Menu
60 Anos, 60 Histórias

Vargas enterra a onda mudancista

“Abram alas que Gegê vai passarOlha a evolução da históriaAbram alas pra Gegê desfilarNa memória popular”Chico Buarque e Edu Lobo em “Dr. Getúlio”

Olavo David Neto

18/02/2020 7h54

A o meio-dia de 7 de setembro de 1922, o primeiro centenário da Independência, autoridades do governo goiano e da República inauguraram a Pedra Fundamental da nova capital, em Planaltina, Goiás. Esse, entretanto, não foi o único evento que deu destaque àquele ano na história do Brasil.

Também em celebração aos 100 anos de soberania política, Anita Malfatti, Mário e Oswald de Andrade, Di Cavalcanti e tantos outros ícones da cultura brasileira realizaram e participaram da Semana de Arte Moderna. Era o estopim do Modernismo tupi-guarani.

A efervescência da elite cultural reflete o clima do país. Organizada graças ao dinheiro dos grandes cafezais, a semana mais famosa do Brasil foi, também, uma ode a São Paulo. O estado vira, nas eleições presidenciais realizadas em março de 1922, mais um candidato favorável a seus interesses ascender à Presidência. Indicado por Epitácio Pessoa, o mineiro Artur Bernardes venceu um pleito conturbado, no qual cartas atribuídas ao então candidato governista disparavam contra o Exército.

Concorria com Bernardes o ex-presidente Nilo Peçanha, fluminense que contava com o apoio de Rio Grande do Sul, Bahia, Pernambuco e do estado natal. A coalizão, batizada de Reação Republicana, combatia a prevalência de Minas Gerais e São Paulo e não aceitou o resultado das urnas, a exemplo dos setores militares. A insatisfação verde-oliva tomou alguns quartéis brasileiros, principalmente entre oficiais de patentes inferiores.

No Rio de Janeiro, o baixo oficialato foi às ruas em 5 de julho. Do Forte de Copacabana, 17 tenentes e um civil tomaram as ruas da “Princesinha do Mar” em uma marcha. Foram 2,4 km de caminhada sob a mira das tropas governistas, em rua aberta e rente ao mar. Alvejados, os tenentes vertiam sangue sobre as areias da praia mais famosa do mundo, imagem que se fincou no imaginário coletivo.

Liderados por Siqueira Campos, os sublevados chegaram à rua que hoje leva o nome do militar e, lá, os poucos tenentes restantes foram rendidos. Cinco deles morreram nas ruas do Rio de Janeiro, numa luta que explodiu o movimento tenentista Brasil afora e contou com a adesão de diversos militares que participariam ativamente da vida política do país no futuro. Desta convulsão participaram, por exemplo, o comunista Luís Carlos Prestes e o futuro candidato a presidente Eduardo Gomes.

A crise da sucessão presidencial

Já no poder, Artur Bernardes enfrentou algumas consequências do tenentismo. Em 1924, no mesmo 5 de julho dos 18 do Forte, eclodiu em São Paulo a Revolta Paulista. Com cunho quase exclusivamente militar, a sublevação questionava o processo eleitoral brasileiro e a permanência de velhas oligarquias no poder. Até hoje, é o maior conflito armado paulistano, no qual a cidade se transformou em praça de guerra por 53 dias. Alguns dos líderes do movimento, como Isidoro Dias Lopes e Juarez Távora, uniram-se a Luiz Carlos Prestes e Miguel Costa para formar a Coluna Prestes (ou Costa-Prestes), outro movimento tenentista.

Os integrantes da coluna percorreram aproximadamente 25 mil km do sul ao norte do país. Deflagrado em 1925, ainda sob o governo Bernardes, o movimento exigia “o voto secreto, a reforma do ensino público, a obrigatoriedade do ensino primário e a moralização da política”. Denunciava, também, “as miseráveis condições de vida e a exploração dos setores mais pobres”, segundo Lilia Schwarcz e Heloisa Murgel Starling em Brasil: uma biografia (2015). Encerrada no ano seguinte, a coluna configurou-se como uma das principais imersões políticas ao interior do país.

Mesmo com oposição militar, Bernardes concluiu o mandato em 1926, passando a faixa presidencial ao sucessor indicado por ele e pelas oligarquias que representava. Com Washington Luiz, veio o estado de sítio. Ele segurou a situação com mão de ferro. Na hora da sucessão, porém, o 13º presidente da República ateou fogo no palheiro.

Uma bandeira interregional

Contrariando a política do Café com Leite, o então presidente Washington Luiz indicou para a linha sucessória o também paulista Júlio Prestes. Era um rompimento com Minas Gerais, tradicional aliado de São Paulo, e com a política dos governadores, que estabelecia as bases para o domínio oligárquico.

Formou-se aí a Aliança Liberal, união de Minas Gerais, Pernambuco, Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul, que lançou a candidatura do presidente — como eram conhecidos os governadores — gaúcho Getúlio Vargas, com João Pessoa, governante da Paraíba, como candidato a vice.

Nas urnas, em 1º de março de 1930, sob nova suspeita de fraude, Vargas contabilizou 742.794 votos — conforme apuração oficial da época —, cerca de 366 mil a menos que o total recebido por Prestes. A desconfiança da oposição quanto à realização do pleito não foi suficiente para que as eleições fossem anuladas. Assim, Washington Luiz passaria o poder às oligarquias — caso um assassinato passional não mudasse os rumos do país.

Dentro de um café no Recife, em Pernambuco, João Pessoa foi surpreendido por um adversário político armado e feroz. João Duarte Dantas entrou no estabelecimento e assassinou o governador paraibano por conta de cartas íntimas roubadas e publicadas na Paraíba, episódio que o algoz atribuiu à vítima. Data desta época a confecção da mais recente bandeira da Paraíba com uma rejeição à quebra da hegemonia (“Nego”, destacado no pavilhão paraibano), tendo um terço em preto, pelo luto da perda do governador, e os dois restantes em vermelho, cor da Aliança Liberal. Era a faísca ideal para o barril de pólvora.

Reação em armas

Com a morte do vice derrotado nas urnas, veio a reação em armas. Utilizando-se do assassinato de João Pessoa, a Aliança Liberal conclamou a sociedade civil e se aproveitou do alvoroço tenentista para desestabilizar o fim do governo de Washington Luiz. De trem, Vargas deixou o Rio Grande do Sul em direção à então capital, parando em diversas estações para receber apoio de populares. Chegou ao Rio de Janeiro junto à “cavalaria” que deixara as terras gaúchas com a promessa de amarrar os cavalos no Obelisco da atual avenida Rio Branco. Não só o fizeram como depuseram o presidente em 24 de outubro.
Era o fim da República Velha e o início do Governo Provisório, que coube a Getúlio comandar. Com forte viés nacionalista, o novo regime contava com o apoio de Minas Gerais — estado que se opunha à interiorização da capital, vale lembrar. Apesar de se apresentar como um rival ao domínio paulista, a Era Vargas arrefeceu o desejo mudancista, principalmente depois de se ver obrigada a combater a reação de São Paulo, em 1932.

Revolução Constitucionalista

Apesar do nome, a Revolução Constitucionalista de 1932 pode ser vista mais como uma reação, um golpe, do que como uma revolução. Por trás dos movimentos civis, que tomaram as ruas de São Paulo em protestos, estavam os cafeicultores insatisfeitos com a perda da hegemonia na política nacional.

Também contava para a sublevação o fato de Getúlio ter nomeado como interventor no estado o militar pernambucano João Alberto Lins de Barros, além, claro, da forte crise vivida pelo café graças à quebra da Bolsa de Nova Iorque, em 1929.

A repressão das tropas legalistas vitimou os estudantes Martins, Miragaia, Dráusio e Camargo, gerou o mote “MMDC”, em homenagem aos mortos, e deflagrou a luta armada. De 9 de julho a 2 de outubro, São Paulo foi bombardeada pelas forças do governo. Ainda que derrotada, a revolta — que contava com apoio (mas não teve) do resto do país — acendeu o alerta amarelo no Palácio do Catete, sede da Presidência, não só quanto à necessidade de uma Constituição para oficializar o regime, mas à força política daquele estado.

Assim, uma nova Carta Magna foi redigida em 1934. Ela novamente previa, no artigo 4º das Disposições Transitórias, a mudança da capital “da União para um ponto central do Brasil”. Mas, como veremos mais adiante nesta série, ela será a mais breve da história do Brasil.

Exatamente três meses depois de promulgada a Constituição, em 16 de outubro, os deputados Plínio Tourinho e Lacerda Pinto, ambos do Paraná, propuseram o primeiro projeto legislativo acerca do mudancismo desde a Revolução de 1930. Era o Projeto de Lei 128/1934, que autorizava o governo “a fazer as despesas necessárias” para nomear uma comissão exploradora “e demarcar, na região central do território nacional, a superfície da futura capital do Brasil”. De prático, porém, nada ocorreu.

A contribuição do construtor

Nas trincheiras da guerra contra os paulistas, um jovem médico prestava seus serviços às tropas legalistas. O tenente-coronel Oliveira esteve em combates e ficou conhecido pela bravura ao desobedecer ordens de um superior e salvar a vida de um soldado ferido. Era a contribuição do futuro deputado estadual e federal por Minas Gerais, prefeito de Belo Horizonte e presidente da República Juscelino Kubitschek à contenção da revolta paulista. Posteriormente, como é sabido, JK ganharia ainda mais destaque na vida brasileira, mas isso veremos mais à frente neste especial.

    Você também pode gostar

    Assine nossa newsletter e
    mantenha-se bem informado