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60 Anos, 60 Histórias

O sorriso do “presidente bossa nova”

Na série 60 Anos 60 Histórias, a ousadia de JK e sua habilidade política, que se revelou fundamental para conduzir o país na turbulência dos anos 1950

Redação Jornal de Brasília

06/03/2020 6h28

Olavo Davi Neto e Vítor Mendonça
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Bossa Nova mesmo é ser presidente…

“Mandar parente a jato pro dentista,Almoçar com tenista campeão, (…)Isto é viver como se aprova,É ser um presidente bossa nova”Juca Chaves em “Presidente bossa nova”

A penas uma raposa política seria capaz de governar o Brasil daquele período. Como já mencionado neste especial, a década entre o fim do Estado Novo, em 1945, e o suicídio do presidente Getúlio Vargas, em 1954, significou na política nacional um caldeirão fervente prestes a transbordar o tempo todo. Militares, setores conservadores da sociedade civil, comunistas, mineiros, paulistas, pernambucanos e gaúchos, tudo junto numa mistura com o máximo de potencial explosivo. Como cozinheiro, porém, JK parecia ter a mão certa para não deixar o caldo desandar.

Governador de Minas Gerais quando do tiro que parou o Brasil, Juscelino Kubitschek de Oliveira somente pudera concorrer ao Palácio da Liberdade, sede do Executivo mineiro, graças à quebra na aliança entre o Partido Social Democrático (PSD) e o Partido Trabalhista Brasileiro (PTB), que lançara o nome de Vargas nas eleições de 1950. Fora da coligação varguista, o PSD mineiro — comandado por Benedito Valadares, que nomeara JK prefeito biônico de Belo Horizonte em 1940 — apostou no também mineiro Cristiano Machado, que sequer venceu em Minas.

Memorial JK. Foto: Vitor Mendonça/JBr

O apoio de parte da cúpula da sigla à candidatura de Machado possibilitou a barganha de Israel Pinheiro para lançar Juscelino ao governo estadual. Lá, ele apoiou-se no binômio “energia e transportes”, e seu mandato ficou marcado pelo incentivo à siderurgia e à rejeição ao histórico status agropecuário ligado a Minas Gerais. Teve, portanto, de utilizar o jogo de cintura que marcaria sua trajetória política para conciliar os ataques de uma oligarquia rural a um projeto desenvolvimentista inspirado nas ideologias varguistas.

A vida do tenente-coronel Oliveira

O período à frente da prefeitura de Belo Horizonte, as convicções políticas e o episódio eleitoral, entretanto, não foram as primeiras vezes em que Getúlio Vargas teve influência na vida de Juscelino Kubitschek. Natural de Diamantina, ainda menino JK se apaixonara pela medicina ao ser tratado por um médico que lhe impediu de perder um dedo. Educado em casa pela professora Júlia Kubitschek, sua mãe — que teve importância fundamental na vida do filho — , foi indicado para a Repartição Geral dos Telégrafos, em 1921.

Conciliando o trabalho com a faculdade, tornou-se médico em 1927 pela Faculdade de Medicina de Belo Horizonte. A especialização em Urologia se deu em Paris, na França, onde morou e custeou, com muito esforço, a vida no Velho Mundo. Na volta ao Brasil, abriu um consultório e seguiu para o Hospital Militar da Força Pública, onde recebeu o posto de capitão-médico, em 1931, e no mesmo ano tornou-se chefe do Serviço de Urologia.

Em dezembro, formalizou o amor de toda uma vida. Filha de político, a jovem Sarah Gomes de Lemos se encantou pelo jovem médico, e os dois se casaram na Igreja Nossa Senhora da Paz, em Ipanema, no Rio de Janeiro. Logo após as núpcias, porém, os recém-casados foram obrigados a se separar. No dia 9 de julho de 1932, estoura em São Paulo a Revolta Constitucionalista, financiada pelas oligarquias cafeicultoras. Uma semana depois, as tropas paulistas tomaram o Túnel da Mantiqueira, por onde passava a locomotiva que cortava a Serra homônima, que separa Minas e São Paulo.

O batismo político

Neste mesmo dia, um destacamento foi enviado das terras mineiras. Entre os militares, JK. O combate se desenrolou por dois longos meses, num dos acontecimentos mais pueris da história brasileira. Inflamadas, as tropas paulistas não arredavam pé e provocavam baixas atrás de baixas nas fileiras inimigas. E lá estava Juscelino, então capitão, para tratar dos feridos. Em suas memórias, JK relata o cenário da batalha. “Começaram a descer feridos um atrás do outro. Uns tinha a farda ensaguentada, mas ainda conseguiam caminhar; outros, sustentados pelos padioleiros, gemiam, com a roupa esfarrapada deixando entrever os ferimentos de estilhaços de granada nas partes expostas de seus pobres corpos”, narrou o médico.

“Alguns já se encontravam em extrema agonia, intermitentemente faziam-se ouvir os tiros das peças de grosso calibre; canhões e morteiros, granadas explodindo a intervalos regulares davam-me a impressão tão estranha quanto sinistra: faziam-nos pensar que estavam estourando de um extremo ao outro, e que anjo da morte distendia um imenso sudário, disposto a amortalhar a Serra da Mantiqueira.” Como explicita Francisco Barbosa, o episódio marcou não só “o batismo de guerra, mas o batismo político” de Juscelino. Isto porque, no front, JK esteve ao lado de grandes figuras da política brasileira.

Estavam presentes, pelo lado legalista do confronto, o então coronel Eurico Gaspar Dutra, chefe das tropas do governo, futuro ministro da Guerra de Vargas e sucessor de Getúlio na Presidência; os capitães Ernesto Dornelles e Zacarias de Assunção, futuros interventores e governadores do Rio Grande do Sul e do Pará, respectivamente; e Benedito Valadares, que seria interventor em Minas Gerais e um dos padrinhos políticos de Kubitschek.

Também neste período se desenrolou uma cena que consagrou o médico na caserna. Ferido de morte por um fuzil, um soldado chegou à barraca com o abdômen aberto e órgãos vitais dependurados barriga afora. Rejeitando as ordens de um coronel, que o mandaram deixar o companheiro padecer, Juscelino operou o enfermo numa barraca de campanha e salvou a vida do homem. Além disso, negou-se a depor contra o oficial que ordenara em favor da morte do combatente em Inquérito Policial Militar (IPM) aberto posteriormente.

A consagração

Esta imagem é parte do Fundo Agência Nacional Série FOT Subsérie PRP

Eleito deputado pelo Partido Progressista (PP) em 1934, Juscelino viu Getúlio Vargas tomar, mais uma vez, o Brasil de assalto e instaurar a ditadura do Estado Novo, em 1937. Cassado, mas recompensado com a patente de tenente-coronel, retornou ao exercício da medicina na capital mineira, e em 1940 foi indicado por Valadares à prefeitura de Belo Horizonte. No Executivo municipal, criou a Escola de Arquitetura e confiou a Oscar Niemeyer o Conjunto Arquitetônico da Pampulha, então uma área isolada de BH.

Veio a queda de Adolf Hitler e, com o fim da guerra, a derrocada de Getúlio. Com a volta dos partidos políticos, fundou em Minas Gerais o PSD, do qual se tornou primeiro-secretário e pelo qual foi eleito deputado constituinte. Na Assembleia Nacional, pronunciou-se a favor da transferência da capital para o interior, medida que se consagrou no artigo 4º das Disposições Transitórias da Carta Magna promulgada em 1946. A militância, porém, deu-se por uma cidade a ser erguida no interior mineiro, e não no Planalto Central, como propunham seus colegas goianos.

Quatro anos depois, concorreria ao governo de Minas e, nas conturbadas eleições de 1955 seria o nome forte do PSD para liderar a chapa presidenciável, tendo por vice o ex-ministro do Trabalho de Vargas, João Goulart (PTB). A chapa era a consolidação da herança trabalhista dos governos getulistas, que ainda palpitavam no imaginário do proletariado brasileiro — principalmente graças à comoção gerada com o suicídio do presidente. Com uma proposta ousada, sintetizou as metas para o desenvolvimento do Brasil com a construção de uma nova capital, a terceira do país, a segunda sob a égide da República.

A cintura maleável permite o mandato

Eleito com 33,8% dos votos válidos, Juscelino teve a posse ameaçada pelo ímpeto golpista da oposição, liderada por Carlos Lacerda, da União Democrática Nacional (UDN) — um dos mais ferrenhos opositores do trabalhismo getulista —, que pregava a nulidade da eleição já que a chapa JK-Jango não obtivera maioria absoluta dos votos. Além disso, apontavam o apoio dos comunistas (liderados por Luiz Carlos Prestes) como outro fator de impugnação dos eleitos.

A manobra foi evitada graças à demissão do ministro da Guerra, marechal Henrique Teixeira Lott, que deflagou o Movimento 11 de Novembro para conter as aspirações de derrubada do presidente eleito. Assim, JK e João Goulart tomaram posse em 31 de janeiro de 1956, mesmo ano em que Juscelino assinou, em 18 de abril, a Mensagem de Anápolis, que determinava a construção da nova capital e instituía a Companhia Urbanizadora da Nova Capital.

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