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Psicanálise da vida cotidiana
Psicanálise da vida cotidiana

“Desaprendendo a Lição”

Desaprender a lição é a ousadia sana para a pesquisa na ciência, nas artes, na psicanálise e em qualquer área do conhecimento

Redação Jornal de Brasília

07/07/2021 13h49

No mais recente livro do poeta Affonso Romano de Sant’Anna —“Entre leitor e autor”, editado pela Rocco em 2015, encontrei uma crônica ou um pequeno ensaio que me parece pertinente quando se faz um link entre Literatura e Psicanálise.

“Desaprendendo a lição” é uma pequena aula que Affonso nos oferece, alertando sobre os cuidados que se deve ter quando alguém quer aprender alguma coisa. Tanto na vida, na poética, quanto nas ciências, desaprender hoje, é uma conduta metodológica. Esvaziar o saber anterior, os pré-conceitos, os a priori para deixa limpo o campo de observação de novos fenômenos. O nosso poeta traz uma frase intrigante de Roland Barthes: “há uma idade em que se ensina o que sabe, mas em seguida vem outra idade em que se ensina o que não se sabe”. Adiante, retomando Barthes, cita: “E num seminário em Paris, praticando a errância do saber, propôs aos alunos que o encontro da classe não tivesse tema preterminado. O desejo insconsciente de saber é que deveria aflorar o tema”. Lembrei-me da dinâmica de uma sessão de psicanálise – a atenção flutuante e as associações livres de ideias do analista e do analizando criam ou fazem surgir temas a serem analizados. Sabemos que é desastroso quando um analizando faz força para trazer um assunto para a sessão! “Desejar o saber é uma primeira etapa, mas saber desejar é uma refinada atitude. Entre um e outro vai à distância do canibal ao gourmet”, adverte Affonso em seu texto. Se a verdade é a finalidade do desejo de quem quer se conhecer, volto ao escrito do nosso poeta e o cito: ”Tinha razão o polifônico Sócrates: “a verdade não está com os homens, mas entre os homens”. Veja, caro leitor, como é divina a contribuição do escritor, do poeta, da poesia e da literatura ao fazer analítico — hoje, em psicanálise, falamos de psicanálise vincular, ou seja, uma análise que vai se fazer no encontro de duas mentes, a do analista e do analizando, escrevendo uma história inédita dos dois e assim, conhecendo o funcionamento mental da dupla, de cada um, hoje, no presente  trazendo padrões de experiências passadas. Uma sessão é sempre sobre o presente, pois o passado e o futuro(a memória e fantasias) são presentificados. Borges, Jorge Luis Borges, o nosso poeta vizinho, argentino e do mundo, escreve  falando a propósito da Eternidade, que só temos um tempo —-o tempo do presente.

Então, voltando ao nosso tema, continuo citando o belo pequeno ensaio de Affonso: ”Assim o melhor professor seria aquele que não detém o poder nem o saber, mas o que está disposto a perder o poder, para fazer emergir o saber múltiplo. Nesse caso, perder é uma forma de ganhar, e o saber, de recomeçar”. Isso é válido na atividade didática,  mas também importante e necessário na atividade de pesquisa psicanalítica e no fazer poético. Affonso Romano enfatiza como clímax do seu escrito uma questão fundamental para desenvolver a capacidade criativa, quando  escreve: “Contudo, assim como o espaço em banco é importante ao poema, assim se passa como a pausa organiza a música, o saber pode brotar do silêncio”.  Não é por acaso que a pesquisa psicanalítica, hoje em dia, enfatiza a capacidade de abster do já conhecido, entrar no vazio, no negativo, no silêncio verbal, para com isso  deixar que o Inconsciente, o indisível apareçam sobre as mentes do par analítico. De teorias estamos repletos, o que nos falta é uma nova metodologia baseada numa epistemologia contemporânea onde o saber nasce da ignorância e da humildade do pesquisador. Quando Freud falou em “atenção flutuante” e “associação livre”, ele estava abrindo mão do poder fantasioso da onisciencia e da onipotencia do analista para criar um método do “aprender da experiencia”, aspecto importante na obra de um outro analista indiano-inglês, Wilfred Bion.

Desaprender a lição é a ousadia sana para a pesquisa na ciência, nas artes, na psicanálise e em qualquer área do conhecimento que não pretenda ser dona do Saber. A onipotência e a arrogância são expressões da defesa patológica contra a nossa ignorância.

Por Carlos de Almeida Vieira
Psicanalista, Membro Efetivo e Analista Didata da Sociedade de Psicanálise de Brasília; Membro Efetivo da Sociedade Brasileira da Sociedade de São Paulo, Full Member da Associação Internacional de Psicanálise

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