Há filmes que observam o medo — e há Bom Menino, que o fareja. Ben Leonberg transforma o instinto em linguagem cinematográfica e entrega um terror visto pelos olhos de um cachorro. O resultado é uma experiência inesperada, íntima e quase existencial. O público se torna cúmplice de Indy, um retriever da Nova Escócia que percebe o perigo antes de qualquer humano.
Desde os primeiros minutos, a câmera se abaixa até o nível do animal, e o que poderia parecer artifício se revela uma das escolhas mais inteligentes do gênero. A visão limitada, o som amplificado e a vulnerabilidade de Indy criam um tipo de horror novo — aquele em que o medo não vem do susto, mas da empatia. Leonberg constrói tensão pela sensação, não pela explicação.

A atmosfera é de pura imersão. Em 73 minutos, o diretor transforma o silêncio em ruído e o vazio em ameaça. A fotografia aposta em luzes frias e sombras densas, e o som — passos, respiração, rosnado — é tão narrativo quanto o roteiro. O que não se vê, imagina-se. O que não se entende, sente-se. É cinema feito de percepção.
Mas o grande trunfo é Indy. O cachorro não é mascote, é protagonista. Seus olhares, hesitações e gestos constroem uma narrativa emocional que nenhum humano poderia expressar com tanta pureza. Há algo profundamente tocante em assistir a um animal enfrentar o desconhecido apenas com o instinto e a lealdade. O terror nasce justamente dessa inocência.

O roteiro, embora original, escorrega em momentos de repetição e demora a avançar no segundo ato. A ambiguidade do que assombra a casa divide opiniões: para uns, é falta de explicação; para outros, é o charme do mistério. Leonberg prefere deixar o público farejar o medo por conta própria — e, nesse jogo de percepção, acerta mais do que erra.
Mesmo com simplicidade, Bom Menino mantém ritmo e consistência estética. O minimalismo da narrativa é compensado pela coragem da proposta. Leonberg não precisa de monstros nem de truques: basta um cão e uma casa vazia para recriar o medo primal de estar sozinho no escuro.
Ao final, Bom Menino se impõe como uma fábula sombria sobre empatia, solidão e coragem. Um filme pequeno em escala, mas imenso em sentimento. Leonberg entrega uma das experiências mais originais do terror recente — um lembrete de que, às vezes, é o olhar mais puro que enxerga o horror mais profundo.
Confira o trailer:
Ficha Técnica
Direção: Ben Leonberg;
Roteiro: Alex Cannon e Ben Leonberg;
Elenco: Indy, Shane Jensen e Arielle Friedman;
Gênero: Terror;
Duração: 72 minutos;
Distribuição: Paris Filmes;
Classificação indicativa: 12 anos;
Assistiu à cabine de imprensa a convite da Espaço Z