu preenchia resmas e resmas de papel. Eu alternava entre épocas que eu levava muito a sério e buscava aprender anatomia e proporção e épocas em que eu só me deixava solto e desenhava loucuras e personagens novos pros meus desenhos animados favoritos. Acho que até hoje eu ainda sou um pouco assim.

Como e quando se tornou DJ?

Antes de tudo, eu tinha um amigo que fazia Rap. Não. Antes de tudo eu tive uma banda cover de Bon Jovi (risos). Nessa época, eu aprendi a usar programas de produção de áudio para gravar minhas ideias e editar gravações que a gente fazia. Depois, meu amigo começou a fazer Rap e eu comecei a fazer beats pra ele rimar em cima. Ele odiava todos. Um dia eu percebi que a gente não era mais amigo (não por conta dele odiar meus beats), só que eu já estava viciado em fazer beats e acabei começando a fazer remixes & mashups. Só que ninguém tava nem aí, ninguém nunca ouvia. O que eu pensei: se eu virar DJ eu posso tocar minhas próprias músicas. Eu juntei o troco do estágio, comprei uma controladora bem ruim, me internei no quarto por um tempo e treinava religiosamente até sentir que eu era quase decente.

Ou seja, você é autodidata e são os desafios de um novo aprendizado que te inspira…

Quase isso… Umas amigas me chamaram pra fazer parte de uma banda que era meio uma piada interna, e eu como sempre levei muito a sério e fiz vários beats de brega e acompanhava elas no show sob o nome de DJ Bota1Som, essa foi a Banda Recalque. A gente tocou algumas vezes e chegamos até a abrir pro Jaloo. Eu me enfiava em tudo quanto era line e virei amigo de uma galera, mais nomeadamente o André Kelevra, que fazia a Cei My Name, o Danton, que fazia o Projeto Morro e a Athena Ilse, que fazia um punhado de festas massa, mas mais especificamente a MeteoLoko. A galera foi botando fé no meu som e me chamando mais, daí em pouco tempo eu tava enfiado até o pescoço nisso, tocando quase todo final de semana. A parte mais engraçada é que é muito raro eu tocar uma música minha no meu set.

Tem alguma apresentação histórica?

Acho que a apresentação que eu mais me orgulho foi no festival Favela Sounds de 2019. Eu passei um mês ensaiando, eu tava muito nervoso, ia ser o maior público que eu já tinha tocado, ia tocar logo depois das atrações principais. Eles montaram um esquema que os dois palcos ficavam um de frente pro outro, então quando acabava o show de um lado o público andava pro outro lado pra ver o show, quem tava atrás ficava mais na frente e quem tava na frente ficava no fundão. O show de lá estava acabando e eu tinha montado minhas coisas, meu fone não se isolava tão bem, então eu não tinha a referência muito bem da próxima música. Além disso, eu tinha passado o mês treinando num equipamento diferente do que tava lá na hora, nada demais, mas o visor era diferente e eu tinha ainda uma referência a menos. Fiquei muito preocupado, daí o show de lá acaba e vem o que parece uma infinidade de gente pro meu palco. Sério, sei lá, 10 mil pessoas, o mesmo tanto de pessoas que caberiam entre Brasília e o Lago Ness, algo assim. Andando igual um rebanho. Tive que segurar as pernas pra não sair correndo. Toquei duas músicas e todo mundo amou, dançou muito, se divertiu, eu comecei a me divertir, joguei o ensaio todo pela janela e fui seguindo o fluxo. Foi um ótimo set. Eu fiquei muito feliz.

O que tinha tudo para dar errado, então, deu muito bom…

A vida de DJ era pra ter mais histórias emocionantes, né?! Acho que outras legais são só porque eu sou um cara meio cheio de recursos. Então, teve uma vez que meu equipamento estragou e não tinha ninguém que pudesse me emprestar um computador. Pra não deixar a festa sem som, eu baixei um aplicativo pirata de DJ no celular e toquei do celular mesmo (risos), era um mega trampo, porque eu tinha que ficar baixando as músicas na hora, mas rolou. Uma outra vez, o lado esquerdo do meu equipamento parou de funcionar, geralmente você toca uma música de um lado e mistura ela com uma segunda música, tocada do outro lado, daí parece para o público que as músicas estão continuando sem pausa. Nesse dia, eu só tinha um lado. Tive que ser muito criativo para conseguir criar essa impressão de que a música não tava parando, mas aprendi um monte de truques legais, todo mundo se divertiu.

E quais são suas grandes referências musicais?

Essa é difícil! Acho que Tribo da Periferia, até hoje, eu sempre testo o som tocando algo do duckjay, em nenhum lugar do mundo um grave bate tão redondo igual no Distrito Federal. Eu acho que eu queria ser tão versátil, como o Frank Zappa. Eu realmente gosto de me perder na discografia dele. Tem tanta coisa, tanta coisa diferente e é sempre bom. Os Mutantes também. Hoje em dia nem tanto, mas por um imenso período da minha vida eu ouvia religiosamente e tentava absorver tudo que estava acontecendo. Jardim Elétrico é tão intenso e cheio de ideias que não tem mais em lugar nenhum que eu acho difícil registrar.

É meio difícil, porque eu sempre vou estar sendo injusto com alguém, mas acho que fora os que eu já citei, vale falar Gal Costa, Mos Def, Stevie Wonder, Erykah Badu, Tyler The Creator, Michael Jackson, Tim Maia e BK. Tem muito mais que isso, mas eu to legal aqui..

E como nasceu o EP “BLZ!”?

Eu costumava pensar em mim como DJ e produtor musical. Um dia, acho que em 2016 ou 2017, minha namorada da época me viu cantando enquanto lavava louça e me disse que minha voz era muito bonita e me pediu pra pensar em usá-la nas minhas produções. Isso pareceu quase uma afronta na época – uns anos antes quando eu tinha a banda cover, todas as vezes que eu tentava apoiar na segunda voz era tão ruim que as pessoas não conseguiam conter o riso – mas eu guardei a ideia num lugarzinho especial.

Escrevia uns versos aqui e ali, meio de onda, sem intenção de nada. Mas além de escrever, fazia o beat e gravava, mas não botava fé. Durante a pandemia, eu decidi me afundar mais em música, fiquei desempregado, acordava todo dia e ia treinar violão ou teclado ou baixo e fazer beats. Aproveitava para escrever também, um verso solto aqui e outro lá. Com o tempo fui notando que eles tinham alguma conexão entre si, falavam de temas parecidos, de uma perspectiva parecida.

Foi aí que percebi que tinha um projeto meio em formato de embrião, que viria a ser o “BLZ!”. Fui compondo, até que tive a primeira versão pronta lá no final de 2021.Eram nove músicas das quais só três estão nessa versão final. Protelei muito para terminar, mas fui fazendo aos poucos, compondo novas coisas, produzindo as antigas. Até que um dia cansei de esperar, de ter medo de lançar. Liguei meu computador, terminei o que dava e fiz tudo que faltava pra lançar, como capa e nomeei tudo. Subi tudo e coloquei a data de lançamento – 10 de março de 2023.

Daí saiu e foi muito legal ver que as pessoas gostam muito da minha voz mesmo, além de comentarem bastante sobre as letras. Foi uma responsa muito positiva, eu tô muito feliz.

Escute o “BLZ!” aqui

Algum artista tem te inspirado mais nos últimos tempos?

Eu gosto muito das imagens que o Carl Phillips usa pra mostrar as poéticas de coisas muito cotidianas. Eu também gosto do jeito que a Anais Nin escreve, o jeito que ela descreve os sentimentos quase como coisas físicas, principalmente nos diários. Tem também o Samico. Ano passado eu comecei a aprender xilogravura e um dia bati com a obra do Samico, acho que eu já tinha visto antes, mas entender como funcionava a técnica abriu um outro acesso, tudo parece muito mais imponente, quase místico. A paciência precisa.

E o Moebius, acho que eu já devo ter consumido tudo que é possível de achar dele. Ele tem essa mente capaz de criar um universo inteiro dentro de uma história em quadrinho, e tudo parece muito realista, muito crível, é ficção científica mas os mundos fantásticos tem uma sensação de mundo real, que os ets e robôs tem vida antes e depois da história que ele desenhou. Que aquilo ali sempre existiu e vai continuar existindo. Eu não sei explicar. (risos)

São várias funções que você exerce dentro da arte. Como é isso para você?

É muito assustador! Eu me divirto muito. Eu faço a “Furacão 3k” desde 2017. Produzir uma festa é ser responsável por muita coisa. Da segurança de algumas centenas de bêbados ao funcionamento de um jogo de luzes. E tudo isso tem que ser divertido no final. E isso é o louco: é divertido.

E o que você acha dessa cena de produção no DF?

Eu acho que o cenário está crescendo e evoluindo, mas em Brasília ainda é um setor muito precarizado que bate de cara com um monte de barreiras arbitrárias, mas acho que por conta das dificuldades dá tesão em fazer. Na minha festa, eu também posso tocar os sets mais loucos sem me preocupar se o produtor vai ficar irritado porque eu não estou tocando o que ele esperava (até porque, o produtor sou eu mesmo), e eu também posso chamar as pessoas que eu mais gosto pra tocarem e apoiarem. Mas dá muito medo.

Conta um pouco da sua relação como artista visual. Quando surgiu, como é?

Eu sempre desenhei… Durante toda minha vida, foi meio uma coisa a mais pra mim. O desenho é a linguagem com a qual eu tenho mais conforto, na qual eu melhor expresso minhas ideias e também na qual eu menos sinto as expectativas de realização profissional ou exposição. As vezes eu posto desenhos no Instagram, às vezes eu participo de alguns eventos, também às vezes, eu aceito alguns trabalhos de ilustração, geralmente para festas, mas só quando eu quero. Eu gosto de manter esse espaço livre em que eu posso só explorar todas as minhas ideias mais loucas e não dever nada pra ninguém. Eu sinto que é importante ter essa atitude com algum fazer artística da minha vida, só pra me lembrar como é e não me perder nas expectativas e frustrações dos outros fazeres.

E o que você falaria para quem está começando hoje?

Fazer arte é muito frustrante. Mas eu também sinto que, para quem quer que faça ela, é um pouco inevitável. O principal é viver muito e fazer muito. Gostar de viver, sabe?! Arte é só o extrato da vida, você pega a vida e torce ela até sair o xarope. E aí, bebe e divide com os outros. As partes amargas ficam aquele amargo bom, sabe? Como se fosse um drink bem feito. A parte boa de ser artista é que você não precisa ter medo de amar. Toda decepção é uma música, ou um livro ou uma pintura, ou uma performance talvez, não sei como isso funciona. E se junta com quem faz também. É muito mais fácil andar junto, e os feedbacks são mais honestos.

Confira o trabalho do artista:

Instagram | Soundcloud | Spotify | Behance

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