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60 Anos, 60 Histórias

A Guerra Fria

“Soy Loco por ti America Tenga como coloresLa espuma blancaDe Latinoamérica”Gilberto Gil e Capinam por “Soy Loco por ti America”

Redação Jornal de Brasília

02/04/2020 14h01

Olavo David Neto e  Vítor Mendonça
[email protected]

A década de 1950 representava, além da reconstrução de um mundo devastado, a reorganização geopolítica do planeta. Com a definição não só da Segunda Guerra Mundial, mas das negociações, julgamentos, indenizações e medidas punitivas aos derrotados no conflito, o globo inteiro acompanhava a crescente polarização entre Estados Unidos e União Soviética, que encabeçavam dois lados antagônicos ideologicamente. Enquanto os comunistas visavam a ampliação do território no leste europeu e na Ásia, os capitalistas reforçaram o domínio sobre o que lhes era dado como quintal: a América do Sul.

Contestações do domínio ianque pipocavam no Cone Sul, embora não fossem suficientemente representativas para apresentar resistência ao domínio norte-americano. O Brasil, aliado histórico dos EUA, mantinha-se sempre à sombra do desenvolvimento capitalista, mas, à primeira ameaça relativamente concreta, dada no próprio “quintal”, trocou mãos pelos pés. Sem conseguir gerenciar as crises que se davam ao seu redor a não ser pela força, o Tio Sam acabou por empurrar algumas personagens, até então, neutras para o lado vermelho do mundo. A Revolução Cubana é um exemplo disso.

Pérola do Caribe

O Caribe, um arquipélago controlado pela Espanha desde as Grandes Navegações, virou alvo da Doutrina Monroe, política diplomática norte-americana que pregava “a América para os americanos”, no encerramento do século XIX. Tomada de assalto, Cuba não vivenciaria a liberdade anunciada pelas forças ianques, e, sim, apenas a troca de um colonizador por outro. Tais medidas, repetidas pelo “Tio Sam” em Porto Rico, por exemplo, levaram os críticos a reescrever o mote dos Estados Unidos com certo escárnio: o continente, na verdade, era para os norte-americanos.
Exportadora de açúcar e outras mercadorias coloniais, como tabaco e rum, Cuba virou, literalmente, uma extensão dos EUA no centro das Américas. O ponto mais alto da influência estrangeira no território cubano foi a Emenda Platt, de 1901, aderida à Constituição cubana.

Segundo o dispositivo, os Estados Unidos poderiam intervir na ilha sempre que seus interesses estivessem em jogo, sobre o pretexto de que as medidas objetivavam a “preservação da independência cubana”, de acordo com o texto. A Emenda Platt vigorou até 1933, quando um surto de nacionalismo promoveu mudanças moderadas no controle político-econômico de Cuba.

Neste ano, uma revolta encabeçada pelo militar Fulgêncio Batista derrubou o ditador Gerardo Machado. O novo regime fez reformas populares em Cuba e, em 1940, Batista finalmente assumiu a Presidência, onde ficou até 1944. Depois de um período nos EUA, candidatou-se novamente em 1952, e, ante a iminência da derrota, cancelou o pleito e se declarou presidente. Aí, então, Cuba sucumbiu. Envolvido com a máfia norte-americana, com relações íntimas nos jogos de azar e cassinos que enchiam Havana de néons, financiador e acionista da rede de prostituição implantada pelos vizinhos, Batista usou e abusou da violência contra os opositores, inclusive trazendo de volta a pena de morte, extinta desde a independência, em 1898.

A revolução: “Pátria o muerte!”

O recrudescimento das forças repressoras, como em todo o mundo, levou a reações firmes. Uma delas se deu no quartel de Moncada, em Santiago de Cuba, a 26 de julho de 1953. Mortos, feridos ou capturados, os rebeldes eram liderados pelos irmãos Raúl e Fidel Castro, condenados a 15 anos de prisão pela insurgência. Neste julgamento, Fidel se manteve impassível. “A História me absolverá”, proferiu o guerrilheiro. Soltos dois anos depois, os Catros se exilaram no México, onde conheceram um andarilho argentino já às voltas com movimentos subversivos.

Ernesto “Che” Guevara se juntou ao grupo cubano e, em 1956, embarcou no iate Granma de volta ao arquipélago. A recepção das tropas legalistas culminou com a morte de 80 homens, o que forçou o Movimento 26 de Julho a se abrigar na Sierra Maestra, maior elevação de Cuba. Do maciço, a guerrilha se reestruturou, inclusive recrutando novos membros entre a população rural. Os ideais nacionalistas, pouco a pouco, davam certa grandeza à luta dos homens de Fidel. A primeira cidade com mais de mil habitantes conquistada, porém, se deu em 1958, ano em que os rebelados pavimentaram o caminho para a conquista do país.

Foi também em 1958 que diferentes vertentes da sociedade cubana se voltaram em apoio à guerrilha. Comunistas, burgueses, funcionários públicos e o próprio braço armado do governo já evitavam combates com os guerrilheiros. Nos últimos meses do ano, a marcha para Santa Clara definiu os rumos do conflito, e Fulgêncio Batista fugiu para Miami, na Flórida, a 31 de dezembro. No primeiro dia de 1959, triunfava a Revolução Cubana. De cunho nacionalista, foi atacada com ferocidade pelos Estados Unidos, o que fez o país de Castro se aproximar do URSS.

A Operação Pan-Americana

Enquanto os tiros festivos de fuzis revolucionários se faziam ouvir em Havana, e as picaretas do futuro abriam caminho para a inauguração de Brasília, os maiores líderes da América se reuniram em Buenos Aires, capital argentina, para discutir os rumos do continente. A iniciativa do grupo partiu do próprio Juscelino Kubitschek, ainda em 1958, quando encaminhou carta a Dwight Eisenhower, presidente norte-americano, tratando da importância da participação do Tio Sam no desenvolvimento da América Latina. Com sinalização positiva, foram marcados os encontros, ainda sem saber quem participaria da comitiva cubana.

Na reunião, ficou claro que o contexto de Guerra Fria impeliu os Estados Unidos a utilizarem políticas de aproximação não apenas de cunho cultural e militar, como já o faziam, mas também de âmbito econômico. O delegado ianque, Thomas Mann, elencou uma série de medidas do país capitalista para fomentar o desenvolvimento latino-americano, “não porque tememos o bloco soviético”, mas por uma vontade nunca antes vista do governo norte-americano de cooperar com os vizinhos.

Assim, anunciou apoio à criação do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), injeção de capital no Eximbank – que negaria empréstimos ao Brasil para a construção da Barragem do Lago Paranoá, como visto na 44ª reportagem deste especial -, e a facilitação para o soerguimento de um bloco comercial no Cone Sul, que resultou na fundação da Associação Latino-Americana de Livre Comércio (ALALC), em dezembro. Assim como em Havana, Fidel entrou na reunião com o pé na porta. Em discurso, declarou que a ajuda necessária aos Estados “de abajo” deveria ser na ordem de US$ 30 bilhões.

Operação Pan-Americana

No Estados Unidos, apesar das posições de Eisenhower e bastiões do governo, setores do parlamento e da oposição viam no que se denominou Operação Pan-Americana (OPA) uma rebelião semelhante à da Sierra Maestra. As falas de Fidel em Buenos Aires inflaram ainda mais os conspiradores. “A OPA (…) era um movimento de rebeldia, integrado não apenas pelos habitantes de uma ilha (…), mas por todas as nações do continente”, comenta Juscelino em Por Que Construí Brasília. “A solução seria o congelamento indefinido das soluções, o imobilismo pela burocratização”, escreve o ex-presidente.

A sessão foi encerrada com um discurso da delegação brasileira, representada pelo poeta, diplomata e assessor de JK, Augusto Frederico Schmidt, que subiu ao púlpito preocupado, mas resiliente. “De qualquer maneira, com ou sem auxílio dos que estão em condição de ajudar-nos, não nos conformamos, não aceitamos a estagnação econômica e a miséria para milhões de americanos. Falamos em nome de um mundo livre, que deseja continuar livre; falamos em nome de muitas angústias, mas também de muitas esperanças”, bradou o brasileiro.

Visita ao Planalto

O encontro resultou em 24 resoluções a serem seguidas pelos países-membros. A aplicação delas, porém, foi retardada. Por proposições norte-americanas, determinou-se um hiato de 16 meses até a próxima reunião, marcada para setembro de 1960 em Bogotá, na Colômbia. Conforme relata JK, era “tempo mais que suficiente para que fosse executado o plano, já tramado em Washington, de se desfazer no espírito dos latino-americanos a preocupação por seu bem-estar”.

Após as rodadas de conversa, Juscelino enviou convite a Fidel Castro para que o primeiro-ministro cubano visitasse as obras da então futura capital do Brasil. “Na época, Fidel Castro era apenas uma expressão do inconformismo latino-americano em face da insensibilidade dos EUA”, relata JK. Recepcionado no aeroporto, Castro se impressionou com a cidade em construção, tendo afirmado a Kubitschek, entre horas e horas de monólogo, como viria a se tornar corriqueiro para o chefe de governo caribenho, que o futuro se abrilhantava para o Brasil.

“É uma felicidade ser jovem neste país, presidente”, disse o revolucionário. Em Brasília, Castro teve como guia o militante comunista Oscar Niemeyer.

Na capital, o comandante de Cuba se encantou com a arquitetura, tecendo comentários sobre as edificações ou questionando um ou outro ponto acerca da construção. “Quando a excursão chegava ao fim, deixou-se ficar calado, os olhos postos na paisagem cinzenta do Planalto”, escreve Juscelino.

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