João Antônio impressiona pela facilidade com que carrega para a literatura a linguagem das ruas, encaixotada na brutalidade dos marginais, na miséria dos deserdados, nas trapaças de jogadores e na promíscua relação de policiais com informantes. Dedo-duro, que foi editado pela primeira vez em 1982, e que agora está sendo relançado pela Cosac & Naify, é o ponto alto desta construção que, como disse Jorge Amado, transforma o lixo da vida em beleza e poesia. Certamente colaborou para esta bem-sucedida fusão da linguagem falada nos becos com a escrita literária, a militância de João Antônio na imprensa, da qual nunca se afastou.
Dedo-duro é divido em duas partes. A primeira reúne quatro textos: Toni Roy Show, Dois Raimundos e um Lourival, Milagre Chué e Excelentíssimo. Na Segunda, mais empolgante, estão três textos: Paulo Melado do Chapéu Mangueira Serralha, Dedo-duro e Bruaca. O melhor do livro está em Paulo Melado… em que o autor relembra sua infância pobre no subúrbio de Presidente Altino, em São Paulo, ao lado do pai, imigrante português, e a mãe, neta de negros. Já chegando aos 45 anos, João Antônio conta como o pai o introduziu nas rodas de choro, lembra dos tempos de quartel, de lutador de judô e dos primeiros empregos.
O ápice da emoção é quando o autor descreve a labuta da mãe ao lado do pai no botequim que montaram após a frustração de ver ruir a sociedade numa pedreira. “O pai pelejava e se batia, os nervos estalavam. Mamãe sofria e ia pra luta, se botava ao lado dele, dentro do balcão. Ali, mexendo-se como formiguinhas insistentes, aturando bêbados, gringos e ralados pelos credores, os dois começavam a envelhecer.” João Antônio entendia tudo, menos como a mãe, cozinhando e se multiplicando dentro de casa para dar conta do serviço, ajudando no bar e lavando roupa (“depois daquela pilha viria outra pilha e outra”) ainda encontrasse forças para cantarolar.
O conto que fecha o livro, Bruaca, é pungente. Narra a história do sinuqueiro que freqüentava o Beco da Onça e a Boca do Afonso, região da Vila Pompéia, São Paulo, onde o escritor passou parte de sua infância. Só depois de morto – Bruaca morreu na rua, “com os pés inchados que a barra da calça não alcança, os tamancos encardidos, saltos e bicos comidos”– só depois de morto é que se descobre que se chama Orlando.