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60 Anos, 60 Histórias

1891, Brasília vai para o papel

“Fica pertencendo à União, no Planalto Central da República, uma zona de 14.400 quilômetros quadrados, que será oportunamente demarcada para nela estabelecer-se a Capital Federal”

Redação Jornal de Brasília

10/02/2020 9h23

Olavo David Neto e Vítor Mendonça
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“No Brasil, revolucionário é seguir as leis.” A frase do ex-deputado federal Chico Alencar (PSOL/RJ) não é estranha à vida pública brasileira. Um dos problemas dos herdeiros da terra tupi-guarani é a quantidade de normas, e a frequência com a qual elas mudam de direção. E a triste tendência, muitas vezes, da regra escrita ser solenemente ignorada. Desde que se erigiu como soberano politicamente, o Brasil redigiu sete Constituições — e rasgou seis delas. Três das Leis Maiores do país versavam sobre a transferência da capital federal para o interior, longe do mar. Mas a capital efetivamente só foi transferida para o interior 71 anos depois de pela primeira vez se tornar norma constitucional.

Em 1889, a primeira e mais longeva Constituição do país, a Imperial de 1824, acabara de ser derrubada, e os artífices do novo regime se organizavam para promulgar a terceira mais duradoura de nossa História.

O amanhecer republicano trouxe feixes de esperança para o povo que “assistiu bestializado” à Proclamação da República. Sob uma nova forma de governo, uma possível desconcentração do poder nacional era vista como estopim para o desenvolvimento de regiões alheias ao Sudeste. “A Constituição procurou atender mais aos anseios federalistas, de descentralização”, aponta Kelerson Semerene. “De modo que a gente pode ter, em alguns aspectos, avanços, e em outros, nem tanto”, completa o professor do Departamento de História da Universidade de Brasília.

Por um lado, um povo acostumado a lidar com um monarca pretendia agora ser responsável pelos rumos do país, independentemente de cor ou status social. Neste sentido, concepções básicas, como igualdade de direitos, foram positivadas. “Há, por um lado, uma evolução pela própria superação da monarquia. Assim, se extinguem alguns princípios, como a ideia de diferentes níveis de cidadania, de diferentes tipos de cidadãos que a Constituição Imperial previa”, aponta Semerene.

Mesmo assim, alguns dispositivos consagrados na Carta Magna indicavam mais para um fechamento democrático que para uma ampla participação do povo brasileiro. “Houve, por exemplo, a proibição de voto ao analfabeto. Com isso, ocorre uma diminuição do eleitorado brasileiro, não um aumento”, argumenta Kelerson. “O fato é que a Primeira República não logrou ser uma República efetivamente democrática, tanto que é conhecida como Oligárquica”, completa o historiador.

Novas leis para um novo governo

Pouco mais de um mês após a Proclamação da República, o Governo Provisório emitiu o decreto nº 78 B, de 21 de dezembro de 1889, que determinou, no artigo 1º, que em “15 de setembro de 1890 se celebrará em toda a República a eleição geral para a Assembleia Constituinte, a qual compor-se-há de uma só câmara, cujos membros serão eleitos por escrutínio de lista em cada um dos estados”. De maneira discreta, o artigo 2º marcava para o primeiro aniversário da República o início das discussões para constitucionalizar o regime: “a Assembleia Constituinte reunir-se-há dous meses depois na Capital da República”.

Eleitos em setembro, os constituintes abriram os trabalhos da segunda Assembleia Constituinte do Brasil exatamente um ano após a proclamação. Do primeiro dia até 21 de novembro, foi discutido, proposto e aprovado o Regimento Interno do Congresso Nacional Constituinte. Após leitura e análise do projeto de Constituição encaminhado pelo Governo Provisório, os parlamentares se dedicaram efetivamente à elaboração de uma Carta Magna para a recém-proclamada forma de governo.

O debate em torno da mudança da capital foi o centro da discussão em diversos momentos. Na sessão de 13 de dezembro de 1890, conforme os Anais da Constituinte de 1891, o deputado fluminense Thomaz Delphino conclamou os pares a discutir o assunto. Para tal, argumentou que o Rio, por si só, já era uma metrópole.

“O Rio de Janeiro não é grande por ser a Capital; não precisaria de ouropéis [falso ouro] da Corte (…) para ser um dos maiores empórios comerciais do mundo, uma das maiores cidades da América”, afirmou, em plenário. Ao fim do discurso, Delphino defendeu que a nova capital fosse um lugar pacato, sem grandes ambições urbanas e populacionais. “Não deve ser sem dúvida, em caso algum, uma importante cidade”, cravou o constituinte.

Dois dias depois, ao findar a discussão sobre vencimentos a serem recebidos pelo imperador destituído, o constituinte Virgílio Damásio, da Bahia, apresentou verbalmente uma emenda ao artigo da Carta Magna que versava sobre a composição do território brasileiro.

Segundo o parágrafo único adicionado pelo parlamentar, fica “desde já resolvida a mudança da Capital, e, na próxima legislatura, o Congresso decretará onde deve estabelecer-se a Capital”.

Na 13ª Sessão da Assembleia Constituinte, em 20 de dezembro, 89 constituintes, capitaneados pelo catarinense Lauro Muller, apresentaram uma emenda que destinava uma região retangular com área de 400 léguas quadradas (cerca de 1.920 quilômetros quadrados) no cerrado goiano.

Por que os candangos deveriam celebrar o  dia 22 de dezembro?

No dia 22 de dezembro, o artigo 3º foi aprovado com o parágrafo que se refere à transferência da capital. Apesar de aprovado, no entanto, o adendo foi contestado por Corrêa Rabello, que pretendia reduzir o espaço destinado à futura capital da República de 400 léguas quadradas (aproximadamente 6.990 quilômetros quadrados) para 25 léguas quadradas (cerca de 436 quilômetros quadrados).

Como argumento, Rabello apontou que os Estados Unidos da América delimitaram área inferior para a edificação de Washington, onde 26 quilômetros quadrados foram reservados à capital.

Pouco mais tarde, da tribuna dos oradores, o congressista Pedro Américo teceu fortes críticas ao ritmo e à forma das discussões. “(…) Creio que se poderia tratar do assunto de modo menos vago do que até aqui se tem feito, pelo menos quanto ao prazo concedido para essa mudança”, disparou o parlamentar. Os constituintes seguiram a discussão do primeiro esboço de Constituição até 21 de janeiro, quando o projeto foi aprovado. Em seguida, mais duas rodadas de análises (3 a 14 de fevereiro e 16 a 18 de fevereiro, respectivamente) vieram e, apesar das tentativas de se reduzir a área destinada ao novo Distrito Federal, ampliou-se a demarcação para 14.400 quilômetros quadrados.

No dia 24 de fevereiro, após assinatura dos parlamentares e a devida outorga do texto, o Brasil conhecia seu primeiro texto constitucional sob a égide da República.

O artigo que estabelece a mudança da capital para o Planalto Central sobreviveu à Constituição, derrubada em 1930 por Getúlio Vargas, já que nas Cartas Magnas de 1934 e 1946 a ideia permaneceu no aparato legal brasileiro. A exceção foi a Constituição de 1937, decretada pelo próprio Vargas — e que deu início à ditadura do Estado Novo, período mais sombrio do ex-presidente.

Nela, o mesmo artigo 3º que obrigava à nação uma nova sede de poder passara a versar, num tom quase amargo: “O Brasil é um Estado federal, constituído pela união indissolúvel dos Estados, do Distrito Federal e dos Territórios. É mantida a sua atual divisão política e territorial”. E nada mas é dito sobre a mudança da capital. A mudança da capital para o centro voltará, então, na Constituição de 1946. E será somente depois disso que afinal alguém dará atenção ao que previa a norma.

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