Inácio Araújo
São Paulo – SP
Em “Eles Voltam”, seu primeiro filme, Marcelo Lordello já introduzia a figura paterna como portadora da lei. Era ela que castigava seus filhos, devido a um pequeno delito, deixando-os no meio da estrada. Ironicamente, esse poder do pai é que permitiria a seus filhos -sobretudo à filha- conhecer um mundo de que em outras circunstâncias nunca tomaria parte.
Em “Paterno”, a imagem do patriarca impositivo retorna com força. Enquanto esse pai agoniza num leito de hospital, o arquiteto Sergio se debate em várias frentes. Desentende-se com o irmão a respeito de um arrojado projeto que tenta levar adiante e trabalha para comprar inúmeras casas no bairro modesto de Brasília Teimosa, onde sua empresa pretende investir em um grande empreendimento.
Ainda investiga as secretas relações do pai com uma amante e tenta encaminhar o filho, que quer ver seguir na mesma profissão que ele, trabalhando na mesma empresa. No mais, Sergio se desentende com a mulher, seja por conta das tensões que suporta, seja por carregar os genes do patriarcalismo.
Em poucas palavras, Marcelo Lordello substitui o atrevido minimalismo de “Eles Voltam” por uma forma mais tradicional, em que acomoda sua análise detida da existência burguesa no Recife -não muito diferente, no mais, da existência burguesa em qualquer lugar do país, e talvez do mundo.
É uma espécie de fatalidade que toca essa existência. De uma juventude fácil e livre, inclusive para pensar, às responsabilidades com a herança que recebeu e com a que deve deixar.
A questão envolve também corrupção grossa, mas o arquiteto sabe que precisa sujar as mãos para que a empresa familiar continue. Com isso, o drama se desloca para área social. A rigor, nunca saiu dela, mas entra com mais evidência. Trata-se de, entre outras, de comprar as casas dos pobres pelo menor preço possível, isto é, trata-se de explorá-los. Sergio faz seu papel de herdeiro, mas o contato com o filho o leva a recordar com nostalgia a própria juventude e a antiga rebeldia.
No presente, porém, o que vigora é a lei do pai.
O vasto feixe de questões significa em última análise que Lordello, ao menos provisoriamente, trocou o minimalismo pelo drama burguês. E o realiza com propriedade. O vasto número de personagens na trama é bem controlado -com exceção de uma moça que aparece no velório saída não percebi de onde e depois desaparece.
À parte isso, com a preciosa ajuda de um Marco Ricca discreto e eficaz, o filme capta as inúmeras nuances do drama que afeta a Sergio, prensado entre ser filho e ser pai, irmão mais novo, artista arquiteto cheio de ideais renegados e empresário de poucos escrúpulos na área da construção civil -ou seja, destruição de cidades.
De certa forma, “Paterno” compõe um retrato sutil e implacável de uma burguesia cuja grande especialidade parece ser produzir a infelicidade de si mesma e dos outros -os pobres, que explora ou eventualmente corrompe.
Tudo muito adequado. Mas será o caso de perguntar, apesar de todas essas virtudes, será “Paterno” um filme mais memorável do que “Eles Voltam”? “Paterno” parece uma espécie de prova de que Lordello é capaz de fazer bem um cinema dito normal. Sim, é capaz.
O tempo dirá onde, afinal, se situa esse cineasta que guarda certa semelhança com o seu protagonista, capaz de fazer um projeto original em maquete, mas que se conforma em seguir os passos determinados pelo pai e construir aqueles monstrengos que ocupam tão ostensivamente as praias recifenses.
Também é verdade que “Paterno” não é nenhum monstrengo, mas por ora dá a impressão de ser um passo atrás em relação à audácia prometida, dez anos atrás, por “Eles Voltam”.
PATERNO
AValiação Muito Bom
Quando Na Mostra de SP: Espaço Itaú Frei Caneca, sábado (22), às 18h30; e Cineclube Cortina, 1º/11, às 19h
Classificação Livre
Elenco Marco Ricca, Fabiana Pirro e Gustavo Patriota
Produção Brasil, França, 2022
Direção Marcelo Lordello