Menu
Torcida

Varjão FC acolhe jovem venezuelano com família de imigrantes

Johalves de Santana está há mais de um ano no time após vir da Venezuela com os pais e a irmã. “Quero ajudar a minha família”

Pedro Marra

18/12/2020 7h29

Vindo do povoado de Miranda, na Venezuela, a 85 quilômetros da capital Caracas, Johalves Daniel, 17 anos, é mais um garoto que joga futebol no Brasil em busca de se tornar um atleta profissional. De família imigrante, ele é o lateral-esquerdo do Varjão FC, time da cidade com 12 anos de história e mais de 200 garotas e garotos que alimentam o mesmo objetivo: pisarem em grandes palcos.

Vene, como é chamado no time (abreviação de venezuelano), deve muito à família por ter chegado ao Brasil. O garoto foi de ônibus com os pais, Deisy e Ayerff, junto da irmã Rosielys, de Valencia, também na Venezuela, até Boa Vista-RR. Eles chegaram ao Brasil em 8 de agosto de 2019, quando pegaram um voo até a capital federal, onde a tia do jovem, Mayra Alejandra Lugo, 39 anos, mora. Ela trabalha como empregada doméstica na Asa Sul e custeou as passagens aéreas até a capital federal com ajuda de uma patroa.

“Chegamos a Brasília graças à minha irmã. Meu filho joga futebol desde os 6 anos e o sonho dele é jogar e ser um futebolista profissional. Minha irmã me convenceu a vir porque eu não queria viajar. Eu tinha muito medo de mudar de país. A situação econômica na Venezuela estava muito difícil para poder comer. Às vezes nem isso conseguíamos”, conta Deisy Lugo, 41 anos, mãe do jovem. 

“No começo, algumas pessoas nos davam comida, geladeira, um fogão, itens de casa, todas vieram de doações de uma igreja presbiteriana e outra católica do Varjão. Na Venezuela trabalhávamos cuidando de animais, como porco e galinhas em uma granja de uma fazenda, e eu cuidava da casa. Então somos muito agradecidos pelo acolhimento dos brasileiros”, emociona-se Deisy.

“Mas espero que o meu filho tenha um bom futuro, porque na Venezuela não dá mais para ficar pela situação econômica. Temos a esperança que ele estude ou vire um profissional do futebol”, acrescenta a mãe.

Johalves diz que, no Brasil, gosta do Flamengo por ser fã do atacante Gabigol, mas destaca que a maior vontade é virar jogador profissional para poder ajudar a família a melhorar de vida. “Quero jogar em algum time para ajudar a minha família daqui de Brasília e da Venezuela. Eles ficam em primeiro lugar, o mais importante é isso”, afirma.

Com seis anos, Vene jogava futebol nas ruas de Miranda, onde tinha fácil comunicação com os colegas do mesmo país. No Varjão FC, apesar da diferença de idioma, conseguiu se enturmar. “Todo dia que vou para o treinamento, falo com os meus colegas mais na língua e sinais do futebol, aí fui me acostumando com o idioma aos poucos”, relata o jovem.

Sua mãe trabalha atualmente como embaladora em uma padaria da Vila Planalto, e agradece o apoio da irmã, Mayra, na chegada ao Brasil. “Ela morava em um refúgio Asa Norte e conseguiu um emprego, além de uma casa aqui na região. A princípio, foi difícil, eu queria voltar para a Venezuela. Fiquei um mês na casa dela até que o meu cunhado, que trabalhava onde eu estou trabalhando, conseguiu uma vaga de emprego para mim. Aí comecei a trabalhar desde então. Todos nós da família pegamos o visto permanente, e vamos renovar no ano que vem”, comemora a venezuelana.

‘Vene’ com a família. Foto: arquivo

“Eu dizia que ele podia jogar aqui”

Tia de Johalves, a empregada doméstica Mayra Alejandra Lugo, 39 anos, morou no refúgio Aldeia Infantil, na 914 Norte, quando chegou ao Brasil, em 22 de dezembro de 2018. Em abril de 2019, ela conseguiu o emprego atual em casa de família. Ela conta que se esforçou para ajudar Deysi por serem muito apegadas.

“Na Venezuela, minha irmã e eu éramos muito unidas e ainda somos. E eu não podia deixá-la por lá. Quando arrumei o meu trabalho na casa de uma família na Asa Sul, me senti muito feliz em poder ajudá-los, principalmente o meu sobrinho Johalves. Ele pode contar comigo sempre. Quando ele era pequeno, eu dizia para ele que eu conseguia morar aqui na região, e ele podia jogar no Varjão FC”, descreve a tia de Johalves.

Técnico do Varjão FC há 11 anos, Nilson Jansen elogia o comportamento e potencial de Vene no futebol. “Ele é um jogador raçudo e veloz, também muito técnico, mesmo sendo mais novo. Além disso, é de muita humildade, pois futebol tem de sobra. O tenho admirado demais porque tem muitos venezuelanos aqui no varjão, mas ele tem se destacado jogando um futebol de alto nível. E foi muito recebido aqui, até porque a língua do futebol é uma só, e ele sabe jogar assim como todos que estão aqui. O nosso cotidiano dentro do projeto é esse, aceitando e recebendo ele muito bem quem vier”, diz o treinador da equipe.

Nilson conta que precisou subir o garoto da categoria juvenil para a sub-20 porque precisava de um lateral-esquerdo, apesar de Johalves jogar no meio. “Confiei nele porque já está no Varjão há um ano. Assim que ele chegou, já procurou o projeto. Como a comunidade é pequena, ele se sobressaiu. Outra coisa que me chamou a atenção é que ele fala bem o nosso idioma. É um garoto muito humilde”, conclui Jansen, que foi atleta da Portuguesa-SP e Bahia na década de 90.

Foto: Martinelli Fonseca/Varjão FC

Pai sonha com vida estável no Brasil

Pai de Johalves, Ayerff Alexander Santana, 48 anos, trabalha como servente de pedreiro no Varjão. Ele recorda como a infância do filho era quando tinha uma bola por perto. “Ele sempre jogava futebol, e era só o que ele gostava, jogando com uma bola. Uma vez, quando eu estava esperando ele para trabalhar, dei um par de chuteiras para ele de aniversário. Ele chorou de alegria. É por isso que eu o apoio. Seria muito bom que ele chegasse longe a ponto de ser um profissional”, declara.

Ayerff reconhece a dificuldade para virar jogador no Brasil e costuma aconselhar o filho a investir nos estudos também. “O negócio dele é futebol, mas tem que entender que também tem que estudar. Eu disse que tem jogadores que são profissionais em futebol, mas, caso não dê certo, podem virar profissionais em outras áreas também. Espero que ele esteja sempre atento, escute os demais. Porque aqui no Brasil temos que trabalhar, mas seria bom termos uma vida estável, mas vamos conseguir”, conclui.

    Você também pode gostar

    Assine nossa newsletter e
    mantenha-se bem informado