Gabriel de Sá
O niteroiense Gustavo, ou Black Alien para os menos íntimos, foge do estereótipo do rapper americano: não tem carrão, não usa corrente de ouro e nem gorro. Fã de Vinícius e Chico Buarque, o letrista inspira-se em Herbert Vianna para falar de amor e tem pretenções de gravar com João Gilberto. Em entrevista ao Jornal de Brasília, o rapper, que faz show hoje à noite na festa Funfarra, fala da carreira, da passagem pelo grupo Planet Hemp, dos downloads grátis na internet, da “besteirada” no cenário do hip-hop atual e dispara: “É difícil perder o estigma de bandido”.
Sua música é classificada como rap. Contudo, você tem parcerias musicais com artistas de diversos estilos, como Raimundos, Carlos Lyra, Paralamas do Sucesso, Fernanda Abreu… Qual é a influência dessa variedade de estilos na sua música?
Ter gravado com todas essas pessoas foi uma honra. É só gente que eu admiro. Eu não faço nada só pelo dinheiro, só se fosse muita, muita grana. E, mesmo assim, ainda iria pensar. Se eu não acreditar naquele artista eu não faço. Eu dou uma desculpa, uma enrolada. Sou fã de todos esses artistas, desde equeno. A minha caneta está a serviço. Se me pedirem eu escrevo com o maior prazer, dou o melhor de mim.
Como isso é recebido pelos colegas do hip-hop?
A ala mais xiita do rap não gosta muito que eu transite por estilos tão distintos, mas eu não tenho que dar satisfação a ninguém. A maioria desses caras não paga nem conta, só enche o saco. Não adianta ficarem criticando com quem eu gravo ou não. Outro dia encheram meu saco por que eu gravei com a Daniela Mercury. Ter vergonha disso? Muito pelo contrário. Eu fico amarradão.
Você fala de amor em canções e faz um rap mais dançante no seu álbum (Babylon By Gus – Volume I: O Ano do Macaco), um pouco além da temática comum no estilo, que é a violência. Por quê?
O baile fica agressivo, e não pode ser assim. Se quiser agressão, vá lutar boxe. Eu falo de amor por que o baile fica mais calmo e não tem outra revolução que funcione melhor do que essa. Todas as outras deram errado. A
onda é dançar e pensar ao mesmo tempo, se divertir ali, suar, extravasar um pouco. Ao mesmo tempo, levar alguma coisa para casa para refletir. O nome de seu álbum faz refêrencia a Babylon by Bus, de Bob Marley.
Como você define a influência dele e do reggae na sua música?
Na minha vida, o reggae vem antes do rap, por causa do rádio. Ouvia Jimmy Cliff, Gilberto Gil, que entendeu a ideia do Bob, os Paralamas, Peter Tosh, Police. O rap chegou pra mim em 1986, através de dois discos, um dos Beastie Boys (Licensed to Ill) e outro do Run DMC (Raising Hell).
Quais outros artistas desse porte tem ligação direta com o trabalho que você faz?
Admiro muito, muito mesmo, o Vinicius de Moraes. É um clichezão, mas o cara é sinistro. Chico Buarque também. Tenho a ambição de gravar com o pessoal da Bossa Nova, o João Gilberto. É impossivel, mas estou tentando. Dos gringos, gosto de alguns jamaicanos. Mas lá fora eles tem os artistas deles e eu tenho que falar do Brasil. Tem uns que eu até conheço pessoalmente, como Ja Rule. É bacana, mas é outra pegada. Não tenho essa ambição. Prefiro os artistas brasileiros. Tenho a ambição de gravar com artistas que eu admiro, mas vou chegando devagar. Às vezes, vou de entrão, mas com todo respeito. As músicas do grupo faziam grande alusão à legalização da maconha.
Suas canções atuais mantiveram alguma referência a este conteúdo?
Nenhuma letra minha fala disso, nem quando eu era do Planet. As minhas partes não tinham nada a ver com o que o Marcelo D2 tava falando. É só ouvir os discos. Esse assunto é muito sério, não me refiro a ele de qualquer
jeito. Ele deve ser tratado como assunto de saúde publica.
Como é a relação com alguns ex-colegas de grupo?
Eu torço por todos, mas não sei de nada. Tenho que correr atrás do meu. Faço uma média boa de shows por mês, mas tá difícil para todo mundo. Ano passado, muita gente nem conseguiu tocar, fazer shows. Mas eu não tenho mágoa de nenhum artista, absolutamente. Me dou bem com todo mundo. Já rolaram problemas com o pessoal do Planet, saiu um “boxe” ou outro. Era muita pressão também. Você fica dentro de um ônibus com um bando de homens, às vezes acontece. Fora isso, tudo tranquilo. Eu saí fora da banda, pedi demissão e nem busquei meu “dinheirinho” da recisão. Mas falo com todos, sempre encontro o Marcelo. Abro alguns shows dele.
Como você vê o sucesso da música Quem Que Caguetou?, de sua autoria? (Ela fez parte de um comercial de carro na Europa e foi remixada pelo DJ Fatboy Slim)
Essa música, um funk carioca, é bilingue. Então, quando as pessoas lá fora entendem o que a gente está falando, prestam mais atenção. Por isso ela chamou a atenção de um produtor de comercial. Ele gostou e a música estorou. A gente nem imaginava. Mas isso não massageia meu ego, não. Na verdade, deu
mais dor de cabeça do que retorno financeiro ou reconhecimento.
Como é o público de rap, em geral?
É um público meio agressivo. Então a gente vai indo devagar. Às vezes nego esquece que eu vou fazer 40 anos, não tenho 20. Como estou sempre de bermuda, e não tenho barba nem cabelo branco, as pessoas confundem as coisas. Mas gosto muito do meu público. É por eles que eu estou aqui. Se não, estaria fazendo outra coisa. Essa cena é muito forte lá fora, principalmente nos EUA… O hip-hop, na verdade, foi inventado na Jamaica. Nos EUA, tem vários tipos de rap diferentes. O que chega para a gente aqui é o lixo, é a ostentação, aquela coisa de violência, sexo e dinheiro. O jovem brasileiro, às vezes, cai nessa, pensando que a vida é isso aí. Mas não tem como comparar, por que lá é um indústria muito forte, gera muito dinheiro. Eles pensam assim: ‘Há 20 anos, a gente era perseguido, e agora todo mundo tá babando nosso ovo’. Porque gera dinheiro. Não é nem por que gostam. Lá tem a papelada toda, certinho, todo mundo tem a gravadora certinho. Aqui nosso Ecad (Escritório
Central de Arrecadação e Distribuição, responsável pelos direitos autorais) não funciona. A Ordem dos Músicos do Brasil (OMB) também não ajuda em muita coisa. Então, é dificil você sair e tocar pra 50 pessoas. Você não vai
conseguir pagar conta assim. Principalmente por que a maioria dos MCs não sabem cantar, não é intérprete, está dando a opnião pessoal dele ali. Não é todo mundo que concorda. É dificil perder o estigma de bandido, de ladrão. Mas a gente vai indo, devagar…
Você participa do documentário Palavra Encantada, de Helena Solberg, no qual depõe sobre a importância das letras de música. Você diz: “Eu vou seguir apalavra para fazer o máximo que eu puder através dela”. Como você avalia o uso da literatura nas letras de rap?
Eu acho que literatura demais enche o saco. Gírias, somente, também não é legal. Tem que ter de tudo um pouco para você atingir o máximo de pessoas possível com aquela informação. Se você citar Guimarães Rosa, de repente o fã daquele MC vai procurar saber quem é Guimarães Rosa. Daí você acaba fazendo um papel que a sociedade não faz pelo povo mais humilde, sem acesso à educação. O rap é um instrumento de informar o povo. Eu, assim como vocês, me considero um jornalista, por levar informação à população.
E como está a cultura hip-hop no Brasil?
A cena está melhor, temos bons MCs e DJs. Eu só não concordo com uma coisa: ninguém aqui tem que andar de toca de lã, com 40 graus de sol, só porque os “caras lá” usam toca de lã. Aqui não faz frio, amigo. Eu acho que a gente tem que pegar nossa identidade, com calma, devagarinho, sem querer ser clone dos caras. Não agir como eles agem: ter carrão, usar joias… Tem gente que aluga joia aqui, cara. Passa necessidade e aluga joia para andar na rua. É um absurdo.