A segunda noite da Mostra Competitiva Nacional do 58º Festival de Brasília do Cinema Brasileiro foi marcada por emoção, denúncia e potência estética. Exibidos no último domingo (14), no Cine Brasília, o documentário “Xingu: À Margem”, de Arlete Juruna e Wallace Nogueira, e o curta-metragem “Dança dos Vagalumes”, dirigido por Maikon Nery, levaram ao público reflexões profundas sobre pertencimento, justiça e luta por direitos.
Durante a ocasião, Maikon Nery destacou a importância simbólica e política do curta, feito no assentamento Eli Vive, do Movimento Sem Terra, no Paraná. “Esse filme foi feito num lugar muito especial para a luta e a conquista dos trabalhadores sem terra”, afirmou. Ele ressaltou que o assentamento abriga cerca de 500 famílias que produzem alimentos saudáveis e abastecem diversas cidades da região. “É importante falar da conquista dos trabalhadores sem terra do Paraná”, disse, ressaltando o papel social e político do movimento.
Em um discurso emocionado, ele relembrou o período pandêmico, destacando o trabalho social do MST, que distribuiu mais de 7 mil toneladas de alimentos para a população. Nery agradeceu ao festival e à equipe do filme, e celebrou a presença no evento. “Estou muito feliz de estar aqui. O Festival de Brasília é um lugar muito importante para o cinema brasileiro”, frisou. Para ele é uma honra estar no CIne Brasília e poder ver a percepção do público quanto a obra criada por ele.
O diretor contou ao Jornal de Brasília, o contexto em que a ideia do curta surgiu, durante a pandemia. “Naquele momento em que a gente estava sem entender o que estava acontecendo, num pessimismo absurdo”, comentou. Foi então que ele leu um livro chamado Sobrevivência dos Vagalumes do Georges Didi-Huberman, em que ele analisa um texto de Pasolini sobre o fim da esperança, da luta e o renascimento do facismo da sociedade de consumo. “No livro de Didi-Huberman ele traz coisas para além do texto do Pasolini, com um olhar mais direto e poético com um questionamento sobre os vagalumes”. Esse questionamento é refletido no filme que também pergunta se eles acabaram e se a luta também deixou de existir.
Antes da exibição de seu documentário Xingu à Margem, que aborda a dura realidade de comunidades ribeirinhas e indígenas afetadas pela construção de hidrelétricas no Rio Xingu, o diretor Wallace Nogueira fez um discurso emocionado ao apresentar a obra ao público. “Agradeço muito a presença dessa pessoa aqui, porque ela é muito importante para o mundo”, declarou, ao se referir a Raimunda Gomes, que participou da obra. “Agradeço de todo o coração por ela ter topado participar desse projeto”, completou.
Segundo o diretor, o longa é resultado de mais de dez anos de pesquisa na região do Xingu, incluindo o período anterior à chegada da eletricidade nas aldeias. Ele destacou que o filme é fruto do trabalho coletivo de uma equipe dedicada. Ele também agradeceu ao Festival de Brasília por acolher o filme, que para ele é uma obra política e “de guerrilha”, feita de forma independente. “Foi financiado pela Lei Paulo Gustavo e pelo Estado de São Paulo, e realizado a muitas mãos”, reforçou.
Para Wallace, existe um simbolismo enorme na estreia do filme neste festival, por mostrar a importância de discutir o desenvolvimento na região amazônica com responsabilidade e sensibilidade. “Estamos lidando com uma questão muito séria. O progresso está aí, mas precisamos refletir sobre o tipo de desenvolvimento que queremos”, disse.
Para Raimunda, estar no Festival de Brasília é um evento interessante porque ela nunca participou de um documentário neste nível antes. “E estar em Brasília é muito significativo para mim, como ribeirinha, como pescadora, como uma mulher trabalhadora do campo, eu me sinto presenteada por Deus e pelo Festival”. Para ela, esse documentário mostra a luta da vida contra a morte.