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60 Anos, 60 Histórias

“O senhor prometeu cumprir a Constituição”

“Quais são as cores
Que são suas cores de predileção?”

Redação Jornal de Brasília

26/02/2020 11h20

Olavo Davi Neto e Vítor Mendonça
[email protected]

Os sítios estavam definidos, e os líderes da Comissão Localizadora da Nova Capital Federal já haviam chegado a uma decisão, ainda que intimista, do local exato onde se edificaria a nova cidade de todos os brasileiros. Faltava, porém, o parecer do resto do grupo, que ainda não tivera acesso ao Relatório Belcher e sequer estivera no Planalto Central. Assim, quando o marechal José Pessoa disponibilizou à comissão o documento da empresa norte-americana, toda a equipe subiu a bordo de dois aviões da Força Aérea Brasileira (FAB) ainda na primeira metade de fevereiro e passou a analisar os lotes de mil quilômetros quadrados cada, segundo relato de Ernesto Silva em História de Brasília.

Tendo Goiânia e Planaltina por base, a comissão visitou, na ordem, os Sítios Amarelo e Azul, próximos da capital goiana e de Anápolis, respectivamente; e o Verde e o Castanho, mais próximos a Planaltina. Por questões de logística, a análise do Sítio Vermelho — já em Minas Gerais, sobre a região de Unaí — deu-se somente de cima, dentro de um avião. De volta ao Rio de Janeiro, coube ao marechal Pessoa criar uma subcomissão para definir os critérios de escolha, que ele pretendia que se desse sem maiores delongas.

O grupo que assumiu a seção se mostrou moroso, com três de seus quatros membros argumentando que tal escolha não se daria rapidamente. Com uma manobra, Pessoa inflou a subcomissão com aliados e, em 4 de abril de 1955, um sistema escalonado de pontos foi concebido para a escolha de um dos cinco sítios. Nove dias depois, a Subcomissão de Fixação de Critérios e Normas Técnicas para Comparação dos Vários Locais e Seleção de Sítios contabilizou 867 pontos para o Castanho — contra 800 do vizinho Verde.

Abril se marca na história da nova capital

A reunião plenária da Comissão de Localização da Nova Capital Federal que oficializou a opção do grupo, conforme registrado na ata, ocorreu no dia 15. “Eram exatamente onze horas. Os membros (…), de pé e com uma salva de palmas, aprovam a escolha do chamado SÍTIO CASTANHO”. Assim, pela primeira vez na história do mudancismo, o Brasil tinha definida uma região específica para a construção da futura capital do país.

Ato contínuo, o marechal Pessoa criou outra subcomissão, a Encarregada do Estudo da Demarcação dos Limites do Distrito Federal, cuja função é explicada no nome. Todas as ações do militar e líder da comissão se davam em cumprimento à Lei nº 1.803/1953, que, no artigo 2º, obrigava-os a delimitar, “adotados os limites naturais ou não, uma área aproximada de 5.000 quilômetros quadrados (…) que será incorporada ao Patrimônio da União.”

Paralelamente às discussões da Comissão de Localização da Nova Capital Federal, a campanha eleitoral já se iniciava Brasil afora. Era, novamente, a disputa entre o polo balizado pelo trabalhismo herdado de Getúlio Vargas — cuja morte ainda vertia lágrimas da população — , e fixado pelo nacional-desenvolvimentismo, do crescimento de dentro para fora; e setores conservadores, calcados na importação de bens de consumo e na veia agrária e importadora do país, tendo como lema principal o combate à corrupção, classificada como endêmica no governo anterior.

A coligação de centro-esquerda, liderada pelo Partido Social Democrático (PSD) e pelo Partido Trabalhista Brasileiro (PTB), encaminhou chapa encabeçada pelo então governador de Minas Gerais e apoiada pelo ministro do Trabalho varguista, responsável pelas inúmeras conquistas proletárias durante o getulismo. Ou seja, uma dupla de forte apoio popular. Contra Juscelino-Jango concorriam o militar cearense Juarez Távora—- que participara da Coluna Prestes e era também ex-ministro do Estado Novo — pela União Democrática Nacional (UDN).

Enquanto JK e Távora disputam a eleição, um certo comício mudou a história do pleito — e do Brasil. No mesmo 4 de abril em que o marechal Pessoa recebeu os critérios da votação que definiu o Sítio Castanho como futura capital, JK discursava em Jataí, cidade a cerca de 290 km ao sul de Goiânia.

No primeiro comício

Era o primeiro comício da campanha, e, como praxe no PSD, a abertura da corrida eleitoral se definia pela cidade onde a sigla obtivera maior índice de votos na eleição anterior. Por um detalhe, a cidade goiana se sobrepôs a Uberaba, e para lá partiu a comitiva. Num dia chuvoso, a apresentação do então candidato, para usar uma gíria da terra dele, “flopou”. Improvisado, o discurso se deu numa caçamba de caminhão para poucas pessoas. Ao fim da fala do presidenciável, em um momento em que ele abriu espaço para responder a questões feitas pela plateia, veio a pergunta que garantiu definitivamente a entrada de Brasília na história do país.

A pergunta veio de Antônio Soares Neto, então com 30 anos.
“O senhor prometeu cumprir a Constituição”, começou. Em seguida, ele questionou se, diante do compromisso de cumprir o texto da Carta, se o candidato do PSD à Presidência, Juscelino Kubitschek de Oliveira, construiria, então, no Planalto Central nossa terceira capital, medida prevista na Carta Magna de 1946.

Numa produção posterior da Secretaria do Território e Habitação do DF, Juscelino afirmou que ainda não havia considerado a ideia de uma nova sede de poder. “Quando o Toniquinho me colocou o problema, pensei subitamente. (…) Disse: ‘se a Constituição exige a construção da nova capital, vou respeitá-la e construirei a nova capital do Brasil no Planalto Central”, afirmou o patrono de Brasília.

Faça você mesmo

Onze dias depois de se incumbir da missão de delimitar a área do futuro do Distrito Federal, a Comissão de Localização da Nova Capital Federal apresentou seu relatório final, fincando os limites da área destinada a uso nacional. Sob forte sigilo — graças à ação de especuladores em outros momentos, como visto anteriormente neste especial — , o líder da comissão apresentou os estudos ao presidente da República, Café Filho. Em 27 de abril, numa audiência com o chefe do Executivo nacional, solicitou e viu negada uma medida que desapropriasse os 5.850 km² delimitados pelo grupo que liderou.

Sem se dar por vencido, Pessoa solicitou um avião ao Ministério da Aeronáutica e rumou à capital de Goiás. Lá, o governador José Ludovico de Almeida, sobrinho de Pedro Ludovico, interventor do estado no Governo Provisório e no Estado Novo e construtor de Goiânia, recebeu a portas fechadas o marechal e seu secretário, Ernesto Silva, no dia 30 de abril. Após apelo dos membros da comissão, Ludovico convidou alguns assessores, advogados e desembargadores do estado para um jantar, iniciado às 20h.

Às 3h de 1º de maio estava redigido o Decreto nº 480/1955, que, nas justificativas, mostrava que “a mudança da Capital Federal (…) alcança, neste momento, fase decisiva”, além de, àquela data, a comissão do marechal Pessoa já ter feito “a escolha do local destinado à nova sede do Governo da União”. Também menciona um “dever do Estado de Goiás cooperar estreitamente com os órgãos federais”, graças a uma “fatalidade geográfica” que retalhou o território goiano o novo Distrito Federal.

Assim, no artigo 1º, ficava “declarada de utilidade pública e de conveniência ao interesse social, para efeito de desapropriação, a área destinada à Nova Capital Federal, e que (…) será oportunamente incorporada ao domínio da União”. Ainda conforme Ernesto Silva, mesmo assinado no início de maio, o documento foi datado de 30 de abril, numa jogada para não tornar nulo um decreto assinado no feriado do Dia do Trabalhador.

Pouco mais tarde, à noite, no Palácio das Esmeraldas, sede do governo estadual, foi realizada a solenidade onde José Ludovico leu o texto e o Brasil tomou conhecimento de que, além da promessa de um candidato à Presidência, outras medidas em torno da mudança da capital estavam em curso.

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